Por: Victor Hugo Cruz Freire
Graduando em Imagem e Som,UFSCar
Harold and Maude (1971), ou como foi lançado no Brasil, “Ensina-me a viver”, é um filme sobre duas personagens que desejam, de uma forma ou de outra, morrer. Antes de me aprofundar no enredo, entretanto, desejo falar sobre os nomes do filme. O original é sem dúvida bem literal, sendo o nome dos dois protagonistas. A versão brasileira me parece mais interessante, pois é um título que refere-se muito mais à visão do Harold sobre os acontecimentos. Parece-me curiosa essa escolha, visto que a mudança de significado entre os dois títulos pode alterar significativamente a forma como o espectador estará ao começar a assistir ao filme. O último só faz sentido quando já se está assistindo ao filme.
Retornando ao assunto principal, Harold nos é apresentado primeiro. Há muito a dizer sobre ele, mas eu gostaria de salientar a forma quase mística que a personagem é construída. São ensaiados motivos para Harold querer terminar a sua vida, mas jamais é dita uma resposta conclusiva. Um dos motivos, e o mais óbvio, seria a sua relação com a sua mãe, que é uma mulher controladora. Não é viável a existência de Harold enquanto a sua mãe estiver por perto. Em todos os momentos que os dois estão juntos, ele torna-se apenas uma extensão da mãe, funcionando como um brinquedo que é ou deixa de ser algo quando ela decide que assim será.
Outro motivo seria o falecimento de seu pai e a forma como o seu tio Victor vira uma espécie de figura paterna para o garoto. Por mais que essa primeira parte não seja tão trabalhada, a segunda recebe relativo destaque durante o desenvolvimento da obra. Tio Victor representa toda a classe militar estúpida estadunidense (isso para não dizer de todo o planeta) que acredita que a sua forma de vida é engrandecedora por envolver grandes sacrifícios. Harold, entretanto, como o filme nos mostra, é uma pessoa que se apaixona por viver livre e levemente, o que explica a sua revolta quando sua mãe e seu tio tentam enviá-lo para o exército.
Além disso, é importante destacar como todas as tentativas de suicídio de Harold terminam de uma forma mística. Por mais que ele esteja cercado da morte, seja por suas idas aos funerais ou pelas tentativas contra a sua própria vida, ele simplesmente não morre.
Maude, por sua vez, é uma personagem mais misteriosa. Ela é apaixonada pela vida e pelo o que ela oferece, mas, ainda assim, deseja dizer adeus. Morrer aos oitenta anos lhe parece uma boa escolha. Ela surge na vida de Harold durante uma de suas idas à funerais de pessoas desconhecidas. Enquanto o garoto fica em silêncio, falando apenas nos momentos em que se “deve” falar, como durante as orações, Maude apresenta-se como uma personagem petulante. Ela come maçãs, tenta puxar papo, usa roupas coloridas, tudo isso durante os ritos funerários.
Com as suas atitudes absurdas e o seu carisma contagiante, Maude ensina para Harold que há mais na vida do que apenas morrer. Ela o leva a furtar carros e árvores, irritar policiais, dançar, aprender a tocar instrumentos e, principalmente, a sentir como se houvesse algo que faz valer a pena não morrer. A personagem poderia se tornar apenas mais uma das várias que existem e que servem para ensinar ao “aprendiz” que não devemos levar a vida tão seriamente, mas creio que Maude foge disso. Apesar de agir de maneira imprudente, há um significado por trás de suas ações. Ela não é despreocupada ou alienada, mas sim alguém que entendeu como deseja viver e morrer, assim como também entendeu que gostaria que Harold fizesse parte desse processo.
Um dos momentos que prova o caráter de Maude e que ela não é simplesmente uma despreocupada por ocasião, é quando Harold descobre uma tatuagem com números em seu pulso, o que, claro, leva à uma conexão clara com os torturados pelo regime nazista na Segunda Guerra Mundial. Esse momento, aliado com um anterior, no qual Maude diz que utilizava um guarda-chuva como método de proteção na sua época de jovem, na qual lutava por causas importantes, como direitos das mulheres, ensaia um grande passado da personagem, o qual nunca descobrimos de fato como se deu.
O mais brilhante da relação é que vemos o efeito dela na forma como os dois passam a lidar com os acontecimentos da trama. Harold desafia a sua mãe e começa a decidir os rumos da sua vida, enquanto Maude aceita deixar de ter o controle. Particularmente, um dos momentos que mais me tocou se dá na reta final do filme, quando Maude abre mão de ter o seu destino decidido por ela mesma, simplesmente porque agora há na sua vida alguém com quem compartilhar os momentos: o Harold.
Um aspecto fundamental no estabelecimento desse vínculo entre as personagens é o espaço. A casa de Harold é enorme, ele e os demais moradores não têm que ficar juntos. Na casa de Maude, entretanto, o espaço é muito mais estreito. Sempre que os dois estão ali, estão próximos fisicamente. De início, Harold se mostrava inquieto em permanecer naquele local, mas conforme os dois vão se conhecendo, o jovem passa a se sentir cada vez mais livre na casa de Maude. A linguagem corporal deles demonstra claramente o avanço de sua relação.
Outro elemento de destaque são os planos. Gosto, em particular, de quando os dois estão num cemitério e é mostrado primeiro o reflexo de ambos na água, seguido de planos de plantas, até que os dois surgem novamente em quadro, tendo uma discussão sobre qual planta cada um gostaria de ser. Por fim, há um plano geral, no qual há um zoom out, dando ênfase nos incontáveis túmulos.
Essa belíssima história não seria tão especial se não fosse acompanhada de uma trilha sonora igualmente impactante. As canções de Yusuf/Cat Stevens ajudam a ilustrar os planos, atribuindo-lhes emoções ainda maiores do que as imagens por si só teriam. Destaque para quando Maude e Harold cantam juntos a música “If You Want to Sing Out, Sing Out”.
“Ensina-me a viver” é um clássico do começo dos anos 70. Suas personagens carismáticas e memoráveis, momentos mórbidos, reflexões, músicas, planos belos e mesclas de sentimentos geraram um excelente filme. Um grande ensaio sobre a morte, mas principalmente sobre a vida.
REFERÊNCIAS
ENSINA-ME A VIVER. Direção: Hal Ashby. Produção de Mildred Lewis e Colin Higgins Productions. Estados Unidos: Paramount Pictures, 1971. Cópia digital.