Por: Mária Alejandra Pernía Ruiz
GRADUANDA / CINEMA E AUDIOVISUAL UNILA
A Triste História de Erêndira e Sua Avó Desalmada: Uma Análise sob a Perspectiva da Violência e do Ódio na América Latina
Escrita por Gabriel García Márquez em 1972 e publicada pela primeira vez em 1978, Erêndira é uma novela curta que também pode ser considerada um conto longo. O texto foi concebido em um contexto de violência e intolerância na Colômbia, durante um período de guerra civil.
A novela foi adaptada para o cinema no México, com Claudia Ohana e Irene Papas nos papéis da jovem Erêndira e sua avó, respectivamente. Oliver Wehe interpretou Ulisses e Michael Lonsdale o senador. Este filme, dirigido por Ruy Guerra e produzido por Alain Queffelean e Regina Ziegler, estreou em 1983, com o espanhol como idioma original.
O tema principal da obra é a prostituição.
Erêndira é uma jovem que vive com sua avó, uma mulher fria e cobiçosa, consumida pela inveja e pelo ódio em relação à sua neta. A avó, ao culpar Erêndira por um incidente que detonou sua ira, a obriga a se prostituir para pagar uma suposta “dívida” derivada de suas perdas. Erêndira, submissa e silenciosa, parece estar colonizada pela loucura de sua avó, embora no fundo anseie por libertação. A jovem se encontra presa em uma confusão, sem saber se prefere continuar com uma vida de abusos, mas com algumas comodidades, ou abraçar uma liberdade que não lhe oferece garantias. À medida que seu ódio por sua avó cresce, esse sentimento se intensifica e se entrelaça com o medo.
Essa experiência psicológica não se manifesta apenas a nível individual (entre Erêndira e sua avó), mas também a nível social. O ambiente machista em que vivem permite e até celebra práticas como a prostituição infantil e a violência às mulheres. O ódio no filme é mostrado diretamente no plano individual e indiretamente no coletivo, refletindo como ele se diversifica e se generaliza.
O ódio sempre tem um fim comum: destruir o objeto odiado. No caso de Erêndira, isso se manifesta por meio de ações concretas, enquanto na avó se apresenta tanto de forma discursiva (manipulando e convencendo Erêndira) quanto por meio de atos concretos (abusando e prostituindo sua neta). O sentimento de ambas as mulheres é tão intenso que só cresce com o tempo, sem deixar espaço para a compaixão ou o perdão.
O ódio da avó está vinculado à violência e ao poder, e surge de uma inveja pouco visível em relação à beleza e juventude de sua neta, o que por sua vez se relaciona com a impotência e o autodesprezo. No caso de Erêndira, seu medo se transforma em ódio, revelando uma estranha relação de assimilação e rejeição, resistência e indiferença, o que dificulta distinguir esses sentimentos. Seus medos se originam em ameaças à sua integridade física e à sua identidade.
Para compreender esse ódio, é necessário situá-lo no contexto social em que se desenvolve. No filme, observamos uma América Latina machista, autoritária, violenta e desigual, marcada por ressentimentos históricos e um passado turbulento, essas formas de ódio revelam um problema cultural relacionado à intolerância.
É importante também considerar os aspectos macro e observar como suas consequências se manifestam nos aspectos micro, desde conflitos nacionais, como a marca histórica da colonização, até como esses efeitos se refletem em microcosmos como os lares (neste caso, Erêndira e sua avó).
A avó desalmada pode ser vista como uma figura do colonizador, que impõe seu pensamento como a única verdade absoluta e o faz cumprir a qualquer custo, acreditando que age pelo “bem” do povo. Erêndira, como o sujeito colonizado, é mostrada de maneira individual, fora da coletividade com a qual normalmente associamos a colonização. Ela se prostitui, sacrificando seus ideais e princípios, e perde sua autonomia em troca de estabilidade. Acaba se acostumando a uma vida e a uma cultura que não lhe pertencem, e não tem outra opção senão aceitar as exigências do colonizador, embora espere o momento oportuno para se libertar do jugo opressor, ao qual lamentavelmente sempre retorna devido às suas condutas aprendidas.
O libertador, representado pelo personagem de Ulisses, é capaz de qualquer coisa para alcançar a liberdade de seus anseios, até o ponto de ser abandonado após atingir seus objetivos.
Esta obra do escritor colombiano é um claro exemplo das consequências da colonização e da importância do perdão e empatia nas famílias latino-americanas. Através de uma linguagem simbólica e de personagens cuidadosamente construídos, García Márquez nos convida a refletir sobre nossa sociedade tanto em grande quanto em pequena escala.
REFERÊNCIAS:
GARCÍA, Gabriel. A Incrível e Triste História da Cândida Eréndira e da Sua Avó Desalmada. 1978.
GUERRA, Ruy. Erêndira. 1983.