Por Miguel Carreto
Redação RUA
Com seus surpreendentes 97 anos de existência, Metrópolis (1927), de Fritz Lang, consolida-se como um possível pai, ou até mesmo avô pela idade, da ficção científica nas grandes telas, sendo uma das obras mais influentes tanto para o gênero quanto para o que o cinema viria a se tornar no geral.
Com suas quase duas horas e meia de duração recuperadas após um processo de restauração recente e que ainda deixa pedaços faltando da agora inalcançável obra original, o longa de Lang conta a história de uma sociedade dividida entre dois polos, uma elite que habita a superfície e um conglomerado de trabalhadores que são relegados às profundezas.
Do meio da elite, destaca-se Freder, filho do homem que comanda a cidade e se encontra no topo da cadeia econômica, Joh Fredersen. O protagonista começa a jornada adentro das salas de máquinas após ver pela primeira vez Maria, uma mulher da cidade subterrânea que ganha popularidade por reunir o proletariado com mensagens sobre união e mediação entre os dois lados da cidade futurista, os quais são feitos junto à imagens como velas e cruzes, mostrando a mulher quase como uma santa. Entretanto, os planos de Freder e Maria sobre uma cooperação pacífica e possível são frustrados por um robô que absorve a aparência de Maria.
Em meio a tantos elementos futuristas, Metrópolis argumenta a favor de uma questão que esteve de forma constante no presente, permeando o quase século de existência do filme. A luta dos trabalhadores é motivada pela segregação imposta pela elite e pelas condições bizarras expostas no grande maquinário que faz a cidade funcionar, com centenas de operários andando de forma rítmica a cada troca de turno, exemplificando como eles mesmos parecem, após tanto tempo sendo tratados como tal, terem se tornado máquinas também. Ao fim, a revolta é mediada por Freder e supõe-se que as demandas são atendidas, e mesmo que feita pela burguesia e através de um viés burguês, a mediação entre “o cérebro e as mãos” é vista como um final feliz.
Situado em um teórico 2026, a paisagem puramente composta por arranha-céus de arquitetura Art déco e pontes que ligam edifícios ainda se caracterizam como denominadores do elemento fantástico, mas fatores como uma inteligência artificial que podem rapidamente emular uma pessoa de fato parecem previsões que o filme acerta, mesmo sem parecer querer fazer isso diretamente.
Uma última nota sobre a apresentação do longa, são os elementos puramente místicos e relacionados à religião e o ocultismo, os quais são costurados e envolvidos no cerne da narrativa de forma que parecem completamente inatos ao universo ficcional, mesmo que esse se destaque mais pelo lado mecânico do que pelo divino. Sendo uma das grandes influências no quesito ficção científica, o filme inaugura o que veríamos depois com outras obras que tratam de distopias. Quase um século após sua estreia original, Metrópolis comenta sobre a opressão por classe e insere o elemento da enganação com inteligência artifical de maneira a qual faz a trama do filme parecer algo que sairia no futuro, em 2027, e não cem anos antes, levantando questões que surpreendentemente ainda são relevantes. Por fim, o final é amarrado com a frase: “O mediador entre a cabeça e as mãos deve ser o coração”, quase como a moral de uma fábula, completando o conto preventivo e servindo como uma boa instrução do que se fazer nos anos que estariam por vir.