Crítica | Rock Bottom Riser (2021), de Fern Silva


Texto realizado como cobertura para o 10° Olhar de Cinema
Por Samuel Malaquias Carvalho

É interessante como Rock Bottom Riser, filme de 2021 dirigido por Fern Silva, constrói, através de comparações quase vertovianas, uma conexão entre a natureza dos fluidos, como materiais randômicos imprevisíveis com alta entropia, desejando criar a partir do movimento da imagem a efemeridade do tempo, demonstrando, assim, um raciocínio indutivo que parte da imagem desses fluidos para uma realidade que se refere tanto ao cosmos quanto à própria metafísica. Entretanto, o filme não estabelece uma conexão humana com essa proposta por mais que tente, como em todas as suas digressões sobre religiões havaianas e sobre o sentido da vida humana pautadas em viagens, comparando, por exemplo, as grandes navegações com viagens espaciais. Dessa maneira, uma boa antítese desse filme seria o filme Nostalgia da Luz (2010) de Patrício Guzmán, que consegue criar uma conexão clara em uma simples linha de raciocínio que se baseia na formação química do cálcio até chegar nas ossadas perdidas no deserto de opositores da ditadura de Pinochet no Chile. Dessa forma, Rock Bottom Riser não faz uma ligação humana íntima que garanta o filme como arte. 

Nesse sentido, é importante relacionar como os fluidos se relacionam com nossa humanidade não em um aspecto íntimo, mas externo. Por exemplo, enfrentar o poder das águas é visto no filme não em sua condição humana de luta contra a natureza – em um aspecto pictórico até pode se dizer que isso se satisfaz na cena em que demonstra a imponência da onda contra a ínfima imagem do surfista –, mas apenas no controle simples sem a luta de forças, como no caso da navegação. A mesma lógica se aplica aos “dominadores da fumaça” que aparecem fumando e demonstrando grandes habilidades em controlar a maneira como a fumaça se comporta. Em relação à lava, por mais que permaneça em seu viés indominável, anti-humano e aterrorizante, não existe o humano em si que o material ameace no filme. Dessa forma, essa luta contra o natural pode ser comparada com a obra do cineasta russo Andrei Tarkovski, em Solaris (1972), por exemplo, existe o uso da água para um propósito parecido com que Fern Silva tentou fazer, sendo um elemento que liga o planeta Solaris com a Terra, onde a luta contra a natureza acaba sendo construtora da identidade humana.

Sendo assim, o filme de Fern Silva transita entre o onirismo das figuras idílicas e o modernismo dos elementos astronômicos presentes na ilha do Havaí. Mas, no entanto, mesmo quando o diretor se prende a uma fotografia mais contemplativa, existe nisso um tom que o aproxima de reportagens da Discovery Channel, visto que não há aqui um filme que pense a ancestralidade e a dominação colonial a partir da alternância de seus conteúdos. Trata-se de uma obra que não possui uma unidade palpável para o espectador, uma vez que não consegue associar suas dualidades de forma congruente, de forma que tais dicotomias, quando analisadas separadamente, não parecem compor um mesmo filme. Não obstante, tudo parece sucumbir ainda mais quando o diretor foca em seu aspecto verbal, construindo discursos que não se associam com qualquer personalidade pensada à obra. 

Dessa maneira, isso acontece pela maneira de uso da mise-en-scène. Enquanto na sua demonstração do natural temos imagens grandiosas, imponentes e expressivas, ao partir para a representação visual do humano o filme despreza essa imagem absurdamente. Todas pessoas são imageticamente desinteressantes, o que faz o próprio discurso verbal soar alheio e secundário. Ou seja, a falta de humanidade existente no filme é totalmente decorrente da própria imagem, e isso retira a importância de aspectos que o diretor deveria destacar a partir de sua encenação, uma vez que este tenta trabalhar uma obra muito plural. Um exemplo disso seria a cena em que vemos o próprio diretor comentar acerca da situação cinematográfica havaiana, dizendo que no Havaí existem profissionais e atores nativos, mas que Hollywood faz com que haja a necessidade de personalidades já conhecidas, mesmo que seja para figurar personagens da mitologia havaiana. O diretor parece querer denunciar o descaso com o cinema havaiano, mas isso soa totalmente alheio decorrente a esse vazio estético.

Portanto, o filme de Fern Silva é totalmente ineficaz em conectar temas diferentes dentro de uma dialética, o que acaba causando um esvaziamento dos próprios assuntos pela falta de um elemento humano que se destaque em sua forma. Isso resulta em uma escassez da própria vida material humana na construção de seu discurso, construindo assim uma obra que não atinge o íntimo, e em que tudo é externo e alheio, carente de emoções. Rock Bottom Riser é um filme totalmente desinteressante de assistir, como se fôssemos como humanidade, não animais cheios de emoções e interesses, mas simplesmente um material, tal como água, fumaça ou lava. 

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