Bottoms, Barbie e a Estética do Absurdo

Por: Sara Ospedal

O termo “camp” vem ascendendo como gíria entre as novas gerações. Sua origem vem do movimento estético, é claro, mas não está atrelado somente a isso. Para Susan Sontag (Notes on Camp, 1964), o camp valoriza características estéticas ou artísticas atreladas à uma ideia de simulacro e de exagero. Ele também parece caracterizar algo atrelado a uma certa irracionalidade, uma valorização da paixão e da individualidade. Ele determina algo que não parece certo ou dentro das normas, algo fora do natural, mas que de alguma forma, não é ruim.
Em tempos de internet, o exagero e o irracional é um dos grandes aliados da moda. Isto é possível perceber nas trends extravagantes no Tik Tok e Pinterest, que valorizam as sobreposições, as peças grandes, as maquiagens vibrantes e chamativas. Além disso, este alto alcance da internet como uma rede de pessoas trouxe como consequência uma valorização do estilo e gostos individuais, com a criação de novos nichos. Entre eles, vêm se popularizando a valorização da hiper feminização de forma social e estética. Essa popularidade é um claro resultado de uma geração que cresceu com o feminismo na ponta da língua e, a partir disso, consegue trazer novas perspectivas das questões de gênero. Marcadas por um empoderamento feminino que, de certa forma, precisava primeiro masculinizar as mulheres para, depois, fortalecê-las, as novas gerações usam e abusam do excesso de feminilidade como força.
Assim, com a valorização dessa estética exagerada do camp e a hiper feminilização estética e social, nasce o filme Barbie e, o que era para ser só mais um dos vários live-action lançados atualmente, vira um grande sucesso. Com vestidos esvoaçantes, cabelos e maquiagens intocáveis e um cenário vibrante, o filme se integra como parte desses movimentos. A diretora Greta Gerwig se apropria da plasticidade da boneca e da imaginatividade de um objeto marcado pela infância para criar um universo lúdico, mas ainda assim, que visa um público adulto e, principalmente, feminino. A Barbielândia é a construção do que seria, para meninas, um mundo perfeito: rosa, colorido e onde as mulheres comandam, o que, de certa forma, também parece um pouco absurdo. No longa, a naturalidade não é a pretensão, o ideal é entregar visuais exuberantes e encantar o espectador com divertimento, humor e sensibilidade. Tudo o que o movimento camp propõe e o que faz sucesso nas jovens gerações, principalmente em vista da abordagem feminista do filme.
Algo similar acontece com Bottoms, da diretora Emma Seligman. No filme, duas amigas criam um clube de luta para conquistar as meninas populares da escola e acabam (SPOILER!!) destruindo todo o time de futebol americano da escola rival em uma batalha digna de filmes de ação dos anos 2000. Aqui, o camp também não reina apenas no visual, mas sim, na maneira que a narrativa e as relações entre as personagens se constroem. Os jogadores de futebol se aproximam de deuses (com referência até a pinturas clássicas renascentistas), enquanto as personagens principais ficam à margem das relações escolares, sendo desgostadas por todos os alunos e professores. Os figurinos coloridos, marcados com muita sobreposição e uso de estampas, somados com os detalhes do cenário e a própria cor da fotografia criam uma atmosfera colorida, viva, exagerada. Essa intenção de ser algo exagerado e fora da curva se relaciona com a própria ideia de um filme que busca valorizar exatamente essas personagens que ficam na margem da “cadeia social” escolar em que estão inseridas. Toda a construção visual e narrativa se soma criando uma atmosfera colorida e insana que caracteriza o filme dentro da estética camp. Além disso, a temática do filme também se enquadra no movimento de hiper feminilinação. Dessa vez, não na estética “feminina” (como faz Barbie), mas sim na valorização das próprias relações entre mulheres. Diferentemente de muitos filmes colegiais, a rivalidade não é feminina em busca de um olhar masculino, pelo contrário, a intenção das personagens é usar da violência através de um “clube de luta para garotas” em busca de mais relações com outras mulheres. A própria proposta do filme é um pouco fora da realidade, além dos diálogos irreais, mas tudo fica muito bem orquestrado dentro da proposta nonsense da obra que, assim como Barbie, agrada muito as novas gerações.
Para além do cenário, Barbie e Bottoms trazem um retrato exagerado e caricato das relações permeadas pela ideia de gênero, mas em busca de representar relações e sentimentos femininos. Em um gênero que muitas vezes parte de um lugar predominantemente masculino, a comédia dos dois filmes usa da estética do absurdo para virar a chave e transformar os agentes do riso em objetos do riso. Aqui, as mulheres não são mais de quem você ri, mas com quem você ri. A aparência excessivamente colorida e artificial também ilustra essa transição entre a valorização de um cinema realista e natural para um olhar exagerado e vibrante. Assim, esses filmes – marcados por uma direção feminina – usam dessas estéticas populares e conseguem conquistar o público jovem, ao tratar de forma inteligente e bem humorada assuntos que estão no cotidiano.

REFERÊNCIAS:

BOTTOMS. Direção: Emma Seligman. Produção: Elizabeth Banks. Produtoras: Orion Pictures e Brownstone Productions. 2023.

BARBIE. Direção: Greta Gerwig. Produtoras: Mattel, LuckyChap Entertainment, Mattel Films, Heyday Films, NB/GG Pictures. 2023.

FACANHA, Astrid Sampaio. Decifra-me ou te devoro: o conundrum libertário da estética Camp. Ide (São Paulo), São Paulo , v. 41, n. 67-68, p. 249-256, dez. 2019 . Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31062019000100023&lng=pt&nrm=iso. acessos em 13 out. 2023.

SONTAG, Susan. Notes on Camp. 1964. Acesso em 26 de outubro de 2023. Disponível em: https://monoskop.org/images/5/59/Sontag_Susan_1964_Notes_on_Camp.pdf

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