CRÍTICA | O Padre e a Moça (1966), Joaquim Pedro de Andrade

Por Victor Hugo Cruz Freire

Redação RUA

“O Padre e a Moça” (1966) é um filme sobre o interior. O ponto central da trama se dá no conflito gerado pelo desejo, e Joaquim consegue utilizar do cenário estabelecido desde os minutos iniciais para potencializar esse conflito. Numa cidadezinha pequena no interior de Minas Gerais onde todos os moradores se conhecem, as casas são abertas e as figuras religiosas desempenham um papel de grande destaque na comunidade, a chegada do novo padre e o surgimento de uma relação íntima com uma das moradoras bagunça a dinâmica local.

O filme é muito feliz na construção dos personagens. São pessoas com sentimentos complexos e grandes contradições internas, ainda que as suas ações sejam simples e, por vezes, até bobas ou ingênuas. Tentar fugir a pé do seu destino, sem ter um rumo, é de uma inocência tremenda, mas que dialoga bem com os indivíduos que Joaquim criou. Aqui, há um nível de maldade e de perversidade em cada personagem, e embora condenar mentalmente as suas atitudes faça parte da experiência, é difícil não compreender as razões de serem como são. Todos estão embriagados pelo desejo, e isso, acrescido dos conflitos internos, faz com que tenham más atitudes. Todos mentem, distorcem, proíbem e caem em tentação. É um trabalho ímpar de desenvolvimento de personagens.

Chamo aqui atenção também para o som. O silêncio nunca é de fato silencioso. Quando não há fala ou algo em quadro produzindo barulho, ainda podemos escutar, como que de longe, os animais se movendo, a água caindo e as pessoas conversando. O som, acrescido das imagens da pequena cidade, compõem o filme de forma sensacional e levam o espectador a se imaginar naquele lugar. Para qualquer um que já tenha ido para o interior, é impossível não sentir que todos aqueles cenários são familiares.

Há um eventual momento de ruptura que tira um pouco o brilho da construção de espaço feita pelo filme até então. O grande charme está naquela cidadezinha, e quando ela já não se mostra mais presente, ele perde a sua potência — por mais que depois a recupere novamente. É um segmento que destoa do restante.

Gosto de como a relação de culpa e de desejo dos personagens é representada fisicamente. Por vezes, vemos o padre caminhando aparentemente sem direção, confuso, tentando encontrar o seu lugar. Mariana, a moça, mostra a sua tristeza e inquietação através dos seus movimentos corporais. A personagem parece derrotada, minimizada, até decidir se rebelar, quando então se expande. Ela agora é maior.

Me parece que Joaquim foi muito feliz em construir um filme poético. Inspirado no poema de Carlos Drummond de Andrade, creio que o diretor, que também roteirizou, conseguiu capturar um pouco a essência de outra forma de arte para produzir a sua própria.

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