CRÍTICA | Os Cinco Diabos (2022), Léa Mysius

Os Cinco Diabos (2022), Léa Mysius

Por Nycolle Barbosa

Redação RUA

“Os Cinco Diabos”, filme de 2022 dirigido por Léa Mysius, é uma obra ambientada em uma pequena cidade francesa, que explora temas de memória, identidade e o inexplicável poder das conexões humanas, tudo envolto em uma aura de misticismo e fantasia. A história nos conta sobre Vicky (Sally Dramé), uma menina com um olfato extraordinário que lhe dá o poder de reviver memórias ao cheirar certos aromas. A narrativa se desenrola quando a menina, ao criar uma coleção de fragrâncias, descobre que esses cheiros evocam memórias específicas de pessoas ao seu redor, em especial de sua mãe, Joanne (Adèle Exarchopoulos), ex-campeã de natação que carrega um passado obscuro. Assim, Vicky começa a desvendá-lo através dessas memórias olfativas.

Carregando consigo o charme das histórias do realismo fantástico, Os Cinco Diabos pode parecer ter uma linha confusa em alguns momentos, especialmente para aqueles que esperam uma linearidade tradicional da narrativa. A mistura de realismo e magia com drama psicológico pode ser desorientadora, mas também é o que confere ao filme sua singularidade. A capacidade de Vicky é uma metáfora para a maneira como as memórias e os sentidos estão interligados, navegando por uma realidade onde o extraordinário é uma extensão natural de seu ser. 

Utilizando exemplos como “Cem Anos de Solidão” (Gabriel García Márquez) e “A Casa dos Espíritos” (Isabel Allende), o tópico de unir situações e poderes vindos do além para explorar histórias familiares e políticas têm o mesmo efeito aqui. Há uma similaridade na maneira como o passado impacta o presente, especialmente através das memórias que Vicky acessa. A interação entre o passado e o presente, e como traumas e segredos são transmitidos através das gerações, ressoam fortemente entre o filme e os livros de Allende e Márquez.

O ponto alto do filme é a performance de Adèle Exarchopoulos, conferindo profundidade emocional ao papel, afinal é uma mulher dividida entre o amor pela filha e os fantasmas de seu passado com um pai preconceituoso. Não obstante, Sally Dramé também brilha, combinando inocência e determinação que tornam sua personagem cativante. 

A direção sutil e evocativa de Léa Mysius, aliada à cinematografia de Paul Guilhaume, usa uma paleta de cores que realça a atmosfera mágica e introspectiva do filme, usando tons terrosos e naturais, como verdes profundos, marrons e ocres, que evocam a paisagem rural onde a história se passa e que são frequentemente contrastados com cores mais vibrantes e saturadas em momentos chave, como os cheiros que Vicky experimenta, que trazem à tona memórias vívidas e intensas. Além disso, há um uso intenso de luz e sombra para criar uma sensação de mistério e magia. Cenas noturnas e em ambientes fechados frequentemente empregam azuis escuros e tons frios, enquanto os flashbacks e momentos de descoberta emocional são iluminados com uma luz mais quente, acolhedora. Essa variação na paleta de cores ajuda a diferenciar entre as diferentes camadas temporais da narrativa.

Com suas camadas de significado e beleza visual, “Os Cinco Diabos” se destaca como uma contribuição notável ao gênero do realismo mágico no cinema contemporâneo.

Author Image

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

More Posts

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

Deixe uma resposta