Crítica | Cidade Asteróide, de Wes Anderson (2023)

Através de uma caricata ficção científica, Wes Anderson nos convoca a tomar as rédeas da existência e, apesar da nossa própria insignificância, fazer com que nossas vidas valham a pena.

Por: Athos Rubim

Cidade Asteroide (Wes Anderson, 2023) é a mais nova obra do formalismo wes-andersoniano, dessa vez, novamente referenciando uma peça. Porém, diferente do que se dá em Rushmore (Wes Anderson, 1998), o foco aqui é nos atores mais do que no diretor da peça. O formalismo do diretor aqui se dá de maneira similar ao que acontece em outros filmes de sua autoria, como A Crônica Francesa (Wes Anderson, 2021), onde o filme funciona na verdade como outra mídia (no anterior uma revista e aqui uma peça), explicitando com prazer seu caráter ficcional-narrativo. Sendo assim, a narrativa opera em duas instâncias diegéticas, diferença marcada pelas cores. Entretanto, há ainda um personagem que transcende e transita entre as duas diegeses, o narrador de um programa de TV acerca da peça (Bryan Cranston), que na realidade é apenas fictícia e criada para o programa de TV em questão. Dessa forma, são estabelecidas 3 instâncias diegéticas: peça (a cores), programa de tv (em tons de cinza) e realidade (na qual o programa de tv está inserido), porém, apenas as duas primeiras são importantes à trama, pois o programa de TV acaba se confundindo com a realidade diegética.

O protagonista do filme, portanto, é um personagem em duas instâncias, o protagonista da peça diegética, homônima ao filme, Augie Steenbeck, e o ator que o interpreta, Jones Hall (ambos Jason Schwartzman). A centralidade do personagem se dá pois é ele quem funde as duas instâncias diegéticas principais do filme, peça e “vida” (que na verdade é um programa de TV), ao se tornar seu personagem, ou vice-et-versa, como propõe o roteiro. Essa junção vai além, indicando até que a própria vida seria uma grande peça (da mesma forma que o que tomamos por realidade na maior parte do filme é também parte de uma ficção diegética), mas que ninguém sabe nem nunca saberá seu significado. Esse é o grande impasse de Jones durante a narrativa; ele não entende o significado da peça.

Através dessa re-interpretação de uma ficção científica, Wes Anderson está na verdade tecendo um ensaio filosófico sobre o significado da vida. As convenções do gênero aqui o ajudam a nos lembrar que nossa existência não importa perante a magnitude do universo.

Na peça, quem leva adiante essa perspectiva é Woodrow (Jake Ryan), filho de Augie, que, ao se deparar com o extraterrestre, começa a questionar seu lugar no mundo. O arco do personagem o leva a abdicar de sua fé (Igreja Episcopal) e levar a vida de uma maneira mais descontraída, optando por gastar a bolsa que ganhou por seus méritos na ciência com sua namorada, Dinah Campbell (Grace Edwards). Já na diegese monocromática, quem conduz esse ideal é Jones, que desde o início da trama questiona o autor da peça, Conrad Earp (Edward Norton), sobre o significado de sua obra. Porém, diferente do que se dá na peça, não é o personagem quem chega a conclusão, cabe o público fazê-lo após ser lembrado de diversas formas da insignificância da vida.

Anderson, através do diretor da peça, Schubert Green (Adrien Brody), faz um apelo ao público, para que parem de procurar o grande significado da vida, mas que apenas sigam vivendo. Assim como Schubert responde a Jones que não procure significado na peça, mas apenas continue contando a história.

No fim das contas, mesmo depois de uma aparição alienígena, a vida segue normal. Asteroid City, onde a trama se passa, retorna a sua rotina pacata de perseguições de carro e testes atômicos, como outra cidade qualquer. Por meio dessa desdramatização (inclusive do recente espetáculo de fogos de artifício de Christopher Nolan), Wes Anderson busca mostrar que apesar de tudo, devemos seguir vivendo. Pois é isso que podemos fazer, e isso importa. Por maior que seja nossa insignificância, nossa vida tem importância, pois nós fazemos com que ela seja importante. Seja pelo amor, como Woodrow, seja pela arte, como Conrad, ou seja por qualquer outra peculiaridade que nós humanos possamos executar.

Aqui, o diretor inverte os papéis de sua autoria. Em Cidade Asteroide quem é incompreendido e tenta dar significado a sua vida não são os personagens, mas o público. Acima de todas as crenças, essa é a vida que temos, e Wes Anderson nos manda fazer com que valha a pena. Pois, por mais que tentemos escapar dos males da existência, é como Schubert diz a Jones, nunca encontraremos um ar puro para respirar. Temos que nos permitir viver a vida em sua totalidade; é preciso dormir para que possamos acordar.

★★★★ ½

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