Wes Anderson e Netflix: Uma Parceria Inusitada, Porém Muito Bem Sucedida

Por: Athos Rubim

Pela segunda vez no mesmo ano, Wes Anderson retorna com filmes novos. Pouco
tempo depois de estrear Asteroid City (Wes Anderson, 2023), o diretor está de volta. Dessa
vez, com 1 média e 3 curta-metragens, todos em parceria com a Netflix. A forma de produção
inusitada fez com que os 4 filmes, apesar de não serem conectados por um mesmo fio
narrativo, sejam ligados em espírito. Isso se deu pois foram realizados todos ao mesmo tempo,
com a mesma coletânea de atores e baseados em pequenos contos do mesmo escritor, Ronald
Dahl.
O média-metragem, A Incrível História de Henry Sugar, foi o primeiro a estrear, com
sessões em cinemas selecionados e até uma exibição no Festival de Veneza, o filme chegou ao
streaming no dia 27 de setembro. A trama é simples e conta a história de Henry Sugar, um
homem muito rico que aprendeu, através de um livro, como enxergar cartas de baralho pelo
verso. Esse poder o tornou invencível em cassinos, tornando-se ainda mais rico, porém agora
ele decide que doará toda sua fortuna. O formalismo tradicional de Wes Anderson se mostra
aqui através de mudanças no cenário sendo realizadas pelos próprios atores durante a cena,
algo que lembra uma peça de teatro e também da constante narração realizada pelos
personagens. Esses traços, inclusive, mantêm-se muito presentes também nos outros filmes,
colaborando para a ligação entre os filmes, mencionada anteriormente.
No entanto, neste primeiro filme, a trama, apesar de curta e simples, é trabalhada com
pressa, diminuindo em muito a profundidade dos personagens. Pouco depois da metade do
média, assim que Henry termina a leitura do livro onde aprende seus poderes, a narrativa
começa a progredir muito rapidamente, sem deixar espaço para que o espectador possa
respirar e se conectar com os personagens em tela. Esse fenômeno, faz com que a moral da
história, a lição aprendida por Henry, pareça extremamente vazia, o que faz com que o filme
perca seu propósito.
Entretanto, os 3 curtas que o seguiram, O Cisne, O Caçador de Ratos e Veneno,
parecem saber trabalhar melhor suas histórias. É nesses curtas que o diretor encontra sua base,
possibilitando com que a proposta apresentada no primeiro filme brilhe. Aqui, Wes Anderson
sabe se aproveitar da metragem reduzida para trabalhar histórias extremamente curtas de
forma amplamente impactante. Ao contrário do que acontece em A Incrível História de Henry
Sugar, nos curtas, Anderson não se propõe a explicitar e desenvolver a moral de cada história,
deixando o trabalho final ao espectador. Esse mecanismo é interessantíssimo pois, além de
estabelecer um diálogo direto com o público, permite que o diretor se veja solto dessas
algemas, não tendo que desenvolver a trama com extrema rapidez, e também trazendo um
grande impacto para o final de cada filme.
O primeiro deles, O Cisne, se trata de um relato extremamente íntimo e ao mesmo
tempo muito sistemático e impessoal sobre bullying. O narrador da vez é o próprio garoto
sofredor do bullying, que conta sua história. A sacada aqui, está no fato de que o narrador é
uma versão mais velha do garoto, porém, ao fim do filme, não se sabe ao certo se as maldades
sofridas tiraram a vida do personagem. Este fato ressignifica todo o filme, dando a ele um tom
de fantasia, como se o personagem narrador fosse apenas um desejo futuro do garoto que não
foi capaz de viver sua vida ao máximo em decorrência do bullying, algo que acontece com
diversas crianças pelo mundo.
O Caçador de Ratos, o terceiro dos quatro filmes, apesar de muito bem realizado e
interessante, acaba por se perder em meio aos seus pares. Contudo, o último filme, Veneno, se
destaca. Neste, Wes Anderson faz um comentário sutil, porém muito bem colocado sobre
racismo. A história dessa vez gira em torno de um único incidente, um homem, colonizador
inglês na Índia, que está prestes a ser picado por uma cobra altamente venenosa. Sendo assim,
um médico, indiano, é chamado. Ao fim de todos os procedimentos médicos necessários, a
cobra não é encontrada e o homem se irrita, acreditando que o médico o está chamando de
mentiroso. O homem começa então a desferir uma série de insultos racistas ao médico, que
apenas deixa o local, resignado, enquanto o narrador tenta justificar o ocorrido, sem sucesso.
A parceria com a Netflix para divulgação e veiculação dos 4 filmes também se mostra
extremamente proveitosa. No cenário atual, os curtas e média-metragens acabam sendo muito
pouco assistidos pois muitas vezes não são capazes de chegar às salas de cinema. Sendo
assim, distribuí-los em um serviço de streaming com tanto alcance como a Netflix, traz
notoriedade não só para esses 4 filmes, mas para toda uma forma do fazer cinematográfico
que acaba ofuscada pelos longa-metragens.

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