Crítica | Os Rejeitados (2023), Alexander Payne

Por: Caio Cardoso

“Você não pode dizer a um garoto abandonado no Natal que está com ele contra a sua vontade, que ninguém o quer por perto”

Filmes de Natal são, geralmente, sobre grandes mensagens de união e família, onde os personagens se reúnem ao redor da lareira e da árvore de natal para celebrar a data. Porém alguns filmes fogem do óbvio criando histórias diferentes para a data comemorativa, como envolver o Natal no gênero de ação ou em uma comédia em que uma criança é esquecida em casa enquanto enfrenta invasores. Em Os Rejeitados (The Holdovers), o Natal é um elemento de união e uma condição narrativa para o desenrolar do enredo, um cenário de fundo para uma história de descoberta e evolução pessoal de um grupo de pessoas improvável.

O odiado professor de Civilizações Antigas, Paul Huhman (Paul Giamatti), é encarregado de cuidar e vigiar os jovens do colégio internato Barton que não voltarão para suas casas durante as férias de inverno, nesse período ele desenvolve uma relação de companheirismo com seu aluno Angus Tully e a cozinheira da escola Mary Lamb (Da’Vine Joy Randolph) que enfrenta o luto pela morte do filho na guerra do Vietnã.

O excêntrico Alexander Payne abre mão de seu estilo ortodoxo de direção para transformar sua câmera em uma máquina do tempo, pois ao filmar em 75mm de filme, cria uma atmosfera setentista, remetendo a grandes clássicos do cinema que contam histórias sobre professores e alunos, como Sociedade dos Poetas Mortos (1989) e O Clube do Imperador (2002). Trazendo um equilíbrio perfeito entre drama e comédia, o filme cria diversos sentimentos no espectador ao entendermos o peso dramático dos personagens.

Os maiores destaques desse brilhante filme são as atuações de seu trio de protagonistas, Paul Giamatti, como um professor amargurado cheio de restrições a si mesmo e aos outros, entrega autoridade no início que se desenvolve em carinho, fragilidade e empatia, um personagem rico em composição física com seus grandes olhos com estrabismo e um cachimbo charmoso de escritor dos anos 20, além da carga sentimental que se revela ao longo da história quando ele se abre com os outros personagens, principalmente com Angus interpretado pelo jovem Dominic Sessa que estreia no cinema brilhantemente ao trazer sentimentos fortíssimos em tela com muito humor e delicadeza. Porém a força da natureza que arrebata a audiência é o drama que Da’Vine traz ao representar o luto de uma mãe, que se distancia do óbvio (que seria o choro constante e depressão aparente), se aproximando de um luto de quem tenta se manter sólida diante do acontecimento, sem ignorá-lo, mas tenta viver o dia a dia pelo filho falecido e quando algo que remete a lembrança dele surge, o choro e a desolação acometem à personagem, uma dor que se desenvolve em esperança pelo novo que está por vir ao se aproximar de sua irmã grávida. Uma esperança que reflete o sentimento da comunidade negra nos anos 70, com a conquista de direitos a partir de muita luta, inclusive contra a Guerra do Vietnã.

A jornada sentimental provocada pelo isolamento e a convivência forçada de pessoas tão diferentes abre discussões interessantes de dinâmica de poder na hierarquia escolar, no conflito geracional do entendimento de diversão e deveres, nas dissidências estudantis baseadas em classe, raça e religião. O abandono parental e as pressões estudantis são temas que acompanham a precarização do ensino, a ganância acadêmica e a desvalorização dos professores como profissionais e seres humanos.

Portanto, Os Rejeitados é um clássico instantâneo do Natal, uma obra que transmite o mais puro sentimento do feriado, a união de uma família, que mesmo não sendo de sangue, criam laços tão fortes que nada e ninguém irá desfazê-los.

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