CRÍTICA | Ficção Americana (2023), Cord Jefferson

Por Athos Rubim

Redação RUA

Indicado a cinco premiações no Oscar de 2024, incluindo Melhor Filme e Melhor Ator, Ficção Americana é o filme de estreia de Cord Jefferson, conhecido anteriormente por escrever roteiros de televisão. O filme é simples: uma sátira que trabalha com os estereótipos da cultura afro-americana estadunidense. Sendo assim, não é difícil dar boas risadas ao assistir. Porém, infelizmente, o valor do longa se encerraria aí se não fosse pela atuação de Jeffrey Wright, no papel do protagonista Thelonius Ellison, apelidado carinhosamente de Monk.

Wright não tem muito para trabalhar, pois o roteiro de Jefferson é raso, com personagens coadjuvantes bidimensionais que servem apenas para impulsionar a narrativa de Monk. Mesmo assim, com maestria, o ator é capaz de fazer o público acreditar que Thelonius é uma pessoa de verdade, trazendo a profundidade que deveria estar no roteiro, através de sua interpretação, mesmo que de forma sutil.

Como disse anteriormente, o fator sátira da produção é o único outro aspecto que se pode elogiar. Aqui, os personagens rasos de Jefferson se dão bem. Quase todos são apenas estereótipos, mas para o humor satírico isso é ótimo. Exagerando aspectos esdrúxulos, e por vezes quase inacreditáveis, o filme é capaz de roubar alguns momentos de riso de sua audiência, ou ao menos aqueles que apreciam sátiras.

Fora isso, o filme se torna um verdadeiro desperdício de seu potencial. A premissa é interessante, um escritor preto se vê forçado a escrever “uma história preta” dando ao mercado, dominado por brancos, o que eles querem: uma obra repleta de estereótipos que despertam a compaixão nos leitores brancos. No entanto, a forma como a trama se desenvolve deixa a desejar.

O enredo acaba focando mais na vida pessoal de Monk e sua família disfuncional. Uma irmã falecida, uma mãe com mal de Alzheimer e um irmão recém-assumido gay e divorciado. Isto em si não seria o problema, mas a forma como o filme trata esses personagens faz com que seja. Todos os conflitos criados são solucionados muito rapidamente, impedindo que o espectador se debruce sobre as possibilidades. Um ótimo exemplo é o falecimento da irmã de Monk (Tracee Ellis Ross), logo no início do filme, que é tratado às pressas, e pouquíssimo explorado nas sequências seguintes. O mesmo acontece com o diagnóstico e progressão da doença de Agnes (Leslie Uggams), a mãe de Monk. 

O espaço dado à vida pessoal de Monk é em detrimento da trama acerca do livro, que se espreme entre escândalos do irmão de Monk, Cliff (Sterling K. Brown), e sumiços de Agnes. O lançamento do livro, escrito como piada pelo autor, torna-se uma grande bola de neve, rendendo muito dinheiro e até projetos de adaptações cinematográficas, o que deixa Monk ainda mais estressado para lidar com as questões de sua vida. E se a vida pessoal do autor já é escrita às pressas, as cenas sobre seu livro são mais ainda. Destacadamente, isso acontece com um dos diálogos com mais potencial do filme, entre o protagonista e Sintara Golden (Issa Rae), outra autora afro-americana, que motivou Thelonius a escrever seu notório livro. Sintara, escreveu um livro similar, e os dois, por coincidência, estão trabalhando como jurados na mesma premiação, avaliando inclusive o livro de Monk. Na ocasião, eles discutem sobre a literatura preta nos Estados Unidos, como os estereótipos são tratados e as diferenças entre os livros de ambos. Porém, a conversa é cortada por outra jurada e o filme segue como se nada tivesse acontecido.

No fim das contas, Ficção Americana se perde entre os indicados ao Oscar deste ano, ficando nas sombras de obras como Barbie ou Oppenheimer. Mas, ainda assim, a experiência de assistir ao filme de Cord Jefferson não é de todo desagradável. Podendo render algumas gargalhadas em uma tarde pacata.

Author Image

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

More Posts

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual