Crítica | Wonka (2023), de Paul King

Por: Gabriel Pinheiro

Quando escutamos a voz de Ênio Santos, o dublador de Gene Wilder interpretando Willy Wonka no filme clássico de 1971, “A Fantástica Fábrica de Chocolate”, cantando as palavras “Quem quiser venha ver, que esse mundo é pura fantasia”, fica claro que o mundo imaginário concebido por Roald Dahl, o autor britânico, exige uma complexa cosmologia fílmica em suas adaptações para o cinema. A cosmologia fílmica pode ser compreendida como um conjunto de regras que um filme estabelece para si, delineando o universo particular que pretende explorar. Nesse contexto, torna-se essencial que o filme harmonize seus elementos formais, como o design de produção, a interpretação dos atores ou trilha sonora, para efetivamente consolidar o mundo que ele mesmo propõe. 

Para o universo de Willy Wonka, idealizado por Dahl, é apresentado um mundo de fantasia onde há um chocolate com o poder de fazer as pessoas voarem, e uma espécie humanóide, de estatura baixa, pele laranja e cabelos verdes, protege o fruto do cacau em uma ilha remota. Embora seja um desafio complexo realizar isso no cinema de maneira bem-sucedida, Mel Stuart conseguiu fazê-lo de maneira exemplar em 1971, e o esquisito Tim Burton ofereceu uma releitura estilística em 2005. Agora, Paul King, diretor da série Paddington, tenta fornecer uma história de origem para Willy Wonka. Ele enfrenta o mesmo desafio dos cineastas anteriores: fazer com que esse universo seja convincente e fazer com que o espectador acredite que ele está realmente se desdobrando diante de seus olhos.

“Wonka” é uma comédia musical que explora as origens da história do jovem Willy Wonka, interpretado por Timothée Chalamet. Antes de se tornar o brilhante criador da maior fábrica de chocolate do mundo, Willy enfrentou diversos desafios. Repleto de ideias e determinado a causar impacto no mundo, o jovem Wonka inicia uma jornada para difundir alegria por meio de seu delicioso chocolate. Durante essa aventura, ele encontra seu leal e icônico assistente, Oompa Loompa, interpretado por Hugh Grant, além de um grupo de amigos que o auxiliam a superar todas as adversidades e se tornar o maior chocolatier já conhecido. A narrativa destaca a mensagem de que as melhores coisas da vida têm início com um sonho.

Paul King efetivamente materializa a cosmologia fílmica que delineia para a obra de Dahl. Os efeitos visuais desempenham um papel crucial, operando de maneira excepcional para dar vida à visão do cineasta para esse universo e servem como o suporte fundamental para toda a magia presente. O design de produção, os figurinos e os cenários contribuem para a profundidade da cidade fictícia que abriga a Galeria Gourmet, onde Wonka busca comercializar seus produtos. As composições musicais especialmente criadas para o filme envolvem o espectador em um ambiente totalmente desvinculado do realismo clássico, conduzindo o filme a seguir sua própria estética e proporcionar uma experiência singular dentro daquele espaço e tempo específicos. 

Todo o universo faz sentido em si mesmo e a suspensão da descrença, a aceitação do absurdo e do estranho no filme, parece que se concretiza logo nos primeiros minutos. Mas que verdadeiramente conecta todos esses elementos e serve como alicerce fundamental para o mundo criado por King é a performance do elenco de Wonka. Timothée Chalamet desempenha convincentemente o papel de um Wonka excêntrico. Ele infunde no personagem uma mistura sutil de sensibilidade em relação ao passado, ao mesmo tempo em que expressa com excessos, no bom sentido, sua paixão pela profissão. 

Um destaque especial precisa ser dado para Olivia Colman, cuja interpretação como a Senhora Scrubbit se destaca como uma das mais hilárias de sua carreira. Rowan Atkinson e Hugh Grant são inerentemente hilários, sendo parte de um elenco de peso composto por comediantes amplamente aclamados. Calah Lane, no papel de Noodle, a companheira nas aventuras de Wonka, atua como uma espécie de representante para o espectador que está explorando o mundo fantasioso trazido por Willy. Ela contribui para o lado mais emotivo e sensível das interpretações, de maneira semelhante ao desempenho de Sally Hawkins neste contexto.

O filme ousadamente se aventura a abordar, ainda que de maneira superficial, temas como exploração da mão de obra, competição econômica desleal, cartel e até luta de classes. Essa exploração é fundamentada no elenco de antagonistas, liderados por Colman e também por Paterson Joseph, que, embora um tanto contido aqui, cumpre o papel básico esperado de um vilão capitalista monopolizador. Dado que os antagonistas formam um grupo, cada um equilibra as fraquezas do outro em termos de atuação, criando um conjunto interessante ao ver os três empresários do cartel agindo como uma entidade coesa.

Embora seja uma adaptação de um livro já conhecido pelo público e que tenha recebido adaptações anteriores, esta versão propõe uma narrativa um tanto diferente e até então desconhecida. Seria fácil apoiar-se na nostalgia do filme de 1971, que já é um clássico, mas este filme segue um caminho independente, reservando-se o direito de prestar homenagens pontuais de maneira verdadeiramente significativa. 

Paul King desempenha com maestria a tarefa de contar essa nova história, criando um universo coeso e fascinante no qual os elementos formais do filme contribuem para cristalizar a visão única dele. Tudo isso colabora para uma imersão cômica no universo de Willy Wonka. Por cerca de 117 minutos, o mundo de “pura fantasia” ganha vida mais uma vez na tela do cinema, desta vez de maneira refrescante e completa.

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