CRÍTICA | Levada da Breca (1938), Howard Hawks.

Levada da Breca (1938)

Por Antonio Benigno 
Curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Ceará.

Sem dúvidas sendo considerada uma das mais célebres comédias românticas (e ajudando a consolidar as convenções do gênero), Levada da breca (1938) de Howard Hawks recebeu duvidosa tradução para seu título original Bringing up baby, e carrega consigo a quintessência da screwball comedy americana, com todas as suas situações contraditórias e ligeiramente absurdas, o que traz à tona um humor extraído de núcleos de narração interligados entre si. Divididos em cenas, os núcleos se expressam nos diferentes momentos de espaço-tempo, como o jogo de golfe, o jantar, a cadeia, etc., onde o encaixe entre atos dramáticos marca bem o conceito da obra: uma ode à aleatoriedade. 

Levada da breca nos conta a história de David (Cary Grant), um paleontólogo neurótico e Susan (Katharine Hepburn), rica herdeira de humor cômico que se apaixona pelo homem e, para mantê-lo ao seu lado, se utiliza de vários recursos fazendo a vida do dito cujo virar de ponta cabeça. Superficialmente, acabo de citar a base dramática de um roteiro comum de comédia romântica, mas o seu diferencial é, com toda certeza, os meios que a história encontra para se transformar em material mais mirabolante e, ao mesmo tempo, desenvolver o teor romântico entre os personagens tão diferentes entre si.  

Durante a narrativa, tomamos conhecimento de Baby, um filhote de leopardo vindo do Brasil o qual Susan e David precisam cuidar enquanto o levam para outro estado.  Esse personagem animalesco de Baby considero ser o verdadeiro protagonista (ou, ao menos, objeto de maior papel narrativo da história) da obra ao passo de que sua primeira aparição, ainda nos primeiros minutos de filme, tenha marcado o plot point necessário para o desencadeamento das situações excêntricas que decorrem ao longo da obra, todas entrelaçadas com a insólita missão de zelar e capturar o leopardo. 

É interessante citar que Levada da breca parte de uma adaptação de um conto de Hagar Wilde, onde ele e Dudley Nichols roteirizam a história de modo, naturalmente, meticuloso. Ora, a prática de adaptação literária para o cinema já é, em seu âmago, cheia de complexidades e responsabilidade profissional por parte do roteirista e realizador; mas a coisa fica séria quando se almeja instalar uma análise fílmica de Levada da breca com a mínima decência que se espera de uma história “comum”. Apesar de não ter lido o conto, asseguro que ele não teria a capacidade de ser tão aleatório quanto a narrativa apresentada no filme. 

Narrativa essa que integra, sobrepõe e conecta situações ligeiramente absurdas junto a objetos, ao que tudo indica, que não possuem relações em comum, trazendo sempre à tona a corporeidade clownesca dos atores e o engajamento do público em tentar não entender o que está acontecendo: eis a screwball comedy, sem mencionar a tendência sonora do filme em manter diálogos em todos os planos, geralmente envolvendo implícitas anedotas. Um realizador que se envolve bastante (ao menos em algumas de suas obras) com esse estilo é o espanhol Pedro Almodóvar, diretor de filmes como Kika (1993) e Mulheres à beira de um ataque de nervos (1988), catalogados como “comédias excêntricas” com certo teor sexual, personagens femininas neuróticas e cores muito, muito vivas. 

André Bazin já citava em seu artigo A evolução da linguagem cinematográfica que, entre os gêneros precursores que fizeram do cinema estadunidense a grande indústria que se mantém até a contemporaneidade, a comédia americana (que abrange diferentes tipos) foi decisiva para universalizar o senso cômico internacional (caso o mercado quisesse se expandir de maneira imperialista pelos continentes). O filme, de 1938, ajuda a solidificar tais convenções de gênero e, diga-se de passagem, fracassou nas bilheterias americanas em sua época de lançamento, tornando-se objeto de estudo somente décadas depois.  

Ao participar do período tão instigante quanto enlouquecido da história do cinema estadunidense, Levada da breca é inserido no ápice faraônico da Era dos talkies, movimento ocorrido logo após o advento do som sincronizado que valorizava os diálogos em detrimento das imagens. Não é à toa que comédias tagarelas como Aconteceu naquela noite (1934), de Frank Capra, tenham se tornado referência para o gênero da comicidade anos mais tarde, com a consolidação de dogmas estéticos como o enquadramento dos corpos inteiros nos planos. O cerne do star system também permanece presente, com o convite dado à Katharine Hepburn, interpretando de forma apaixonante sua personagem Susan (que inclusive diz-se que o papel já era predisposto à atriz), e Cary Grant, grande ator da era de ouro que atua um personagem à beira de um ataque de nervos, e os dois juntos formam uma ridícula equipe (no bom sentido do termo). 

Talvez a química do casal venha justamente se impor com o humor descontraído que ambos nos apresentam: torci para que ficassem juntos pelo simples fato de me fazerem rir com suas palhaçadas. Devido a poucos momentos do filme em que se cria um diálogo pouco mais profundo entre os dois, percebe-se ainda uma sutil construção do relacionamento, até que outra situação inesperada acontece logo depois (o que, com efeito, não atrapalha a química do casal, e sim a justifica: somente  um amor leve e conciso se permitiria passar por esses absurdos todos).  

O que mais dizer? Levada da breca é uma screwball comedy engraçadíssima, cheia das peripécias e reviravoltas esperadas para um filme do gênero e que conte a história que conta; envio abraços calorosos à Susan, David e o querido Baby. 

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