Crítica | Monster (2023), Hirokazu Koreeda

Por: Arthur Matsubara

Hirokazu Koreeda tem marcado presença com seus filmes no Festival de Cannes nos últimos anos. Assunto de Família (2018) ganhou a Palma de Ouro, Broker (2022) levou o prêmio de melhor ator e, mais recentemente, Monster (2023) conquistou o prêmio de melhor roteiro. Mesmo que o roteiro não seja de sua autoria, a direção de Hirokazu Koreeda extraiu o máximo de todos os personagens, utilizando-se de três perspectivas diferentes. As histórias não se contradizem, apenas revelam outros acontecimentos que o espectador que o personagem dos pontos de vistas anteriores não tinham acesso, mudando lentamente a perspectiva do espectador sobre cada personagem e, principalmente, a pergunta que guia boa parte do filme: “Quem é o monstro?”

O incêndio, que marca o primeiro acontecimento na linha do tempo dos pontos de vista, dialoga diretamente com a tempestade que termina a história e com a trajetória dos personagens. Toda a raiva que surge dentro de cada personagem, sua revolta com essa injustiça que eles não entendem completamente e a busca pelo tal monstro movem os personagens para que todos cheguem nos trilhos durante a tempestade juntos, em que todos, à sua maneira, entendem o porquê de sua jornada e como suas ações afetaram os outros. O questionamento de “Quem é o monstro?” guia o raciocínio do espectador até o final do segundo ato, mesmo não sendo o ponto central do filme, nem o que encadeia os acontecimentos dos personagens. Mesmo assim, de maneira muito inteligente, o roteiro consegue mover o público, por meio da pergunta, a sempre se questionar o porquê dos personagens agirem de tal forma, até que, com a revelação, de forma análoga à jornada dos personagens, a tempestade tome conta da visão do espectador dos personagens.

Nesse sentido, mesmo que essa questão não seja o fio condutor dos personagens, ainda sim cada um tem sua visão de quem é o monstro. A mãe acredita que seja o professor, mesmo que em certos momentos ela se questione; o professor pensa ser o filho; já o filho também acredita que ele mesmo é o monstro, por motivos diferentes, refletindo a visão não só da sociedade japonesa, mas sim universal em relação às questões LGBTQIA+. Essa auto reflexão que os personagens fazem durante o filme mostra uma delicadeza gigantesca do roteiro, não só com a verossimilhança, mas com assuntos difíceis de serem tratados, abordando-os sempre de forma respeitosa, entendendo cada dor de cada personagem, mantendo também a inocência dos personagens infantis, de forma muito semelhante ao tratamento que o Studio Ghibli dá aos seus personagens. Cada personagem possui uma dor específica: a diretora tem a morte da neta; o professor tem o boato da acompanhante; Minato e sua mãe têm a perda do pai; o que faz com que todos lidem de forma diferente com a situação de Minato e, aos poucos, todas as suas ações sejam respondidas por suas convicções, que o filme decidiu omitir até certo ponto para manter o ar de suspense.

A fotografia e a direção de arte utilizam muito da cor laranja e azul e, dependendo do ponto de vista, a mesma cena pode ter elementos e iluminações diferentes, correspondendo à memória e sentimentos que tal personagem tem do acontecimento, que para um pode ter sido algo comum, para o outro pode ter sido devastador. Sob esse contexto, tudo isso ressalta a inocência dos personagens infantis e a preocupação dos adultos, onde mesmo em momentos ruins para Minato, as luzes amareladas ainda mostram que a visão dele não é cheia de rancor e mágoa, mesmo que nessa mesma cena, para o professor, tenha uma iluminação mais fria e seca.

Hirokazu Koreeda é um mestre em retratar a alma humana, com delicadeza e uma inteligência emocional gigantesca. Hirokazu Koreeda possui total noção da emoção, vontade e natureza de seus personagens e, mesmo retratando algo tão simples como a felicidade, o diretor consegue mostrá-la pelas coisas simples da vida, fazendo-a valer a pena. Por meio de três perspectivas diferentes, o filme mostra que assumir o pior de uma pessoa que encontramos pode ter resultados devastadores. Assim, o final, mesmo que aberto, ainda não deixa o espectador questionar o destino das duas crianças; a reencarnação não existe para os dois, e nem para os adultos, pois existem coisas que não conseguimos mudar em nós mesmos, mas sim aceitar que esse monstro que cada um tem dentro de si só não seja algo ruim.

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