Por: Gabriel Pinheiro
Vive-se a era do cinema de propriedade intelectual, onde os grandes estúdios lançam filmes baseados em personagens já há muito tempo conhecidos do público. Aqui entra todo o universo de super-heróis ou longas de marcas como a Mattel, mas também as sequências intermináveis de Harry Potter, Velozes e Furiosos, Missão Impossível e afins. Dentro desse contexto, um fenômeno se destaca: os remakes, reboots e sequências de clássicos dos anos oitenta. Jurassic Park, Star Wars, Duna, Tron, Indiana Jones, Rocky, Karate Kid, Beetlejuice, Gremlins, todos eles já foram ou serão regurgitados em todas as salas de cinema disponíveis no mercado.
Nesse mundo de nostalgia fabricada, os Caça-Fantasmas, para algumas pessoas um ícone inabalável dos anos oitenta, não escapariam de ter toda a sua “glória” passada drenada até o caroço. Em menos de cinco anos, a franquia Os Caça-Fantasmas, iniciada em 1984 por Ivan Reitman, teve duas novas versões distintas: Caça-Fantasmas (2016), dirigido por Paul Feig, e Ghostbusters – Mais Além (2021), dirigido por Jason Reitman, filho de Ivan. Chega aos cinemas a sequência de Reitman, Ghostbusters: Apocalipse de Gelo e essa fissura pelo retrô parece dar sinais de que precisa se aposentar urgentemente.
Sinopse: Nesta sequência da franquia Ghostbusters, a família Spengler retorna para onde tudo começou: a famosa estação de bombeiros em Nova York. Eles pretendem se unir com os caça-fantasmas originais que desenvolveram um laboratório ultra secreto de pesquisa para levar a caça aos fantasmas a outro nível, mas quando a descoberta de um artefato antigo libera uma grande força do mal, os Ghostbusters das duas gerações precisam juntar as forças para proteger suas casas e salvar o mundo de uma segunda Era do Gelo. (Fonte)
O fio condutor desta nova história é Phoebe (Mckenna Grace), um dos filhos de Callie Spengler (Carrie Coon). A menina é afastada do trabalho de campo pelos Caça-Fantasmas por conta do fato de ainda ser menor de idade. Chateada com essa decisão e questionando sua posição no grupo, a menina busca distração jogando xadrez no parque, onde faz amizade com uma fantasma chamada Melody (Emily Alyn Lind). Ela é a chave para o desencadeamento de acontecimentos que culminam na libertação do deus demoníaco. Por ser o coração da trama, o roteiro dá bastante atenção à ela. Toda essa relação, implicitamente romântica, entre as duas meninas e o conflito dela com a mãe e o padrasto (Paul Rudd) é a melhor coisa que o filme traz para a mesa neste novo caça-fantasmas. O problema é que todo o resto vem para atrapalhar essas boas ideias que Reitman filho pensou para essa narrativa.
Primeiro é o inchaço de personagens presentes na trama. Existem mais de uma dúzia de personagens neste novo Caça-Fantasmas, poucos com algo para acrescentar na história ou qualquer outra coisa que seja. Lucky e Podcast (Celeste O’Connor e Logan Kim) não têm nada com o que trabalhar aqui e só servem para preencher os espaços da cena. Lars (James Acaster), do centro de pesquisa paranormal, tinha potencial para ser desenvolvido como um integrante da equipe mas sofre também pelo mesmo inchaço do elenco. Os ótimos Kumail Nanjiani e Patton Oswalt são trazidos nos papéis de Nadeem e Dr. Hubert Wartzki mas também acabam subaproveitados pelo roteiro extremamente conveniente nas suas soluções. Sem falar de todo o elenco do original de 1984 que está presente em peso e por bastante tempo neste novo filme. Nessa de que todo mundo tem seus cinco segundos de fama, ninguém brilha. Nem mesmo a protagonista, que é Phoebe.
Mas existe um enorme elefante nessa sala lotada que é o personagem interpretado por Finn Wolfhard. Aqui ele é o irmão de Phoebe, Trevor Spengler, um garoto que utiliza do cinismo e do humor duvidoso para esconder todas as emoções complicadas que sente um adolescente em fase de transição. Parece familiar? É de propósito. Wolfhard está interpretando o mesmo personagem em praticamente tudo em que ele está sendo escalado. A fórmula que deu certo para ele como Mike na série Stranger Things (2015) já havia sido replicada em It – A Coisa (2017) e também no longa anterior dos Caça-Fantasmas. Por ser o garoto do momento, o diretor parece se sentir na obrigação de dar algum espaço para ele. Porém fica claro que não se sabe o que fazer com ele. O personagem fica perdido no meio da ação e entre as milhões de elipses temporais aéreas de Nova York amanhecendo, requentando frases de efeito que já saíram da boca do ator em outros projetos e o utilizando como alívio cômico em piadas que simplesmente não são engraçadas.
Wolfhard não é a única ligação que esse filme tem com Stranger Things, como já citado, aqui a nostalgia pelos anos oitenta é elevada a níveis que beiram, e muitas vezes ultrapassam, o ridículo. Tem de tudo, VHS, Discman, TV de tubo, telefone velho, trilha sonora retrô, é só falar. Eles usaram tudo o que podiam. Mas para além dessas pequenas grandes inserções, essa obsessão fetichista pelo fantasma oitentista oferece momentos particularmente dignos de pena. O longa descamba para o absurdo quando na busca pela ambientação estética perfeita esquece de que a trama se passa nos dias atuais, e faz com que os seus personagens pareçam umbilicalmente reféns do passado.
Em determinado momento, na hora de apresentar o avançadíssimo laboratório de pesquisa de ponta em ciência paranormal capitaneado pelo ex caça-fantasma e agora bilionário Winston Zeddemore (Ernie Hudson), os computadores são todos caixotes com telas em oito bits, telefones enormes com rodas de discagem. Na mesma cena Podcast está filmando com um celular dos nossos tempos. O mesmo acontece dentro de um diner de Nova York em que ao mesmo tempo que a caixa registradora utilizada é claramente velha e o funcionário também está com um smartphone na mão. O filme chega ao ponto de reviver o tropo já bastante conhecido e utilizado em décadas passadas do nerd com os óculos fundo de garrafa remendados com fita adesiva.
Essa fetichização pelos anos oitenta presente em diversos aspectos desse novo longa parece um reflexo mais profundo de um sentimento conservador enraizado em um passado idealizado. Os personagens, imersos nesse universo retrô fabricado, parecem negar a realidade presente. Prendendo-se numa era que já passou, igual aos fantasmas que eles caçam. O que parece é que talvez tenha realmente chegado a hora de deixar para trás essa e outras séries de filmes. Já foi provado por A + B que para os detentores da propriedade intelectual é impossível fazer um longa dos Caça-Fantasmas sem o fator nostalgia. Absolutamente todas as novas tentativas entram no balaio da stranger-things-ização da cultura pop. Já passou da hora de Hollywood propor novas ideias para as salas de cinema, histórias que não sejam reimaginações de coisas do passado, que são conhecidas de outros tempos. Infelizmente esse bombardeamento de nostalgia só tem trazido um constante sentimento de déjà vu no lobby dos multiplex. Fica claro que o cinema não avança olhando só pra trás.