Por: Vitor Hugo Pereira
Redação RUA
Selecionado pela curadoria do festival In-Edit Brasil da edição de 2024, o documentário Terra de Ciganos (2024), do diretor Naji Sidki, propõe um novo olhar sobre a comunidade cigana e sua inserção na sociedade brasileira. Voltado para a rotina da população cigana, o filme promove uma grande rede de interações entre a cultura daquela população nas mais diversas regiões do Brasil, retratando as complexidades construídas seja por preconceito da sociedade brasileira ou por impasses burocráticos e políticos, como a questão da educação e moradia dentro de sociedades que vivem pelo trânsito de uma região a outra.
A mistura de ficção e registro documental é o grande destaque do projeto, em que os próprios ciganos atuam em representações de histórias vividas por eles. Vemos, inicialmente, a simulação de um relato e, em seguida, o registro objetivo e o comentário. Tal mescla de abordagens oferece maior exploração da perspectiva social: enquanto se acompanha o relato da cultura dos povos ciganos de maneira mais analítica e objetiva no documental, a abordagem ficcional promove maior aproximação, pois permite que eles sejam seus próprios personagens, na medida em que suas interpretações ganham mais vida por se aproximarem da memória.
A música opera como grande força central do projeto, pois reúne músicos ciganos de cidades e regiões distantes uma das outras, mas que compartilham o mesmo encanto pelas canções ciganas. É nessa centralidade musical que o documentário aproveita para mesclar a tradição do cantar daquela cultura com a mídia e mercado de música contemporâneos, em que mostra os músicos ciganos gravando e produzindo suas músicas em estúdios, abrindo discussão sobre sua inserção na sociedade brasileira. Tal discussão permeia os assuntos abordados no filme, pois as interações entre população cigana e a maioria da população do Brasil ora é esquecida pelos sistemas sociais do país, ora é excluída nos debates sobre minorias, identidades culturais e religiosas.
Outras manifestações artísticas são levadas em consideração, como as artes circenses, presentes no filme como ponto de articulação entre atividade artística e o deslocamento característico da cultura cigana: várias comunidades dessa cultura conciliam seu trabalho no circo, pois é uma forma de conseguirem se sustentar – dentro da sociedade capitalista – e transitar pelo país com as caravanas.
Por fim, é justamente a lógica do deslocamento que guia todo o documentário. A música que une os artistas de lugares diferentes, o circo que transita pelo país, tudo é feito em torno de se deslocar, bem como as transições que se tem entre o ficcional e o real apresentado no projeto. Desse modo, se a caminhada é tão pertencente à essa cultura, o objeto que se coloca como símbolo do moderno e também do ato de se deslocar dentro do próprio filme é o carro, sendo filmado na estrada em várias cenas como um fio condutor de uma caminhada; uma viagem entre as histórias, pessoas e crenças, atravessadas por questões sociais.
Munido da diversidade artística e olhar apurado sobre a cultura daquele povo, o documentário de Naji Sidki insere uma questão importante no debate sobre a pluralidade do país, ao documentar, com liberdade estética, as interações e características da população cigana.