Crítica | Triângulo da Tristeza (2022), de Ruben Östlund

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Por: Lucas Mariotti

No ano de 2022, o mercado audiovisual hollywoodiano foi marcado por uma tendência temática de satirizar as classes burguesas contemporâneas. Produções como O Menu, Glass Onion: Um Mistério Knives Out, The White Lotus tiveram grande destaque de público e crítica em seus respectivos lançamentos. A partir disso, é compreensível a escolha da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de nomear o filme vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2022 para 3 principais categorias no Oscar de 2023: o controverso e afiado Triângulo da Tristeza.

Ao acompanharmos um casal de modelos celebridades se juntando a um cruzeiro luxuoso, o polêmico filme de Ruben Östlund propõe uma análise satírica das futilidades dos privilegiados. Isso é feito por meio da inversão de dinâmicas de hierarquia social em prol de um estudo frio e sem remorso sobre o comportamento humano na ausência dos sistemas de poder e beleza que regem a funcionalidade social opressiva.

O título designado pelo roteirista e diretor ao longa faz referência a um termo usado por esteticistas que nomeia a região entre as sobrancelhas, ou seja, aquela área que o ser humano franze quando está nervoso ou preocupado, fator capaz de criar eventuais rugas de expressão. A partir dessa escolha, Ruben é capaz de evidenciar logo de início o ridículo do termo, o qual é direcionado para as classes sociais mais ricas, as quais costumam se preocupar com coisas irrelevantes, ou até mesmo não expressarem esse tipo de nervosismo por estarem presentes em um mundo de alto glamour e privilégio.

Com o estabelecimento dessa ideia titular, percebemos a existência de um tipo de simbolismo o qual permeia a própria estrutura de três atos do filme: os dois primeiros constituem a base e o meio dessa figura geométrica e o terceiro a ponta, com o triângulo estável formando um estudo comportamental dos arquétipos da sociedade contemporânea líquida e desigual. Sendo assim, nos dois primeiros terços do filme, existe um desenvolvimento da relação entre os protagonistas modelos e sua inserção nas dinâmicas de status do espaço luxuoso do cruzeiro.

Entretanto, o final do segundo ato dá início à desestabilização dessa funcionalidade para adentrarmos um experimento social de convergência destrutiva na parte final do longa. Após expor e ridicularizar o comportamento das classes sociais provedoras de riqueza, alguns membros dessa mesma camada burguesa hodierna são submetidos, de forma humilhante e brusca, a uma realidade desprovida de organização socioeconômica, posses e poderes, desencadeando um afloramento das necessidades básicas do ser humano e seu instinto de sobrevivência.

Percebe-se o tom ácido, circense, refletivo, apático e distanciado da sátira em Triângulo da Tristeza desde o início do longa. Ao sermos introduzidos aos protagonistas modelos, Carl e Yaya, e presenciarmos a dinâmica do relacionamento do casal no primeiro ato, entende-se que o diretor não está preocupado em tornar seus personagens mais simpáticos e humanos, já que o contexto social em que estão inseridos os torna pessoas completamente insensíveis e alienadas ao mundo onde vivem. Evidenciando a rotina profissional dessas personas no mundo da moda e construindo uma simples cena de diálogo em uma mesa de jantar, Ruben Östlund, com sua encenação sólida, fria e observadora, consegue expor as morais distorcidas desses indivíduos, os quais facilmente possuem seus egos feridos quando não são capazes de se empoderar um sobre o outro. Além disso, preocupam-se excessivamente com as aparências individuais e do próprio casal, elementos narrativos esses que servem para ridicularizar os modernos relacionamentos existentes em uma sociedade do espetáculo.

A partir do segundo ato, tem-se uma polarização na recepção do público, já que o diretor opta por uma abordagem mais direta e grotesca no processo de sátira, evidenciando de formas nada sutis a sua intenção de ridicularização e humilhação tanto dos opressores quanto dos oprimidos. Com o estabelecimento do espaço do cruzeiro luxuoso que os protagonistas irão frequentar, a câmera se posiciona em seus corredores, convés e salões expondo o glamour do local, mas também ostenta o vazio de seus passageiros vulgares que nada tem de substancial a oferecer para suas interações sociais e para o próprio espectador. Na medida em que essas relações são apresentadas, evidencia-se o absurdo a que os funcionários são submetidos pelos pedidos dos hóspedes, além dos ridículos diálogos entre os próprios passageiros sobre as coisas mais banais possíveis, fatores esses que intensificam a acidez de uma comédia que ri dos próprios personagens, e não com eles. Ademais, ao final dessa parte do filme existe uma desestabilidade da própria diegese e encenação que reforça a fragilidade das estruturas sociais vigentes, usufruindo do caos grotesco para humilhar os arquétipos opressores.

Já no terço final do filme, apesar do longa perder força tanto no seu comentário crítico quanto no ritmo e duração do último ato, existem certos elementos narrativos que são interessantes à complementação do discurso satírico da obra. Ao submeter seus odiáveis e antipáticos personagens a uma situação primitiva social, existe um experimento de inversão das interações ao excluir valores vigentes na nossa sociedade contemporânea tão desigualitária e superficial. Dessa forma, sem direitos a posses e poderes, as personas privilegiadas exercitam os instintos primários do ser humano, marcados por uma constante necessidade básica de sobrevivência, assim como as classes que eles oprimem diariamente, mesmo que de forma indireta. Já aqueles personagens que não se encaixavam em um segmento rico socialmente são capazes de ascender nas hierarquias de interação, evidenciando como o poder corrompe o homem. Entretanto, esse conforto pode ser enxergado como uma reparação histórica, a qual facilmente é ameaçada com um mínimo de resquício do sistema capitalista vigente.Portanto, Triângulo da Tristeza contribui de maneira própria para a tendência temática no audiovisual de análise das problemáticas vidas das classes burguesas hodiernas. Apesar de ter quem ame e ter quem odeie, é incontestável negar que o incômodo proposto foi atingido, e Ruben Östlund criou uma sátira que, apesar de algumas instabilidades, se destaca na sua abordagem crua e sem escrúpulos, a qual, com uma mistura de gêneros cinematográficos e uma mise-en-scène concisa, busca horrorizar e ridicularizar aquilo que valorizamos coletivamente: seres gananciosos e mesquinhos.

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