Crítica | Os Banshees de Inisherin (2022), de Martin McDonagh

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Por: Marcela Rauter de Oliveira

Os Banshees de Inisherin: entre o místico e o real

“Ontem nós éramos amigos, o que aconteceu nesse curto espaço de tempo?”. Em Os Banshees de Inisherin (2022), de Martin McDonagh, em uma ilha fictícia do litoral da Irlanda, Inisherin, dois amigos de longa data, Colm (Brendan Gleeson), um entusiasta da música e Pádraic (Colin Farrell), um pacato produtor de leite, entram num impasse quando Colm decide cortar relações com Pádraic sem um motivo aparente, causando assim consequências graves para ambos. Dessa forma, mais do que uma história sobre o fim de uma amizade, o longa mescla lendas mitológicas com causos reais, visto que se passa em 1923, ano da guerra civil irlandesa. 

Começando pelo lado mitológico, o título do filme já é um prenúncio do que irá acontecer nas 1h54m do longa: a canção da morte. Banshee é um ser da mitologia celta, uma fada que se apresenta de várias formas, seja uma jovem mulher ou uma velha repugnante, que é a mensageira da morte. Além disso, na Irlanda acredita-se que pessoas que possuem o dom da música são protegidas por dois espíritos: o Espírito da Vida e o da Maldição, essa dualidade será constante em todo o decorrer do filme. Há momentos em que o tema vem à tona como no diálogo entre Siobhan (Kerry Condor) e Dominic (Barry Keoghan) perto da casa da Sra. McCormick (Sheila Flitton), que pode ser entendida como a representação do ser místico. Outro momento interessante é quando Colm conta para Pádraic o nome da música que compôs – Os Banshees de Inisherin – Pádraic responde que na ilha não existe Banshees, mostrando a inocência do personagem. 

Partindo para o lado real, entre 1923 e 1924 acontece a guerra civil irlandesa, que é retratada no filme de forma distante, através de fumaças de bombas na costa litoral, sendo um lembrete do que está acontecendo no continente. Porém, mesmo que o conflito não atinja a ilha de fato, o confronto entre os dois amigos é de certa maneira uma guerra e em um momento de contemplação, quando Pádraic ouve o barulho das bombas e diz “Boa sorte a vocês, seja lá pelo o que estejam lutando”, isso também vale para ele e Colm. Além disso, por Inisherin não estar envolvida no conflito civil, há uma sensação de não pertencimento muito presente no longa. A ilha parece não fazer parte do país; Pádraic muitas vezes é visto através do vidro da janela do pub local, como se não pertencesse ao lugar mesmo que o frequente todos os dias. 

Ademais, a decupagem colabora para retratar a imensidão da ilha, mostrando um lugar pouco habitado, mas também serve para situar o espectador indicando para onde o personagem está indo: a bifurcação com uma estátua de santa indica a igreja, a estrada de pedras leva ao pub. Com tão poucos lugares para ir e a dificuldade para obter informações externas, os habitantes se contentam com esse lugares, primeiro contemplam Deus e se arrependem de seus pecados e depois se embriagam e dizem poucas e boas uns para os outros. 

Com isso, a complexidade dos personagens também é explorada. Começando por  Colm, ele encerra a amizade com Pádraic para se dedicar a música, porém corta seus dedos como uma autossabotagem. Já Siobhan, irmã de Pádraic, é mais do que uma mediadora de conflitos, ela expressa uma solidão e ao mesmo tempo uma esperança por mudança, a ilha não é suficiente para ela. Dominic, filho do policial local, aparenta ser um jovem inconsequente, mas seus momentos em tela deixam claro que suas ações são consequências dos abusos que sofre do pai. Por fim, Pádraic é um homem simples, que ao contrário de sua irmã, não consegue se ver morando em outro lugar, porém essa simplicidade e ingenuidade mudam no ato final. 

Dessa forma, a primeira vista Os Banshees de Inisherin pode parecer, assim como Pádraic, um filme ingênuo, porém é um retrato do fim de amizades, da incerteza e do anseio por mudanças. 

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