Discussão sobre o texto de Timothy Corrigan “Genre, gender and histerya: the road movie in otter space”

Por Gabriel Ribeiro Alfredo, Mário Gonçalves Neto, Raíza Carvalho e Thomas Canton *

Introdução

No texto “Gêneros, gênero e histeria” Timothy Corrigan disserta sobre sua visão de construção dos gêneros, sua falta de pureza em sua representação histórica, a metáfora da histeria e como isso se reflete em características do chamado Road movie. Dentro do que é tratado no texto escolhemos criar um questionamento sobre um elemento muito presente nos filmes de estrada, que é o sujeito viajante em crise. Através do que nos é apresentado por Corrigan e no que nos é mostrado em alguns filmes por ele citados, além de algumas discussões feitas em sala durante o curso da matéria, pretendemos através do trabalho sinalizar alguns possíveis fatores que influenciam a crise de identidade do homem, que refletem a fragmentação da figura masculina.

O gênero Road Movie e a crise do sujeito masculino

Os gêneros tentam se adaptar na retratação do período histórico no qual se introduzem ou no qual seu enredo se desenrola . Surgindo, por exemplo, filmes de gângster e noir retratando o período da lei seca e filmes de ficção científica no contexto do Macartismo e da corrida espacial.

Para representar um período histórico específico os filmes de gênero possuem elementos externos de caracterização, como figurinos e cenários, e internos, como o conteúdo do próprio enredo. Porém existem impossibilidades na retratação de elementos culturais, sociais e históricos, pois eles se tornariam incoerentes dentro de uma construção narrativa, além do que seriam demasiadamente extensos para serem devidamente representados.  Segundo Timothy Corrigan existe, entretanto, uma “histeria” na tentativa de representar estes elementos dentro das histórias dos filmes de gênero, principalmente os contemporâneos, criando então, segundo ele, uma falta de pureza, um hibridismo dentro da classificação dos gêneros.

“Mas, especialmente com a diversidade genérica dos filmes contemporâneos (ao misturar ficção cientifica, romance e western em um mesmo filme) e as posturas críticas atuais que tentam incansavelmente usá-los (tematicamente mais popular do que nunca em jornais e conferências), os gêneros parecem invariavelmente sobredeterminar , imitar, refletir e misturar suas estruturas tão excessivamente que, o que é mais designado é uma história contemporânea que insiste, não poder ser ritualizada de acordo com um único modelo trans-histórico”. (CORRIGAN, 1991)

Os road movies não são diferentes, dentro deles existe a representação dos automóveis, que estavam se tornando um bem de consumo e um símbolo da modernidade na época de seu desenvolvimento como gênero (década de 50 e 60); e de um sujeito em crise,  em personagens que refletem uma sociedade patriarcal desestruturada devido a guerra.

Road movies então se introduzem como essa forma híbrida de gênero que possui como característica o automóvel, a estrada e um indivíduo, principalmente o homem, em crise dentro de uma viagem, buscando principalmente o auto-conhecimento, mesmo que inconscientemente. Como nos filmes Juventude Transviada(1955) e O Selvagem (1953), Bonnie e Clyde – Uma Rajada de Balas (1967) e Sem Destino (1969).

Corrigan fala que o Road Movie, possuindo essas características e esses elementos, cria então um tipo de representação de um sujeito em crise a partir da fratura do sujeito masculino, colocando-o em uma viagem que seria uma fuga de uma sociedade que possui aspectos vinculados à figura feminina, como o casamento e a família, somado ao seu lugar tomado por elas no período da guerra gerando um conflito entre os gêneros (masculino e feminino).

Para exemplificar essa afirmação, é possível demonstrar esse conflito entre a figura masculina e feminina em um filme que possui uma analogia ao contexto da época em que foi filmado, porém fora do contexto histórico que retrata, também não sendo caracterizado como um filme de estrada, mas na qual a ação ocorre dentro de um automóvel, a cena do filme Cantando na Chuva onde o personagem Don, em fuga de suas fãs acaba entrando no carro dirigido por Kathy, e acabam tendo uma discussão que ilustra vários destes aspectos citados.

Cena do Filme "Cantando na Chuva"

Ligação com o processo de automação da Sociedade

“A ligação entre road movies e o meio do século devastado pela guerra fica mais historicamente complexa”. Durante a guerra, parte dos símbolos da cultura tradicional foram destruídos, Europa e América se direcionam para um novo futuro de avanço tecnológico e investimento na industria. “E o que acabou se tornando um símbolo para essa chamada energia progressiva foi o automóvel”. Carros e motos passam a representar “uma extensão mecanizada do corpo”, através do qual pode-se mover para mais longe e mais rápido do que antes e escapar da trajetória da narrativa clássica da história do século XX.

Road movies então “incorporam o potencial infinito do espaço futuro, espaço exterior e um passado que está sempre fugindo” (CORRIGAN, 1991). O carro vira uma das únicas promessas de individualidade em uma “cultura de reprodução mecânica”. Nas sociedades do pós-guerra as fronteiras desaparecem graças a um carro e com elas as tradições familiares. E diferente do que é visto nos filmes westerns ou sci-fi, os ambientes explorados nesses filmes são geralmente “lugares familiares que de algum modo se tornaram desconhecidos: a estrada e o campo podem ser conhecidos”, mas algo os mudou.

“Energia torna-se a metáfora-chave, mas essa energia, como em Salário do Medo, não tem nada de espiritual ou intelectual: energia é gasolina; energia é material, e tê-la concretizada na forma de um carro é o sinal mais certo de que o passado está sumindo no retrovisor. Este espelho, juntamente com as molduras das janelas de um carro, também garante uma espécie de autoconsciência perceptiva que identifica uma geração cujo presente, passado e futuro é cada vez mais mediada pelas imagens da tecnologia visual (…).”(CORRIGAN, 1991)

O progresso que se deu na década do pós-guerra, tem como principal responsável o temor de regressão histórica. Com o ideal representado pela família a desmoronar e se dissipar na explosão da segunda guerra mundial, o substituto mais seguro e provável para aquela unidade heterossexual é o grupo de amigos que sobraram da guerra. Se nos anos cinquenta, a estrada gerou párias sociais que a narrativa do filme tenta socializar, esta ação narrativa é então o neutralizadora de uma visivel ansiedade que se tornaria um (histérico) excesso de possibilidades indeterminadas contendo apenas sua auto-conciência nos filmes de estrada dos anos 60.

“(…)em 1953 os Estados Unidos eram 6% da população mundial e detinham 60% dos carros de todo o mundo. Até 1959, 1,25 milhões de americanos já haviam morrido em acidentes de carro, mais que em todas as guerras que o EUA participou juntas. As pessoas nos trens no incio dos anos 50 começam a pular para dentro dos carros na virada da próxima década e a agir como se o carro fosse um veiculo de fuga ou libertação, assim como as lembranças sombrias da repressão e da morte. De fato, talvez a melhor abertura da ameaça que leva os homens a repetir e continuar se movendo através dos road movies dos anos 50, 60 e 70 e a sequencia chave de Juventude Trasviada (1955). Logo após assistir a demonstração de um astrônomo sobre a presença insignificancia do homem perante a galaxia do espaço sideral, James Dean se prepara para batalhar contra seu rival Buzz,que de uma maneira distorcida também é seu amigo. Como um teste de masculinidade, seus carros estão alinhados para correrem em direção a um desfiladeiro que termina no mar. Dean, um tradicionalista mesmo assim, ingênuamente pergunta, “por que estamos fazendo isso?” Seu rival, que teria sido um homem de futuro caso ele tivesse sobrevivido, replica, “você tem que fazer algo.”” (CORRIGAN, 1991)

Road movies, como todos os géneros nos anos 60/70, ajustam suas relações inquietas com os medos e coplexidades socioculturias que ameaçam mudar seus códigos e fórmulas. Um claro exemplo para esse movimento histórico é a enfasê que esses filmes dão na rebeldia social, que geralmente aparecem como formas de enfatizar o espetáculo irrecuperável da estrada. Neste contexto, há duas visíveís adaptacoes  nos road movies: primeiro, “a transformação humanística do veículo mateiral começa a quebrar completamente”; e, segundo, o “viajante ou par de viajantes perdem aquela inocência a la James Dean e abraçam, com o aumento da despreocupação, a sua própria definição como imagem material”.

Bonnie e Clyde ainda é, nas palavras de Corigan, “um dos principais exemplos do gênero, e um filme infinitamente mais inteligente e eloqüente que o mais popular Sem Destino (1969)” pois se mostra num sentido mais histórico. No estilo dos anos 60, Bonie e Clyde são “rebeldes da estrada assim como heróis singulares cujas viagens são um passeio de violência sem sentido”. Como viajantes, são deslocados de qualquer sentido de espaço assim como  de qualquer senso de sua própria subjetividade: enquanto essa nostalgia dos anos cinquenta, para o caráter e a moral, desaparecem, toda a experiência se torna a reprodução mecânica da estrada através de um pára-brisa real ou metafórico, e estas perspectivas se tornam redundantes, realocadas nas imagens de si mesmos que veem distorcidas e reproduzidas no jornal local. O suposto olhar documental de Bonnie e Clyde é uma distração: o foco é em vez de como a conjunção da estrada, veículo, personagem e percepção tornam-se uma coleção de extraordinárias imagens de consumo produzidas em massa, o material de um documentário, de uma cultura de consumo desesperada. A febre de crimes cometidos por Bonnie e Clyde são basicamente uma tentativa de se verem nos jornais. “A resposta de Clyde à Bonnie, quando ela pede para que ele imagine outro modo de vida, é a de um homem apaixonado teatralmente por seus próprios sintomas – ele imagina diferentes estratégias para cometer crimes, e não uma vida fora do crime.”  Se Bonnie e Clyde é baseado em um relato histórico, ele é mais precisamente um relato histórico de uma percepção moderna, percepção que nos anos 60 já começava a reduzir a historia à materiais de imagens, materiais os quais uma cultura precisa obsessivamente agir por si mesma para afastar o retorno de mais histórias ameaçadoras. A confusa e incerta recepção de Bonnie e Clyde sugere problemas significativos na tentativa de abordar as questões políticas e sociais através de formas cuja tendência para a histeria sempre teatraliza a relação de gênero e historia.

A busca por identidade masculina em Paris,Texas

Cena do Filme "Paris, Texas"

Desilusão amorosa, medo, ciúmes, dúvida eram sentimentos que perturbavam Travis, o protagonista de Paris, Texas. Por isso, ele passa quatro anos vagando sem rumo pelo México. É encontrado pelo irmão e vai com ele ao encontro se seu filho. Quando o filho pergunta por que o pai ficou longe por tanto tempo, Travis responde que fez isso, pois não sabia para onde ir. Essa busca por um caminho e uma identidade revelam a crise pela qual ele passava e que pode ser identificada como a crise masculina do road movie em geral.

O caminho do protagonista, ou a estrada de Paris, Texas, passa pelo deserto, por uma fotografia de um terreno vazio e também por uma sociedade e um mundo eletrônico e mecanizado. Houston, por exemplo, tão mecanizada que possui bancos que não precisam de pessoas, é o local onde Travis tem que enfrentar alguns de seus medos e realizar seus objetivos. Esses espaços pelos quais o personagem passa são mostrados pela linguagem do filme. Alguns elementos utilizados são as panorâmicas, geralmente de paisagens desertas, e os tilts de arranha-céus e bandeiras americanas.

A cidade é o local onde Travis reencontra a família. Primeiramente há certo distanciamento entre ele, o irmão, a cunhada e o filho, mas com o tempo Travis começa a se aproximar de todos. A relação familiar instável e temporária é construída a partir de diversos fatores. Um deles é a busca de Travis por um modo de ser pai, que pode ser encontrado até em páginas de revistas, por exemplo, no momento em que ele busca uma imagem de um pai a partir da forma como um pai se veste. Outro fator é uma idéia de família que surge com filmes antigos ou álbuns de fotografias.

A relação entre pai e filho é a mais profunda e tem mais tempo para se desenvolver, já que os dois viajam em busca da mãe. Em vários momentos é possível perceber um contraste entre os personagens.  A coragem e a determinação do garoto é evidenciada na cena em que Hunter decide ir embora com Travis; já o medo e a insegurança do pai são mostrados na cena em que Travis pede para Hunter ligar para os tios ou na cena em que Travis reencontra Jane pela primeira vez e fala muito pouco com ela.

Apesar dessa insegurança, a viagem, a aproximação com o filho, o reencontro com o irmão e uma conversa com a cunhada ajudam Travis a encontrar a coragem para conversar com Jane, falar sobre a relação deles e sobre o filho que a espera. Ele toma diversas atitudes e encontra soluções para algumas de suas dúvidas. Mesmo assim, ele termina o filme sozinho novamente, num possível retorno a estrada para o deserto. Dessa forma, ele possui dois caminhos finais: a reconstrução de sua família simbólica e a liberdade por não participar de uma estrutura familiar, assim como afirma Timothy Corrigan.

Para exemplificar algumas características do filme a cena escolhida foi a do momento em que Travis e Hunter decidem partir juntos a procura da mãe, Jane. Um primeiro fato relacionado ao road movie é que a conversa entre eles ocorre dentro da caminhonete. Eles falam sobre a ausência do pai, ou seja a crise pela qual ele passou. E, apesar dessa ausência, ainda é possível haver uma identificação entre eles e uma boa relação entre pai e filho.

Cena do Filme "Paris, Texas"

*Gabriel Ribeiro Alfredo, Mário Gonçalves Neto, Raíza Carvalho e Thomas Canton são graduandos em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar

Bibliografia

CORRIGAN, Timothy. “Genre, gender and histerya: the road movie in otter space” in A Cinema without Walls: Movies and Culture after Vietnam (Rutgers, New Jersey, 1991).

Filmografia

Paris, Texas. Wim Wenders.1984

Juventude Transviada. Nicholas Ray.1955

O Selvagem. Lászlo Benedek.1953

Bonnie & Clyde – Uma Rajada de Balas. Arthur Penn.1967

Sem Destino. Dennis Hopper.1969

Author Image

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

More Posts

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

Deixe uma resposta