Fotografia Audiovisual: As cores e a personagem Daenerys Targaryen no seriado GoT

Por Monique Burigo Marin*

Por Rafael Jose Bona**

 

RESUMO

A presença das cores na fotografia audiovisual sempre foi importante, desde o início do cinema e, posteriormente, na televisão. Elas podem trazer diversos significados à narrativa, contribuindo ao enredo em questão, à construção dos personagens, à cenografia, à direção de arte, entre outros elementos audiovisuais. Explora-se esses significados por meio da compreensão da influência das cores na primeira temporada do seriado Game of Thrones (2011), criado por Daniel B. Weiss e David Benioff para o canal HBO, a partir da observação de algumas de suas cenas. Utilizou-se a metodologia descritiva e exploratória com estudo de caso, além da coleta de dados secundários e tratamento dos dados de forma qualitativa. Os resultados alcançados apontam para a compreensão da utilização das cores na fotografia da série Game of Thrones; o seu papel na narrativa; a identificação das cores predominantes e a sua relação com a personagem Daenerys Targaryen, protagonista de um dos núcleos da série. No seriado, as cores reforçam aspectos da história, conectam-se com os personagens e enfatizam seus sentimentos, exteriorizando-os. A cor é capaz de comunicar tanto quanto a própria narrativa, pois se mistura a ela e atribui significados às cenas.

 

1 INTRODUÇÃO

A disseminação de equipamentos como os que foram criados pelos irmãos Lumière, no final do século XIX, permitiu o surgimento de um novo tipo de expressão: a cinematografia, ou “direção de fotografia”, como é chamada no Brasil. A evolução do cinema trouxe novas aspirações, como a de ir além do preto e branco. No entanto, de acordo com Gage (2012), que aborda pontos de vista científicos, filosóficos e psicológicos em relação a cor dentro da arte, argumenta que a inserção das cores nos primórdios do cinema foi dificultada, principalmente, pela limitação técnica.

Entusiastas como Georges Méliès, um dos precursores do cinema e pai dos efeitos especiais, fizeram experimentações com a cor, pintando as películas à mão, ainda nos anos 1890. Mas, somente na década de 1930, é que surgiram novos processos aditivos de cor que ficaram populares nas produções, como o Dufaycolor e o Gasparcolor, o Kodachrome e o Agfacolor. Os principais utilizadores da cor neste período do cinema foram os musicais norte americanos, devido aos custos elevados envolvidos no processo de colorização. Além disso, houve resistência por parte de alguns diretores de filme arte, que consideravam a cor um recurso pouco confiável, incapaz de transmitir riqueza de detalhes, conforme Gage (2012).

O presente estudo explorou a utilização das cores no seriado Game of Thrones, criado por Daniel B. Weiss e David Benioff para a HBO, em que se analisa não somente a estética cromática, mas também a sua influência na história, por meio dos personagens. A série americana estreou em 2011 e, até o ano de 2013, encontra-se na terceira temporada. Teve sua inspiração na saga de livros Crônicas de Gelo e Fogo, do autor George R. R. Martin. Foi no contexto da primeira temporada de Game of Thrones que este trabalho se inseriu, na busca de interpretar os significados das cores e de identificar a sua relevância na narrativa. Destacou-se o contraste de cores, entre o primeiro e o último episódio, utilizadas nas cenas em que a personagem Daenerys Targaryen aparece. A personagem serviu como exemplo da utilização das cores no seriado e da sua influência na narrativa.

2 COMUNICAÇÃO AUDIOVISUAL E O SERIADO DE TELEVISÃO           

Atualmente, é possível se comunicar de forma expressiva por meio do audiovisual, que está presente em quase todas as plataformas midiáticas. Não somente ocorre, com frequência, o surgimento de novos meios audiovisuais, como também a conversão de outras mídias para esse modelo. A evolução das tecnologias para a exibição de obras audiovisuais facilitou e estimulou o seu consumo, ao atrair o público com efeitos especiais e técnicas surpreendentes. Além disso, cada vez mais, cresce o interesse de profissionais em trabalhar com a imagem e o som.

É dentro deste contexto que existe o seriado de televisão, que tem uma estrutura derivada de outras narrativas, como a literatura, que muito antes do surgimento da televisão e do cinema já apresentava suas histórias divididas em capítulos. Essa fragmentação da informação criava suspense, despertava a curiosidade e prendia a atenção dos leitores. A consciência desse efeito, por parte dos envolvidos com essas narrativas, motivou o surgimento do seriado. Em sua estrutura tradicional atual, os seriados dividem-se em episódios organizados em temporadas. (STARLING, 2006).

A estrutura narrativa da série apresenta um esquema narrativo repetitivo, satisfaz o espectador com o encontro de personagens já conhecidos, mas o engana, e faz com que acredite estar assistindo algo novo (ECO, 1989). Iludir o espectador com essas novidades faz parte da estratégia para manter sua atenção, uma vez que esse tipo de material audiovisual é transmitido no ambiente doméstico, no qual se está sujeito a distrações variadas, como a interferência de outros meios, tal qual o telefone e o computador (MOREIRA, 2007).

2.1 A CINEMATOGRAFIA E AS CORES

A cinematografia é responsável por oferecer ao diretor o que ele deseja em termos de estilo fotográfico. Entre suas responsabilidades, destaca-se o aspecto das cenas, que inclui fatores como a coordenação da iluminação, do figurino e da maquiagem. Cada etapa deve ser supervisionada para que falhas sejam evitadas (BROWN, 2012).

A composição das cenas deve ser pensada de modo a transmitir a mensagem pretendida ao espectador, por meio da adequação ao assunto, para auxiliar a criação do ambiente. Uma boa composição confere harmonia à cena e desencadeia reações positivas dos espectadores. No entanto, é importante salientar que ela transmite um gosto pessoal e particular das pessoas envolvidas nesse processo e que, aquilo que essas pessoas interpretam como harmonioso pode ser interpretado de forma adversa por outras. É por esse motivo que a bagagem artística dos envolvidos é tão relevante, já que ela é a principal responsável pela boa composição, feita de forma minuciosamente pensada para que, assim, atinjam-se bons resultados. Desse modo, linhas, formas, cores e movimentos devem ser utilizados para enriquecer a narrativa e facilitar a compreensão da mesma (MASCELLI, 1998).

A cor, de acordo com a Gestalt apresentada por Gomes Filho (2004), possui diversas finalidades, que alternam-se conforme o modo como está disposta na composição. A cor pode transmitir, por exemplo, as sensações de calor e frio, de leveza e peso, de tranquilidade e agressividade. As cores são, muitas vezes, necessárias ou desejadas para expressar essas e outras sensações por meio da comunicação audiovisual.

2.1 NARRATIVA AUDIOVISUAL

O tipo de narrativa apresentada na série Game of Thrones tem como base o roteiro. “O roteiro é como um substantivo – é sobre uma pessoa, ou pessoas, num lugar, ou lugares, vivendo sua ‘coisa’. Todos os roteiros cumprem essa premissa básica. A pessoa é o personagem, e viver sua coisa é a ação”. (FIELD, 2001, p. 2).

Dentro da narrativa audiovisual, uma personagem pode ser divida entre a sua caracterização e a sua essência. A caracterização é a soma de suas qualidades observáveis, não somente físicas tais quais: estatura e cor dos olhos e cabelos, mas também características abstratas como a simpatia ou a inteligência. Essa combinação é responsável por torná-la crível. Ou seja, o espectador deve crer que a personagem agiria da forma como age na tela. A essência, por sua vez, é a verdadeira personagem, é o que ela demonstra ser em momentos de pressão. “[…] quanto maior a pressão, maior a revelação e mais verdadeira a escolha para a natureza essencial da personagem.” (MCKEE, 2006, p. 106).

Entre os personagens destacam-se o protagonista e o antagonista. O primeiro, geralmente, é o herói da história. O herói não é necessariamente aquele quem salva pessoas indefesas ou pratica boas ações, assim como o antagonista não é necessariamente uma pessoa má, ele é alguém que se opõe à narrativa ou ao objetivo do herói. O protagonista é o personagem principal, ele está no centro da ação e é o mais trabalhado dos personagens, enquanto o antagonista é o seu oposto e o atrapalha de alguma forma (COMPARATO, 1995).

A “coisa” vivida pelo personagem, frequentemente, envolve elementos tal qual o Incidente Incitante: evento que desequilibra a vida do personagem e, ao mesmo tempo, desperta nele o desejo de restaurar esse equilíbrio. Desse desejo surge o Objeto de Desejo, algo que pode ser físico ou não e que o faça sentir que pode ajudá-lo a restaurar o equilíbrio de sua vida, lançando-o em uma Jornada pela busca desse objeto, que pode ser conquistado ou não. Dessa Jornada vem a Crise, que é o dilema enfrentado pelo protagonista contra as forças do antagonismo. Ele deve fazer uma escolha, na sua última tentativa pela conquista do seu Objeto de Desejo. A decisão feita pelo protagonista e sua respectiva ação costuma acarretar no Clímax da história, no ponto alto. (MCKEE, 2006).

Tudo o que é deixado para trás depois do Clímax constitui a Resolução, que não significa fim, mas solução (FIELD, 2001). A resolução é a “cortina lenta” do teatro. “[…] todos os filmes precisam de uma resolução como uma cortesia para a audiência” (MCKEE, 2006, p. 297), para que o público tenha tempo de se recuperar após a turbulência causada pelo Clímax.

2.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E ANALISE 

A metodologia empregada neste estudo foi exploratória, com a intenção de aprofundar o conhecimento sobre um determinado tema, como pano de fundo: um estudo de caso que, nada mais é do que um estudo aprofundado de um ou de poucos objetos. A pesquisa exploratória é aquela que objetiva proporcionar maior proximidade com o problema.“Pode-se definir pesquisa como o procedimento racional e sistemático que tem como objetivo proporcionar respostas aos problemas que são propostos.” (GIL, 2002, p. 17)

O universo desta pesquisa são todos os episódios do seriado Game of Thrones. Para amostra da análise foram coletados 4 quatro deles, extraídos da primeira temporada que, ao todo, é constituída por 10 episódios. Os escolhidos para a análise foram o primeiro, o sexto, o nono e o décimo: 1ºWinter Is Coming, 6ºA Golden Crown, 9ºBaelor e 10ºFire and Blood, todos produzidos no ano de 2011. Desses episódios foram selecionadas as cenas mais significativas, as quais foram descritas em forma de texto e, em seguida, analisadas. A justificativa para a escolha dos episódios, e da personagem, foi o pressuposto de que neles era evidenciado um contraste de cores que coincidiam com o contraste entre a caracterização de Daenerys Targaryen e a revelação de sua verdadeira personagem. Além disso, Daenerys é uma personagem de destaque na primeira temporada.

Game of Thrones teve sua inspiração na saga de livros Crônicas de Gelo e Fogo, do autor George R. R. Martin. A série conta a história da disputa entre famílias pelo domínio dos Sete Reinos, nação localizada no continente de Westeros. Na capital de Westeros, Porto Real, é onde se encontra o tão cobiçado Trono de Ferro, ocupado pelo Rei.

Para análise das cenas em que a personagem aparece foram utilizados os autores Comparato (1995), Field (2001), e Mckee (2006),  ao se tratar de narrativa, com a abordagem da personagem quanto à sua Caracterização e Verdadeira Personagem, o Incidente Incitante, o Objeto de Desejo, a Crise, o Clímax e a Resolução. Para a interpretação das cores rosa, azul, laranja, vermelho, verde e amarelo, os autores Pedrosa (2002), Bellantoni (2005) e Gage (2012) servirão de base. E sobre a questão da fotografia, Mascelli (1998) guiou a análise da composição quanto às linhas e formas.

Figura 1: 1º WINTER IS COMING

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Fonte: Fotogramas elaborados pela autora a partir do Blu-ray Game of Thrones: 1ª temporada.

A cena da primeira aparição de Daenerys, no primeiro episódio (Figura 1) retrata a personagem durante sua preparação para conhecer seu pretendente, Khal Drogo. Ela começa com um banho de água quente na banheira para a qual se encaminha. A cena, cuja tonalidade é predominantemente rosa, com toques de verde, azul e amarelo, transmite, primordialmente, a inocência e feminilidade da menina, impressas em sua caracterização (MCKEE, 2006). De acordo com Bellantoni (2005), o rosa costuma ser usado por meninas mais novas e pode fazer com que pareçam bobas. A feminilidade é reforçada pelas linhas levemente curvas que dão contorno ao seu corpo. Para Mascelli (1998), esse tipo de linha é suave e indica qualidades delicadas, como a feminilidade.

 A coloração verde pode ter conotações bastantes distintas, pois é vista nos vegetais frescos, mas também na carne podre (BELLANTONI, 2005). No caso citado (Figura 1), a cor aparece nas plantas e, nesse contexto, exprime vitalidade e saúde, próprias de sua idade. Enquanto nas colunas e nas pedras pode estar associada aos perigos que aguardam por ela.

O amarelo, nas colunas, nas paredes, nos vasos e na paisagem é como um sinal de atenção. Daenerys realiza movimentos lentos, o que pode ser reflexo de uma postura cautelosa, que demonstram a sua insegurança com relação ao modo como deve se portar nessa ocasião. Essa cor indica seu estado de alerta (BELLANTONI, 2005).

O azul, na banheira, nas colunas e no céu demonstra a tristeza e a impotência de Daenerys com relação ao seu iminente casamento, que pode ser classificado como o Incidente Incitante que começa a desequilibrar sua vida (MCKEE, 2006). Essa é uma cor que leva a pensar, não a agir, e evidencia a aparência introspectiva e impotente da personagem (BELLANTONI, 2005).

Figura 2: 1º WINTER IS COMING

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Fonte: Fotogramas elaborados pela autora a partir do Blu-ray Game of Thrones: 1ª temporada.

Ainda no primeiro episódio, durante a cerimônia de seu casamento (Figura 2), os tons de azul destacam-se na cena por meio do céu, do mar e do vestido de Daenerys. A cor indica a impotência da personagem (BELLANTONI, 2005), que se encontra diante de seu casamento, e Incidente Incitante (MCKEE, 2006), com o desconhecido Khal Drogo. Em contrapartida, os corpos dos selvagens estão pintados de azul e, nesse caso, conforme Gage (2012), a cor tem o mesmo sentido expresso no filme Ivan, O Terrível (1958) de Eisenstein, e representa heroísmo.

As linhas horizontais que marcam o mar, o céu e a terra sugerem serenidade econtrastam com os sentimentos inseguros e inquietos da jovem e com a celebração do seu casamento, que é marcado por violência e selvageria. Vale ressaltar que as linhas horizontais são também retas e destacam a força tão bem ilustrada pelos Dothraki, que dividem-se em clãs conhecidos como khalasar, e cada um deles possui um líder, denominado Khal.

Em suas mãos, Daenerys segura cuidadosamente um dos ovos de dragão, que representa seu Objeto de Desejo (MCKEE, 2006). O ovo em questão, assim como as plantas presentes na cena, possui coloração esverdeada.

A cor representa a vida que se prepara para surgir de dentro dos ovos, bem como o perigo que a vida pode trazer (BELLANTONI, 2005), especialmente no caso de dragões: criaturas fortes e poderosas. Tais qualidades estão impressas nas formas triangulares (MASCELLI, 1998) que encobrem os ovos. Essa forma também aparece, com evidência, nas bandeirolas e na manta que cobre sua égua.

O amarelo é agressivo e tende a tornar as pessoas mais estressadas e ansiosas, além de ser um sinal perfeito de obsessão. Na cena, a cor aparece no chão, nos muros, na pele e nos cabelos de algumas personagens, indica a energia do povo e também o estresse de Daenerys. Além disso, remete à obsessão, e pode estar ligada à obsessão de seu irmão pelo poder, e à dela própria, por voltar para casa. O único modo de fazer isso parece ser por meio da conquista do Trono – e do reino. (BELLANTONI, 2005).

Figura 3: 1º WINTER IS COMING

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Fonte: Fotogramas elaborados pela autora a partir do Blu-ray Game of Thrones: 1ª temporada.

O casamento é consumado a céu aberto (Figura 3), durante o primeiro episódio. Na cena, a caracterização da noiva expõe uma garota delicada, assustada, triste e impotente (MCKEE, 2006). Os tons de rosa, no céu, representam essa primeira característica.

A cor rosa é o vermelho tingido de azul e ajuda a criar um clima romântico, afinal, eles são agora um casal e, no futuro, estarão apaixonados um pelo outro. Os tons de laranja, também no céu, reforçam a qualidade romântica da cena. (BELLANTONI, 2005).

Sabe-se que o mar, o vestido e a pintura no corpo de Daenerys são azuis, no entanto, devido a iluminação e às cores próximas, esses elementos apresentam-se acinzentados. Chama-se esse fenômeno de cor aparente ou cor acidental (PEDROSA, 2002). Essa cor comunica a tristeza e impotência (BELLANTONI, 2005) da jovem, enquanto as linhas horizontais que delimitam o céu e o mar demonstram a velocidade com que a vida da personagem se modifica (MASCELLI, 1998).

Figura 4: 6º A GOLDEN CROWN

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Fonte: Fotogramas elaborados pela autora a partir do Blu-ray Game of Thrones: 1ª temporada.

Daenerys é agora uma Khaleesi, esposa do Khal, que é o chefe dos Dothraki, e, como tal, deve dar um filho a ele. Ela engravida e, no sexto episódio, durante um ritual Dothraki, come um coração de cavalo recém tirado do animal, para provar a sua força e acaba por revelar, aos poucos, sua verdadeira personagem: uma mulher forte.

Na cena (Figura 4), o coração sangra, vermelho, em suas mãos. O sangue escorre pelos seus braços, mistura-se com sua saliva e tinge seu rosto. A cor é a sua coragem visual e empresta-lhe poder e agressividade (BELLANTONI, 2005), dos quais precisa para concluir o ritual com sucesso. Os sulcos presentes no coração constituem formas circulares. Aos círculos falta a estabilidade (MASCELLI, 1998), e denunciam a dificuldade de Daenerys em engolir o coração. No entanto, suas mãos oferecem-no suporte e ela consegue concluir o ritual, para seu contentamento e de Khal, que fica orgulhoso.

Em contraste com o vermelho, cor quente, aparece o azul,considerado frio (GAGE, 2012). Ele está evidente na vestimenta e na pintura dos Dothraki. Esse azul, assim como na Figura 2, possui conotação com o heroísmo, dessa vez manifestado, principalmente, por Daenerys.

Figura 5: 9º BAELOR

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Fonte: Fotogramas elaborados pela autora a partir do Blu-ray Game of Thrones: 1ª temporada.

Khal Drogo é ferido durante uma batalha e uma complicação do ferimento o derruba de seu cavalo. Um Khal que não pode montar não é um Khal de verdade para o seu povo, conhecido como khalasar. A situação do personagem se agrava e, sem alternativas, Daenerys decide colocar sua vida nas mãos de uma escrava, que é vista por seu khalasar como uma maegi, ou bruxa. Para salvá-lo, durante o nono episódio da temporada, Khaleesi permite que a mulher faça magia de sangue e promete, em troca, a libertação, além de assegurar a ela que ninguém entrará na tenda enquanto a magia estiver sendo executada.

Na cena evidencia-se, mais uma vez, o sangue vermelho (Figura 5). A cor remete não somente ao sangue, mas também à dor, ao sofrimento e à cura (BELLANTONI, 2005). Essa cor não poderia ser mais apropriada para o momento, que é um momento de dor e sofrimentos profundos – do cavalo que é morto, de Drogo que padece e de Daenerys que sofre por ele – e também de busca pela cura.

Dentro da tenda, destacam-se linhas retas que se cruzam em uma sugestão de força. Essas linhas formam losangos que, quando divididos, apresentam-se como triângulos e enfatizam, mais uma vez, a força (MASCELLI, 1998). Essa característica é marcante no povo Dothraki e é dela que mais precisam nesse momento.

Devido à atitude de Daenerys, alguns integrantes de seu khalasar se revoltam contra ela. Um deles chega a agredi-la e, em seguida, seu filho ameaça nascer. Jorah Mormont interrompe o ritual de magia ao entrar na tenda com Daenerys, para que seu parto seja feito pela maegi, a única disposta e apta.

Figura 6: 10º FIRE AND BLOOD

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Fonte: Fotogramas elaborados pela autora a partir do Blu-ray Game of Thrones: 1ª temporada.

A Figura 6 ilustra duas cenas do último episódio, em que Daenerys acorda e descobre que perdeu o bebê e que seu marido encontra-se vivo, mas em grave estado. Mesmo fraca, decide ir ao encontro de seu amado e, ao vê-lo, percebe que toda a sua vida se foi, embora ainda respire. Com a vida de Drogo, também se foi grande parte de seu khalasar. Jorah Mormont, no entanto, é seu fiel amigo e protetor, e permanece ao seu lado.

 Os tons de azul, no céu e na roupa de Daenerys, expõem o seu sofrimento (BELLANTONI, 2005), somado ao sofrimento de Jorah, cujos sentimentos, embora discretos, parecem não ser correspondidos por sua Khaleesi. As linhas retas que demarcam céu e terra representam a força da qual Daenerys precisa para superar as dificuldades e, ainda, a força do cavaleiro Mormont, vestido em sua pesada armadura (MASCELLI, 1998).

 Na terra, os tons de amarelo são um sinal de atenção e cuidado. Na cena, (Figura 6) Mormont pede a ela que tenha cautela com a Maegi, além de oferecer-lhe atenção e cuidado diários. Na vegetação, a cor verde aparece e, embora aparente vida, é uma vida em decadência. Além disso, aponta também para o perigo que a figura da antagonista representa (COMPARATO, 1995). A coloração rosa da fotografia reforça a presença e importância feminina na cena em questão (BELLANTONI, 2005).

O estado de Drogo torna-se insuportável para Daenerys, que decide por acabar de vez com o sofrimento, sufocando-o com uma almofada.

Figura 7: 10º FIRE AND BLOOD

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Fonte: Fotogramas elaborados pela autora a partir do Blu-ray Game of Thrones: 1ª temporada.

No último episódio da temporada, Daenerys dirige-se à pira na qual o corpo de seu falecido esposo é queimado. O Incidente Incitante, provocado pelo assassinato de Drogo, é o que a motiva a tomar tal decisão, acarretando na solução da Crise. Lá também se encontra, aos gritos, a mulher que, segundo Daenerys, provocou a morte de Drogo. Além deles, há três ovos de dragão, adquiridos no dia de seu casamento e Objetos de Desejo da personagem, que enxerga neles um meio de reunir um exército imbatível (MCKEE, 2006).

O círculo de fogo demonstra a instabilidade emocional de Daenerys. As linhas afiadas das chamas sugerem a emoção do momento, enquanto as linhas verticais e paralelas das silhuetas ilustram a violência do ato (MASCELLI, 1998), bem como os tons de vermelho, que servem de motor para os atos da personagem (BELLANTONI, 2005). Essas silhuetas destacam-se do fundo, em que o fogo é enfatizado por meio do contraste (MASCELLI, 1998). As chamas, em tons de laranja e amarelo indicam a obsessão de Daenerys pelo seu desejo intuitivo de juntar-se às pessoas que estão sendo queimadas na pira (BELLANTONI, 2005). E é o que ela faz, ocasionando o Clímax. (MCKEE, 2006).

Essa cena mostra a Verdadeira Personagem, muito diferente da menina frágil e impotente retratada no primeiro episódio. Agora, Daenerys mostra-se uma mulher corajosa e determinada, ainda que, em sua Caracterização, esteja triste. (MCKEE, 2006).

Figura 8: 10º FIRE AND BLOOD

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Fonte: Fotogramas elaborados pela autora a partir do Blu-ray Game of Thrones: 1ª temporada.

Ao final do último episódio da temporada (Figura 8), ocorre a Resolução, em que se vê um khalasar reduzido, porém fiel (FIELD, 2001). A sobrevivência de Daenerys à agressividade do fogo e o consecutivo nascimento de três filhotes de dragão, que eclodem dos ovos, faz com que seu khalasar surpreenda-se e a reconheça de vez como sua verdadeira Khaleesi. O nascimento deles torna a conquista de um exército, seu atual Objeto de Desejo, mais próxima da realidade (MCKEE, 2006).

A cor vermelha, evidente no dragão apoiado sobre o seu ombro, demonstra o poder e a maturidade alcançados por Daenerys (BELLANTONI, 2005) e revela, mais uma vez, sua essência, sua Verdadeira Personagem (MCKEE, 2006). As linhas diagonais que convergem nas asas são enérgicas (MASCELLI, 1998), assim como a cor vermelha (BELLANTONI, 2005).

Os tons de azul e cinza possuem destaque secundário e indicam a impotência e a tristeza que começa a esvair-se da personagem. Os tons de verde, na paisagem, reforçam a vitalidade dos dragões, que é transmitida, aos poucos, para Daenerys (BELLANTONI, 2005).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As cores sempre exerceram certa influência na comunicação audiovisual. Seus significados são comumente absorvidos pelo espectador de forma inconsciente. A percepção e a utilização das cores é algo muito pessoal, que envolve a bagagem cultural de cada indivíduo. No seriado Game of Thrones, as cores misturam-se à narrativa e reforçam aspectos da história, conectam-se com os personagens e enfatizam e exteriorizam seus sentimentos.

No caso de Daenerys Targaryen, personagem escolhida para exemplificar a relação entre cor e narrativa no seriado, as cores estão relacionadas com o amadurecimento da personagem. Nos primeiros episódios ocorre a predominância dos tons de rosa e azul, que evidenciam sua Caracterização de menina inocente, frágil, impotente e, até mesmo, boba.

Nos episódios finais as cores azul e rosa permanecem, mas deixam de possuir a mesma relevância e significado. O rosa aparece como um lembrete de que, apesar da mulher forte e determinada que Daenerys se tornou, ela ainda é uma presença feminina, ainda possui delicadeza por debaixo das roupas de material grosseiro que passou a vestir, como uma armadura. Os tons de azul são sinal da tristeza que se apossa da personagem, devido às perdas e as dificuldades pelas quais passa, mas já não representam impotência, a menos que se refiram à impotência que se esvai. O azul também surge como representação de heroísmo, dessa vez associado à personagem e não somente ao seu khalasar.

Considera-se, ao final deste trabalho, a importância da cor no audiovisual no que diz respeito às interpretações e sensações desencadeadas por sua presença. A cor é capaz de comunicar tanto quanto a própria narrativa, pois se mistura a ela e atribui significados às cenas. Esses significados variam conforme o contexto. A cor verde, por exemplo, pode tanto representar saúde quanto perigo.

Como limitação do trabalho salienta-se a vastidão do universo Game of Thrones, cujo enredo apresenta muitos personagens, lugares, religiões e peculiaridades distintas e complexas. O estudo aprofundou-se em apenas uma de suas personagens, o que limitou o estudo das cores e da narrativa. Com relação ao material utilizado para consulta houve dificuldade em encontrar conteúdo na língua portuguesa. Além disso, o seriado surgiu recentemente e, por essa razão, há pouco conteúdo científico disponível.

Ao ter em vista as considerações finais, sugere-se a realização de outras pesquisas que envolvam a abordagem sobre cores e narrativas, desta vez relacionadas a outros personagens ou, até mesmo, a outras questões da narrativa, como os cenários. Propõe-se também o estudo da influência de uma única cor em toda a temporada.

REFERÊNCIAS

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BROWN, Blain. Cinematography: theory and practice: image making for cinematographers and directors. 2 ed. USA: Focal Press, 2012.

COMPARATO, Doc. Da criação ao roteiro. Ed. rev. e atualizada, com exercícios práticos. Rio de Janeiro: Rocco, 1995.

ECO, Umberto. Sobre os espelhos e outros ensaios. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.

FIELD, Syd. Manual do roteiro: os fundamentos do texto cinematográfico. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

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GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002.

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MASCELLI, Joseph V. The five C’s of cinematography: motion picture filming techniques. Los Angeles: Silman-James Press, 1998.

MCKEE, Robert. Story: substância, estrutura, estilo e os princípios da escrita de roteiros. Curitiba: Arte & Letra, 2006.

MOREIRA, Lílian Fontes. A narrativa seriada televisiva: O seriado Mandrake produzido para a TV a cabo HBO, 2007.

PEDROSA, Israel. Da cor à cor inexistente. 8 ed. Rio de Janeiro: Léo Christiano Editorial Ltda., 2002.

STARLING, Cássio. Em tempo real: Lost, 24 Horas, Sex and the City e o impacto das novas séries de TV. São Paulo: Alameda, 2006.

* Monique Burigo Marin é Graduanda em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda (UNIVALI).

**Rafael Jose Bona é Doutorando em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP)  – Linha de Pesquisa: Estudos de Cinema e Audiovisual. Professor da FURB (Universidade Regional de Blumenau) e da UNIVALI (Universidade do Vale do Itajaí). Atua em projetos de pesquisa na área de Comunicação Audiovisual.

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