Sergio Bicudo é Professor Doutor de Hipermídia da PUC-SP
Este post complementa minha entrevista ao programa Vitrine de 9/5/2008. Em breve no youtube.
Primeiro não é “BLUE”. O “BLU” perdeu o “E” por questões legais.
O Blu-Ray se refere ao laser azul, de menor espessura que o atual vermelho, que possibilita ler e gravar mais dados nos novos DVDs.
A nova mídia proporciona a acesso aos chamados vídeos de alta definição. Contudo, por mais paradoxal que possa parecer, nem sempre mais informação significa mais qualidade.
Vivemos numa era de excessos e todos nós já experienciamos a Ansiedade da Informação (WURMAN).
O tempo todo estamos descartando e selecionando informações. Sem essa capacidade seria impossível processar tudo o que captamos, somado ainda ao que relembramos. Borges, o cego visionário, nos conta a paralisisa de ‘Funes, o memorioso’.
No processo de comunicação selecionamos o que nos faz sentido, o que encaixa no nosso repertório pregresso. É fundamental, portanto, que o comunicador entenda como se processa a compreensão de seu interlocutor ou espectador, o que se traduz no domínio da linguagem audiovisual. O que se muda com a alta definição?
Primeiro, todos os superlativos alta, mega, hiper, ultra, larga etc estão circunscritos a um tempo e espaço. Ou seja, o que hoje é alto, o é em relação ao passado e ao meio. A alta definição Blu-Ray e da TV Digital é menor do que a do cinema analógico.
Segundo, a visão é apenas a porta de entrada para uma intrincada teia de processos mentais. Os cineastas nos ajudam a entender que a imaginação é muito mais poderosa que qualquer imagem. Spielberg trocou a visão do ‘Tubarão’ por música + imaginação.
Fernando Meirelles disse que se em 5 minutos não esquecemos da definição e embarcarmos no enredo, na identificação com os personagens, alguma coisa está errada. A escassez, a baixa definição exige adequação de linguagem e contar com o uso da imaginação. A Literatura, o Rádio e o Teatro são experts nessa operação. Sugestionamentos geram imagens. Poucos dados, nos lugares certos, encadeiam narrativas. Hitchcock tinha absoluto controle da linguagem e do público. Na sua obra-ensaio ‘Janela Indiscreta’ metaforiza os limites do espectador.
O cinema já domina a linguagem da alta definição (HD). A maioria dos conteúdos para DVDs em HD virá do cinema e, conseqüentemente, apresentando cuidados com enquadramento, profundidade de campo, cenários, maquiagem, figurinos e iluminação. Ou, a parcela visual do que Eisenstein chamava de ‘Montagem Vertical’. Existem, no entanto, diferenças no tamanho das telas e na atenção do ambiente.
Dois gêneros porém podem se beneficiar da HD no que eu chamo de ‘Assistência Interativa’: os documentários da natureza e eventos esportivos. Nestes, o espectador pode escolher o seu foco. Ou o que eu chamo de ‘Zoom Cognitivo’, imergir em determinada parte selecionada de um todo.
No caso da TV Digital ainda vejo um longo caminho a trilhar. A linguagem televisiva é caracterizada pela rapidez, pelo imediatismo. Então os planos são curtos, fechados, pouco ensaiados, os cenários são fake … ou seja, a imagem ruim é constitutiva. Nesse caso mais informação torna-se ruído. A HD revela as sujeiras dos estúdios, as gambiarras do cenário, as rugas das atrizes.
Em outras palavras, muita realidade rompe os efeitos imersivos.
Falta ainda falar que o maior inimigo do mercado dos DVDs é a Internet são os piratas. Os upgrades tecnológicos também servem para manter o usuário preso aos sistemas proprietários. Por isso a falta de padrões de bateria e plugues nos celulares. Você tem que comprar um novo !
Por isso a guerra entre padrões proprietários visando o controle do mercado.
Aconteceu na TV Digital e no DVD de Alta-Definição [HD]. Neste último concorreram duas propostas: o BluRay e o HD-DVD. O primeiro foi desenvolvido por um consórcio de empresas que incluem a Sony, Fox, Apple, HP, Panasonic, Hitachi, Philips, Samsung e LG entre outros [ou seja, quase todo mundo].
O HD-DVD por Toshiba, Warner, Universal com apoios de Intel, Microsoft.
A Sony, escaldada pelo fracasso dos vídeos betamax, que sumiram por ter menos oferta de títulos que os VHS, desta vez apostou no sucesso do Playstation para lastrear o BluRay. Some-se ainda a maior capacidade de dados [50 GB contra 30 do HD-DVD], algumas inovações tecnológicas como a proteção a riscos [quanto maior a densidade de informações, maior possibilidade de perdas..] e o entendimento do mercado de que não há espaço para dois padrões, acabou por sinalizar com o abandono da tecnologia HD-DVD em favor do BluRay, o novo padrão de fato.
Quanto mais padrões abertos, mais livre fluirá o conhecimento. Isso em P2Ps, torrents, piratebays, ou seja, sem o controle das grandes ‘majors’ da Mídia.
E num ambiente de Convergência das Mídias, onde tudo vira bits e pode ser comunicado em qualquer dispositivo digital, não é possível represar idéias. Se a TV Digital não anda, o fluxo migra pra Celular, Ipod, Web etctera. Antes do BluRay sentar nos louros da vitória, A China já anunciou um novo padrão.
Por que essa disputa incessante? Mercado, royalties, controle…
O desafio é a sustentabilidade dos modelos de negócio.
Conseguiremos manter o “pagar para ter propriedade” ?
Não é mais razoável, e ecológico, pagar para ter um link possível, ou acessibilidade ?
Então começam a aparecer os ‘donationware’, a fidelização de usuários com clube de vantagens,
além dos consolidados[?] modelos de patrocínio, publicidade e payperview …
É o surgimento de uma nova economia baseada nos fluxos em rede ..
Mais info no meu doutorado:
http://tv.pucsp.br/colab/2007/12/12/ecologia-do-conhecimento-e-convergencia-digital/