Mônica Cristine Fort é jornalista (UFPR) e administradora de empresas (FAE-PR); especialista em Planejamento e Qualidade em Comunicação Social (PUCPR), mestre em Educação (PUCPR) e doutora em Engenharia da Produção com pesquisa na área de concentração de Mídia e Conhecimento (UFSC). Diretora e professora do Curso de Comunicação Social – Jornalismo, da PUCPR. Autora do livro Televisão Educativa: a responsabilidade pública e as preferências do espectador (Annablume, 2005).
A relação entre sujeito e mídia é tão intensa que mesmo sem querer o indivíduo obrigatoriamente recebe grande quantidade de informação todos os dias. Só de mensagens publicitárias são cerca de 3000 ao dia, segundo relatório da empresa McKinsey. Naturalmente, o cérebro humano não processa toda essa informação visual, verbal, sonora e até mesmo aromática e tátil. No entanto, principalmente graças a imagens em movimento e sons correspondentes a ações captadas, conseguimos armazenar parte dessas informações. Na busca pela audiência, os meios de comunicação acabam priorizando conteúdos que agradem ao público. É a sobreposição de informação e entretenimento. Aliás, a fronteira entre esses dois domínios nunca foi muito nítida, mas o problema é quando o espectador, por exemplo, não consegue identificar os domínios – o da informação exata e útil e o da diversão saudável (BERTRAND, 1999).
É natural que conteúdos audiovisuais chamem a atenção, bem como a busca pela audiência é lícita, pois produzir uma obra audiovisual e não ter espectadores para admirá-la, conhecê-la, não faz sentido. Mas algumas técnicas parecem ser utilizadas apenas para levar ao convencimento. Seriam os argumentos típicos de comunicação persuasiva, a chamada Função Aida, sigla composta pelas letras A de atenção, I de interesse, D de desejo e A de ação. São as etapas da comunicação persuasiva que visa: chamar a atenção, provocar o interesse, despertar o desejo para levar à ação. No entanto, o processo possui barreiras e, por isso, são desenvolvidas estratégias para superá-las.
Para chamar a atenção de um público indiferente, a comunicação persuasiva emprega a sensação, os sentidos. Normalmente, estímulos audiovisuais. A visão e a audição são atraídas por imagens e sons que tiram o sujeito da indiferença e fazem com que ele tenha sua atenção voltada ao apelo sensorial. No entanto, somente esta etapa não é suficiente para o êxito da linguagem de convencimento. Atraída a atenção, é a vez de provocar o interesse. E como fazer isso com um público desinteressado? Para romper essa barreira, emprega-se a emoção. Entende-se, então, porque há tantos bichinhos, bebezinhos e velhinhos em comerciais de televisão. É uma maneira de causar empatia e, assim, conquistar o interesse de um sujeito. Uma vez atraído e interessado, falta-lhe ter a vontade, o desejo, a necessidade. Mas é nesse ponto que está uma das barreiras mais difíceis de ser vencida: a incredulidade, a resistência em aceitar o apelo comercial. Então, emprega-se a lógica – tanto a objetiva (uma característica técnica do produto, por exemplo) quanto a subjetiva (aquela que trabalha com a projeção). É o momento do argumento mais forte, geralmente com um apelo sedutor (SAMPAIO, 1999). Quando eficaz, a mensagem persuasiva faz com que o receptor desse processo comunicacional tome uma atitude: compre um produto, vote em determinado candidato, pense e reflita a respeito de determinado conteúdo.
Em um ambiente de tanta concorrência pela atenção e consumo informacional por parte do telespectador, é claro que surge a irresistível tentação pelo show, pelo erótico, pelo fácil. A informação se torna mera quantidade, mercadoria que precisa ser “desovada”, como produtos em uma gôndola de supermercado. Tamanho bombardeamento pode se traduzir em indivíduos passivos, incapazes de leituras críticas da realidade. Saem, então, em busca de outras formas de entretenimento. Muita informação rala é igual a nenhuma informação. A busca incansável pela audiência e a sobrecarga de informações passam a ser não mais a solução, mas o prenúncio de um declínio das mídias tradicionais, com destacado impacto sobre a TV, especialmente entre os mais jovens. O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação apresentou em dezembro de 2009, texto informando que as novas mídias estão levando a audiência da TV aberta para baixo (FNDC, 2009).
A televisão parece não estar formando novos telespectadores. O relatório McKinsey indica que adolescentes ficam em frente à TV menos da metade do tempo que adultos. Também traz a informação que pessoas entre 18 e 26 anos passam mais tempo online do que assistindo a TV. “A McKinsey, respeitada empresa americana de consultoria, divulgou para alguns de seus clientes mais um estudo sobre a decadência da mídia de massa nos EUA. A pesquisa prevê que a publicidade em TV terá em 2010 apenas 1/3 da eficácia que tinha em 1990. O motivo é simples – mídias demais, telespectadores com tempo de menos” (MARINHO, 2006).
Os veículos de comunicação social que dependem de anunciantes e, portanto, de audiência (ou tiragem) estão migrando para a internet ou dando ênfase a suas versões online. “Pelo menos 120 jornais fecharam as portas nos Estados Unidos, desde janeiro de 2008, de acordo com o Paper Cuts, site especializado na avaliação da indústria jornalística. Mais de 21 mil empregos em 67 jornais deixaram de existir nesse período, ainda de acordo com o site”. (FNDC, boletim eletrônico, 10/05/2009). Apesar da queda da tiragem de jornais impressos, “a audiência dos sites dos dez principais diários americanos aumentou 16% em dezembro (2008), segundo levantamento do instituto de pesquisa Nielsen” (MARANHÃO, 11 fev 2009). Não há como negar que a internet, hoje, seja uma das maneiras mais utilizada para a aquisição de informação e entretenimento. Tanto, que a venda de publicidade para web no Reino Unido, no primeiro semestre de 2009, ultrapassou pela primeira vez a da televisão. A informação nos indica que a web começa a ser encarada como mídia de massa.
O crescimento na comercialização publicitária para a rede mundial de computadores foi de 4,6% no período, alcançando 1,75 bilhão de libras (2,78 bilhões de dólares), o que representou uma participação de 23,5% no faturamento publicitário inglês. A publicidade em TV caiu 16,1%, para 1,64 bilhão de libras. O meio ocupa, agora, o segundo lugar em participação no mercado, com 21,9%, na comparação com o ano passado. (MESQUITA, 2009).
Episódios de seriados televisivos têm sido disponibilizados na internet para que fãs possam assisti-los antes mesmo de irem ao ar. Em outros casos, produtores e roteiristas criam espaços virtuais para que, a partir das opiniões dos participantes, possam dar continuidade à história. Trata-se de uma nova forma de assistir à televisão. Internet killed the vídeo star é uma animação audiovisual criada, produzida e dirigida por Mark Cohn e Ken Martin e que está disponível no Youtube (www.youtube.com). Trata-se de uma paródia da música Video Killed The Radio Star, da banda inglesa The Buggles. A produção retrata a atual relação sujeito(jovem)-mídia. A animação apresenta a constatação de que, se nos anos 80 a música mostrava que a televisão (o vídeo) havia provocado nos espectadores o abandono dos astros do rádio, agora, as pessoas aposentam a televisão para se dedicarem aos prazeres da rede mundial de computadores e da tecnologia que pode representar desde a interatividade até a realidade virtual, ou seja: “a internet matou o astro do vídeo” (http://www.youtube.com/watch?v=vCN2vJ-0E7A, apud FORT, 2009).
Ainda que considerado fraude (TADEU, 2009), o caso da escocesa Susan Boyle que se apresentou em 11 de abril de 2009 no programa de calouros Britain’s Got Talent, um reality show inglês que visa revelar talentos musicais, serve de exemplo. Por meio do Youtube, em menos de duas semanas, a cantora aparentemente desleixada que surpreendeu os jurados ao cantar I Dreamed a Dream, do musical Les Miserables se tornou conhecida mundialmente, tendo sido tema de reportagens em veículos de comunicação no mundo todo (LEITE, 2009). Segundo o jornal eletrônico Folha Online, “o vídeo da apresentação de Boyle foi visto mais de 100 milhões de vezes no Youtube, segundo calcula a edição eletrônica do jornal ‘The Sun’.” (VIDA de Susan Boyle vai virar filme, diz jornal, 22 abr 2009). “Como comparação, o discurso do presidente Barack Obama depois de sua vitória nas urnas em novembro de 2008 foi visto na rede 18,5 milhões de vezes. ‘A internet nunca viu algo como Susan Boyle, cuja popularidade na rede vai direto para os livros de história’, escreveu o jornal ‘Washington Post'”. (CANTORA que ganhou fama no Youtube recebe convite para filme ‘adulto’, 22 abr 2009). Destaca-se também que um dos fatores do sucesso de Boyle na internet foi a troca de mensagens pelo Twitter entre o casal de atores Demi Moore e Ashton Kutcher, após assistirem a exibição do programa.
As mudanças, provocadas pelo desenvolvimento tecnológico, nos causam surpresas devido à velocidade com que ocorrem. Em 2004, quando defendemos a tese de doutorado, apresentamos as considerações finais de uma pesquisa que tinha como objetivo identificar as expectativas do potencial espectador de televisão educativa por meio da aplicação dos métodos quantitativo (questionários com 440 respondentes) e qualitativo (quatro grupos de discussão, também chamados de grupos focais). Alguns dos resultados obtidos foram:
…70% dos espectadores dependem de televisões abertas (não têm acesso a TVs por assinatura); 78% afirmam assistir mais à Rede Globo; o tempo dedicado a assistir a televisão varia entre 2 horas (por 62% dos espectadores) e 5 horas (por 30%) por dia; a maioria diz assistir a noticiários (43%), filmes (20%) e novelas (16%). No levantamento de dados por meio de questionários, os respondentes também pareceram compreender que a televisão educativa não pode ter o mesmo perfil das televisões comerciais, afinal, indicaram que novelas, seriados e reality shows não devem ocupar espaço nessa programação. Mas nos grupos de discussão a teledramaturgia figurou entre os modelos que devem ser considerados em televisão educativa (quer como novelas, minisséries ou seriados). (FORT, 2005, p. 142)
Observou-se, na ocasião, que no livro Cultura das Mídias, a autora Lúcia Santaella afirmava que a televisão é uma grande vítima de um bombardeio crítico que se dirige ao tipo de programa que ela oferece. Santaella também destacava que “[…] a TV se caracteriza como uma mídia das mídias, isto é, tem um caráter antropofágico. Ela absorve e devora todas as outras mídias e formas de cultura, desde as mais artesanais, folclóricas e prosaicas, até as formas mais eruditas”. (SANTAELLA, 1996, p. 42). A internet já supera a característica que faz com que a televisão chame a atenção, provoque o interesse e desperte o desejo que leva à ação por meio de sensações, emoções e lógica
Ignácio Ramonet menciona no livro Propagandas silenciosas – massas, televisão, cinema, que os sociólogos eram da opinião que “a televisão tem três funções: informar, educar e distrair” (RAMONET, 2002, p. 18). E é justamente na última função, distrair, que chama a atenção e torna-se objeto de pesquisas. Porque a distração pode “tornar-se alienação, cretinização, embrutecimento e levar à descerebração coletiva, à domesticação das almas, ao condicionamento das massas e à manipulação dos espíritos”. (RAMONET, 2002, p. 18). Não é difícil perceber que o telespectador brasileiro se interessa (ou foi condicionado) muito mais por um programa de auditório, um show de talentos bizarro ou mesmo um banal programa de fofocas do que um programa de música erudita ou uma teleaula de física. Em verdade, as próprias funções informar e educar vêm sendo diluídas pela recorrente desculpa do sistema televisivo: a escassez de tempo, o valor de cada segundo, os custos do sinal do satélite… A informação e a educação verdadeiras estão submetidas ao ritmo frenético de uma sobrecarga de acontecimentos “noticiáveis” e, adicione-se aí, o senso comum da falta de tempo do cidadão contemporâneo. Temos uma equação que conduz ao predomínio da terceira função: distrair. Distrair de forma fluida, superficial, fútil. Ramonet apresenta a preocupação com a presença da Internet no processo comunicacional de informar, educar e distrair. Para ele, o risco é das três principais funções dessa nova mídia cibernética se tornar: vigiar, anunciar e vender. Vigiar, porque o internauta “desenha seu auto-retrato em termos de centros de interesse (culturais, ideológicos, lúdicos, de consumo…). E uma vez estabelecido este retrato, não haverá mais nenhum segredo para os webmasters da Internet que saberão do que ele gosta […] E poderão manipulá-lo à vontade”. Anunciar porque “a economia da Internet é essencialmente de natureza publicitária”. E vender, porque “é este o objetivo principal da mídia Internet”. (RAMONET, 2002, p. 18).
A televisão como mídia cada vez mais se funde ao mundo da web. A realidade da TV digital já é visível e o modelo deverá estar totalmente efetivado em poucos anos. Se por um lado, essa nova realidade aponta para a interatividade, ou seja, o receptor ativo e participante do processo comunicacional, por outro reforça as funções de “vigiar, anunciar, vender”. A preocupação central de Ramonet e de outros pesquisadores em Comunicação é possibilidade a substituição dos três poderes clássicos: executivo, legislativo e judiciário, pelos poderes econômico e midiático que, unidos e interdependentes, conduzem ao terceiro poder: político. Espectador e internauta não podem deixar isso acontecer. É necessário resgatar as funções informar, educar e distrair. Lutar por uma televisão de melhor qualidade.
É de qualidade uma televisão que desenvolve o que caracteriza sua própria capacidade como meio de comunicação, isto é a de captar a vida, suas rotinas e surpresas, […] ao mesmo tempo em que expressa uma estética própria mediante a permanente experimentação de suas linguagens e expressividade. (MARTIN-BARBERO, REY, RINCÓN, 2000, p. 51).
A televisão não conseguirá mais audiência se insistir na programação espetáculo. Precisará deixar claros os domínios da informação, do entretenimento e da educação. A concorrência, agora, não é mais entre as emissoras e suas programações, mas sim com as outras opções que tem o espectador. A trajetória da televisão mostra que o veículo sabe se reinventar. Mas para o sucesso de um modelo que ainda está por vir é fundamental a participação da sociedade exigindo conteúdo.
Referências:
BERTRAND, Claude-Jean. A deontologia das mídias. Bauru, SP: Edusc, 1999.
CANTORA que ganhou fama no Youtube recebe convite para filme “adulto”. FOLHA ONLINE. www.folha.com.br. 22 abr 2009. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u554547.shtml>.
FNDC. Magnata da mídia defende cobrança de conteúdo on-line. Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação. Boletim eletrônico, 10 maio 2009. Disponível em: <http://www.fndc.org.br/internas.php?p=noticias&cont_key=375340>.
FORT, Mônica C. Televisão Educativa – responsabilidade pública e as preferências do espectador. São Paulo: Annablume, 2005.
FORT, Mônica C. Televisão Educativa: a audiência como fator de construção de uma identidade pedagógico-cultural. Tese de doutorado em Engenharia da Produção. Florianópolis: 2004. Disponível em: http://www.tede.ufsc.br/teses/PEPS4253.pdf.
FORT, Mônica C. A relação sujeito-mídia frente aos avanços tecnológicos. Artigo apresentado no II Seminário Internacional sobre Cultura, Imaginário e Memória da América Latina. Curitiba: UFPR, 14, 15 e 16/10/2009.
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MARCONDES FILHO, Ciro (org.). Dicionário da Comunicação. São Paulo: Paulus, 2009.
MARINHO, Luiz Roberto. Repensando o papel da TV aberta no mix. 21 ago 2006. Disponível em: <http://servidor.bluebus.com.br/show/1/71383/marinho_repensando_o_papel_da_tv_aberta_no_mix>.
MARTIN-BARBERO, Jesús; REY, Germán; RINCÓN, Omar. Televisión Pública, cultural, de calidad. Revista GACETA #47. Bogotá (Colombia): Ministério de Cultura. Diciembre, 2000, pp. 50-61.
MESQUITA, José. Disponível em: <http://mesquita.blog.br/internet-ultrapassa-tv-em-faturamento-publicitario-na-inglaterra>.
MIX, Miguel Rojas. El imaginário: civilización y cultura Del siglo XXI. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2006.
OROZCO GÓMEZ, Guillermo. Televisión, audiencias y educación. Buenos Aires (Argentina): Grupo Editorial Norma, 2001.
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SAMPAIO, Rafael. Propaganda de A a Z. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
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TADEU, Régis. Uma grande farsa chamada Susan Boyle. Yahoo! Notícias. 07 dez 2009. Disponível em : http://br.noticias.yahoo.com/s/07122009/48/entretenimento-grande-farsa-chamada-susan-boyle.html.
VIDA de Susan Boyle vai virar filme, diz jornal. FOLHA ONLINE. www.folha.com.br. 22 abr 2009. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u554547.shtml>.
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