entrevista com Hilton Lacerda

No último mês de Abril aconteceu a 14º SeIS – Semana de Imagem e Som.No evento organizado por estudantes do curso que lhe dá nome, um dos convidados fora o roteirista e diretor Hilton Lacerda. Em entrevista para a RUA, Hilton, abordou questões que permeiam suas obras, bem como a intersecção que estas estabelecem com a história do país.

Por Lidiane Volpi e Luan Reis**

 

RUA: Como é fazer cinema no Brasil em 2014?

Hilton Lacerda: O primeiro filme grande que eu participei, de fato, foi o longa metragem Baile Perfumado, lançado em 1997 e filmado em 1995. Eu me dei ao luxo de ter trabalhado com tv, tvs educativas, de conteúdo educativo, nunca trabalhei com publicidade – nada contra a área. Acompanhar esse processo de mudança foi bem doloroso. A experiência do Baile foi incrível, mas naquele momento se tinha muito poucas possibilidades de captação de recursos, de leis de incentivo que, neste passar do tempo, até 2014, se modificou bastante. Se modificou bastante mas, mesmo assim, parece que tem um momento em que se perdeu, é uma palavra meio ridícula, romantismo em relação a fazer as coisas. A gente ainda tem uma sorte – eu moro em São Paulo, mas a maioria de meus filmes são rodados em Pernambuco ­­ – de ter um edital muito específico lá no estado que foi conquistado pelas pessoas que fazem cinema. É super intereressante esse edital, onde eles dão um aporte inicial quando você é contemplado no qual se ganha quinhentos mil reais. Quando você começa a captar dinheiro com essa quantia já estabelecida e tendo a liberdade completa para fazer o que se quer, já te deixa lá na dianteira. Então esse pouco de romantismo a gente guardou. De certa forma se tem uma facilidade maior nesse tempo, acho que hoje no Brasil se chegou a um ponto em que há a possibilidade de fazer cinema, mas também tem a questão das grandes produtoras que tomam os editais o tempo inteiro, elas correm na mesma raia que você e faz com que você seja atropelado muito facilmente. Questionam acerca de quantas pessoas você coloca em uma sala de cinema, não pode dizer que coloca quatro milhões porque é mentira, já que não se tem nem sala. Você é sempre atropelado, então é algo que eu sempre me pego pensando: está bom vislumbrando as possibilidades que possuíamos anos atrás, mas também sinto que o cinema está sendo absorvido por mega corporações, ou seja, você fica brigando pelo mesmo direito e pela mesma janela com gigantes da área.

RUA: Muito se fala e se estuda desse sopro criativo que vem lá de Recife, do nordeste, e você como alguém que está dentro desse movimento, consegue vislumbrar isso? Qual fator você acha que é o responsável por essa geração de cineastas e filmes bem sucedidos?

Hilton: Me perguntam bastante isso, acho que é a somatória de várias coisas, tem a ver com essa ideia de se ter liberdade de acesso, mas isso foi uma conquista, esse edital é muito recente em relação ao que a gente vem fazendo. Eu acho que, por outro lado, se tem uma educação muito eficiente, no sentido  que essa geração de onde eu venho foi feita por pesquisa, por olho, discussões e isso deu um certo frescor ao cinema pernambucano. Talvez a gente tenha descoberto uma forma de produção que seja diferenciada, antes se considerava o tamanho do projeto que você estava realizando, o Amarelo Manga, por exemplo, foi um projeto de baixo orçamento, mas um filme que tem Walter Carvalho como fotógrafo, aquele elenco, nunca seria um filme de baixo orçamento, a questão é que as pessoas não ganharam pelo que estava sendo feito, porque se conseguia dentro da estrutura de produção convencer as pessoas a trabalharem em cima daquela ideia. Então eu acho que isso é bem importante. A produção é uma das principais responsáveis por ter dado dinâmica e caráter ao que se é realizado em Pernambuco. De restante, eu acho que é bem eficiente desde o início, desde o Baile pra cá, isso tomou uma proporção grande vislumbrando o número de produções que foram feitas de documentário e ficção. Isso é perceptível quando se pega um filme como O Som ao Redor e o barulho que ele causa no Brasil, fica claro que de uns cinco anos pra cá a gente saiu de um clube que era super respeitado, mas era um clube do visível crítico. O Baile Perfumado foi um filme de bastante sucesso, Amarelo Manga também, por incrível que pareça, O Som ao Redor teve menos público que o Baile Perfumado, mas o impacto que foi causado nesse momento em torno das janelas que a gente não tem foi muito maior. Você não consegue exibir filmes e quando consegue um público de cem mil é um espetáculo. Você atropela a máquina que não te deixa tocar a coisa.

RUA: Voltando os olhos para o Tatuagem, ele é um filme que possui um viés histórico, como foi a concepção e o método de pesquisa para se chegar ao filme em si?

Hilton: Foi uma coisa bem engraçada, é uma coisa que eu sempre comento que o filme começa por um conceito: um monte de coisas que se quer falar em um filme e você vai procurando meios pelos quais dar força a isso, algumas coisas que me preocupam, algumas convicções, coisas internas, até de posições políticas que você tem, que te levam a agir frente as coisas. Quando eu comecei a imaginar o Tatuagem levei em consideração um tanto de coisas que me preocupavam, principalmente essa possibilidade de janelas que se abriam, possibilidades de futuro do assunto no Brasil, onde talvez as janelas estejam mais cerradas. O Brasil é um país que vai dar certo várias vezes ao longo de sua história, ele cresce e se retrai. Em 1978 tinha isso e quando eu pensei o Tatuagem também. Tem um personagem no filme, que é o personagem de Tuca filho de Clécio com Deusa e ele tem 13 anos, era essa a minha idade em 1978 e foi a idade que eu comecei meio na arrogância juvenil a sair, fazer coisas, ir de São Paulo a Recife, ficar aprontando. Aos 16 anos eu já morava sozinho, tive uma atitude bem radical nesse sentido. Então pra mim o ano de 1978 era bem importante porque havia uma janela de possibilidades naquela época que eu conseguia transpor para o momento de concepção do filme. No momento de concepção da ideia as coisas deram uma marcha ré, se estabeleceu uma determinada moral, uma coisa que eu acho esquisita, não é que o mundo de hoje encaretou, pelo contrário, avançou bastante, mas por conta destes avanços a resistência também foi muito grande. Talvez esse seja o preço que se tenha de pagar por ter conquistado determinado espaço – ninguém liga para você se você não existe, se você não ocupa espaço, como o movimento negro, nos anos 1970 as pessoas que não se declaravam racistas quando viam um negro assumindo uma posição de poder ficavam indignadas achando que já estavam tomando espaço demais. Se vê que tem uma prática de coisas entranhadas alí que só vem a público quando há a ocupação dos espaços. Você, enquanto sociedade, sofre muito. E eu estou falando isso enquanto homossexual, nordestino. Quando eu vim morar em São Paulo ainda criança, em Bauru, primeiro não fui aceito na escola porque queriam baixar dois anos de estudos pelo fato de que eu era nordestino e julgavam que eu era mais atrasado que os outros, mas minha família bateu o pé, tinha a possibilidade de estudar em colégio de padre mas eles não gostavam dessa ideia, fui para uma escola particular para então partir para a pública. Quando eu vim morar em São Paulo as pessoas negavam a sua existência, mas então quando se provava que você existia, começavam a ficar com raiva de você de outra forma, porque você estava nos locais, você conhecia, você falava sobre os assuntos que lhe eram caros e não era mais o estereótipo do nordestino que veio de longe e passava fome. Sua inquietude irritava as pessoas. Era diferente e essas coisas repercutem de várias formas, ou por necessidade, quando você ocupa o espaço de alguém, a exemplo da Europa que sempre usou mão de obra de imigrantes ilegais em tempos de prosperidade, mas quando a crise aperta eles querem jogar a culpa naqueles que fazem aquilo que não se prestavam a fazer antes, querem colocar todo mundo pra fora. É um pouco do que se tem de passar, não que eu ache que isso seja necessário, só é comprovável que há. Talvez tenha um pouco disso e minha posição frente ao Tatuagem tenha sido um pouco essa, de resgatar algo vivido e que isso fosse colocado como possibilidade de reflexão, não cabe ao cinema dizer a verdade, mas coube ao filme causar o impacto suficiente, não era fechar as janelas, muito pelo contrário, eu queria que o filme causasse impacto nas pessoas que não necessariamente fazem parte daquele universo. Queria sim que as pessoas que passaram por aquela situação se identificassem e sentissem felizes com o filme, mas queria atingir outro público, que foi bem interessante de certa forma .

RUA: Ainda falando um pouco do Tatuagem, você em outras entrevistas e o próprio Irandhir Santos disse que você havia escrito o personagem central pensando nele para o papel, ainda na época do Febre do Rato e gostaríamos de saber o motivo dessa escolha?

Hilton: Eu não escrevi o papel pra Irandhir, escrevi pensando em Irandhir, o personagem sempre foi Irandhir pra mim. Mostrei o roteiro pra ele e disse exatamente isso. Acho que quando se trabalha com Irandhir você se depara com um personagem muito raro, uma pessoa que tem uma entrega muito grande, é uma pessoa que se dedica completamente ao que está fazendo, de um talento absurdo, domina a técnica mas sempre com a emoção lá em cima, compreende muito rapidamente qual é a ideia de um filme e, além de tudo, um companheiro absurdo. Assim, tinha um pouco de paixão pela atuação dele, ele tem a postura física que interessa, tem uma coisa que se configura bem nele, ele não foi bem desenhado, é possível desenhá-lo o tempo inteiro e isso me interessa muito em atores .Eu tive sorte de trabalhar com atores incríveis, mas no caso de Tatuagem especificamente eu decidi o que eu queria e eu fiquei muito feliz quando ele disse sim. Tanto que quando ele recebeu o roteiro, foi para Recife no dia seguinte dizendo que precisava conversar comigo e eu pensei que ele diria que não iria fazer, essas coisas para qual você já fica meio preparado. Aí ele veio e disse que já tinha desmarcado tudo para se entregar ao personagem.

RUA: Você tem uma extensa obra como roteirista, mas o que fez você querer dirigir Tatuagem e saber se você vai continuar nesse ramo, tal qual o da escrita?

Hilton: Foi meu primeiro longa metragem ficcional, mas curta eu já dirigi cindo, já fiz várias coisas voltadas para a televisão principalmente, já tinha feito Cartola junto com Lírio Ferreira, mas sempre estive no set marcando presença, em todos os filmes de Cláudio,lidando diretamente com os atores, conversando, às vezes eu sou muito ciumento com o meu roteiro, no que tange a parte de ambiência e intenção.Essa ideia de estar no set, inclusive tem vários roteirista que não gostam disso, é bem importante. Então essa ideia de filmar o que você quer sempre foi um projeto meu, Tatuagem foi esse meu projeto, algo que eu já tinha imaginado como eu queria aquela realização. Tem outros projetos que eu pretendo fazer ainda, o problema é que roteiro me ocupa muito tempo, cansa muito, eu já estou no décimo quinto roteiro e dá um cansaço quando se olha .

RUA: E essa parceria com o Cláudio Assis, como se dá, já que ela é extensa?

Hilton: Conheço Cláudio Há muito tempo, pra mim há o Cláudio pessoa pública e o Cláudio pessoa privada. A gente se dá super bem, ele não ordena muito bem o que ele quer e, de certa forma, eu fico ordenando as loucuras de Cláudio e eu gosto do ambiente, do respeito que Claudio tem pelo que faço, ele lê o roteiro, me chama para o set, escolha de atores, tudo. Não é tão somente uma parceria, é uma cooperação que é algo que há muito no cinema de Pernambuco, esse sistema de cooperação talvez seja um dos grandes fatores dos filmes de lá terem impactado tanto no cinema nacional.

*Lidiane Volpi é graduanda em Imagem e Som pela UFSCar e Editora Geral da RUA.

*Luan Reis é graduando em Imagem e Som e Editor da RUA.

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