Leandro Vieira Maciel roteirizou Dossiê Rê Bordosa, curta-metragem que obteve premiação de melhor roteiro em diversos festivais de expressão, dentre eles o 36º Festival de Gramado.
Gostaríamos que abordasse a prática de se roteirizar um curta-metragem, quais os elementos que julga serem essenciais para a confecção de uma história bem amarrada e com um fio linear narrativo que prenda a atenção do público.
Para mim, os elementos essencias para um bom roteiro, ou uma boa história, ainda continuam sendo os velhos clichês: personagens bem caracterizados, uma reflexão profunda em torno da estrutura do filme, e algumas ferramentas que “amarrem” a história – como um tema recorrente, por exemplo. Apesar de todo o debate em torno da famigerada “narrativa moderna”, “pós-moderna” ou qualquer outro nome que inventem, não vejo como um roteirista pode fugir desses movimentos criativos: personagem, estrutura, forma, etc.
O que fica superlativo no curta-metragem é a sua curta duração; já ouvi gente dizer que o curta é o espaço natural para a experimentação. De fato acho que ele é, mas acredito que seria experimental mais pela procura de soluções narrativas radicais do que necessariamente pelo o abandono da narrativa. Exemplo: “vamos contar esse documentário sobre HQs do ponto de vista dos personagens?”.
De qualquer forma não dá para garantir 100% a atenção do público. Eu seria leviano em acreditar que tenho ou que mesmo conheço quem tenha esse poder. Mas há alguns caminhos que parecem ajudar: oferecer alguns desafios para quem está assistindo (as famosas “sacadas”); não subestimar nem superestimar a inteligência de quem assiste; conhecer o contexto do espectador da sua história. Digo isso baseado no que já pude pesquisar e um pouco na minha breve experiência profissional.
Dossiê Rê Bordosa contou com três premiações de expressão (incluindo o 36º Festival de Gramado) na categoria de melhor roteiro, como se deu o processo de elaboração do material? O que em sua opinião pode ter resultado no sucesso do roteiro?
O Dossiê é um projeto elaborado pelo César Cabral (diretor da Coala Filmes) há pelo menos 5 anos. O César além de um baita diretor sabe escrever muito bem, é muito criativo. Então sempre discutimos muito em cima do roteiro. Ele já estava desenhado em linhas gerais nesse projeto, que serviu como nosso norte: um documentário que desse voz aos personagens do Angeli, e que investigasse a morte da Rê Bordosa.
Agora, algumas decisões complicadas foram tomadas ao longo do processo, como fazer tanto entrevistados quanto personagens em massinha, e o uso extensivo da narração no estilo “Bandido da Luz Vermelha”. Minha experiência com jornalismo (trabalhei por 3 anos na Tv Cultura, no programa “Metrópolis”) ajudou na hora de organizar as falas dos entrevistados e em dar alguma lógica ao documentário.
Sendo mais objetivo, acho que alguns dos motivos do sucesso do roteiro do Dossiê foram: bom casamento entre forma (um “docudrama” policial) e conteúdo (o universo do Angeli e da Chiclete com Banana); esforço de reescrita (foram umas 15 versões do roteiro), espírito crítico e trabalho em parceria; pensar num filme para o espectador e não somente para nós.
Qual a sua opinião sobre as atuais curtas nacionais? Como você vê a posição do Brasil como produtor deste material em relação aos demais países do globo?
Os curtas nacionais estão se tornando algo mais sério, mais de acordo com um mercado em formação. Já dá para dizer que daqui a um tempo o curta será de fato o portfolio para que boas produtoras se candidatem a projetos mais ambiciosos, como longas-metragens ou séries. Essa tendência já existe no mercado mundial. Aqui ainda se caminha para isso. Do ponto de vista criativo, acho que não devemos muito para os estrangeiros, falta mesmo é um mercado de fato. É uma impressão bastante pessoal, preciso dizer.
Algum projeto em andamento ou em previsão de inicio?
No momento trabalho no roteiro de um curta-metragem chamado “Tempestade”. é mais uma produção da Coala Filmes, com a mesma equipe e um esquema de trabalho parecido. Este roteiro venceu o festival Cultura Inglesa na categoria animação. Mas é muito diferente do Dossiê: é uma história dramática, filosófica, e como um tema mais universal. Como ainda estamos em produção prefiro não comentar muito mais. De resto, desenvolvemos uma série e alguns longas-metragens, mas tudo ainda está na fase de projeto.
Gostaríamos que você citasse quais roteiristas nacionais apresentaram maior influência em seus trabalhos e formação.
O modelo por excelência foi o Jorge Furtado. Tive a oportunidade de estudá-lo com profundidade em minha dissertação, que girou basicamente em torno do universo “Cidade de Deus” (o curta “Palace 2”, a série e o longa “Cidade dos Homens” e o longa “Cidade de Deus”). Acho que o uso da narração e o modo como ele une ficção e documentário contribuíram para o que eu escrevi, em especial no Dossiê.
Outro roteirista que é importante citar é o Bráulio Mantovanni, que também pude estudar na época, e acho que é hoje o roteirista mais importante que nós temos; ele valoriza a comunicabilidade da obra, e tem uma visão muito inteligente dos recursos narrativos…bom, ele é hors concours!
Na minha formação e pessoalmente, o Leandro Saraiva e principalmente o Newton Cannito me ajudaram muito no início da carreira, como quando o Newton me convidou para colaborar , entre outros trabalhos, na série “9 mm: São Paulo”. O livro deles também foi muito importante, acho uma obra muito completa sobre roteiro.
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