Entrevista com Marcius Freire

Durante o mês de abril, o Professor Marcius Freire, especialista em filmes documentais do Instituto de Artes (IA) da Unicamp, esteve presente na Universidade Federal de São Carlos para ministrar uma aula magna sobre documentário. Após a aula, ele conversou com a equipe da RUA sobre sua carreira e o cenário atual da produção documental brasileira.

Por  Thiago Jacot*

Prof. Marcius Freire - Foto: Francielle Caetano

Thiago Jacot – O senhor tem uma vasta formação acadêmica fora do Brasil. Poderia nos dizer por que e como começou essa sua relação com o cinema?

Marcius Freire – A partir de um determinado momento da minha vida, eu comecei a fazer comunicação, mas não era propriamente comunicação que eu queria fazer, eu queria fazer cinema. Nessa época eu morava em Brasília, e lá não tinha mais curso de cinema; o famoso Azevedo (vice reitor da Universidade de Brasília no ano de 1971, quando o curso de cinema foi extinto) tinha acabado com o curso da UnB, os professores se espalharam entre a UFF e a ECA. Não tinha condições de fazer aquilo o que eu queria em Brasília, então decidi sair do país; foi assim que acabei indo parar na França. Chegando lá, comecei a estudar cinema e nunca mais parei, por isso que toda a minha formação acabou sendo lá. Como saí daqui com toda aquela frustração de não poder fazer o curso que eu gostaria no lugar em que eu morava, resolvi ir pra bem longe; ao invés de ir para São Paulo ou para o Rio de Janeiro, eu fui para a França, e foi lá que fiz desde a minha graduação até o doutorado. Voltando ao Brasil, logo em seguida, eu entrei na Unicamp, e estou lá até hoje.


Thiago-  Em relação à pesquisa no Brasil, por exemplo, hoje o senhor veio no Programa de Pós-Graduação da Imagem e Som, um curso de audiovisual, ano passado nós recebemos a SOCINE (Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual) aqui. Como é essa relação de aprimoramento da pesquisa audiovisual e cinematográfica no Brasil de uns tempos pra cá. Como o senhor avalia esse cenário?

Marcius: Eu acho que houve uma expansão realmente exponencial da pesquisa, não estou falando nem da época em que eu estava preocupado em fazer cinema, era algo ainda muito rarefeito um campo ainda muito em construção; eram poucos os nossos especialistas em cinema, dá até pra contar quem eram. Mas eu diria que nos últimos dez, quinze anos houve um crescimento fantástico do campo, e isso se deve muito ao aparecimento de novos cursos, e também de cursos de pós-graduação, como o da UFSCar; os cursos de pós-graduação na área de comunicação cresceram bastante. Esse daqui mesmo PPGIS- Programa de Pós Graduação em Imagem e Som, foi criado dentro de um período em que eu era coordenador de área [e] em que o número de cursos dobrou; nós passamos de 19 cursos para mais de 40 em seis anos. É claro que dentro desses cursos existiam linhas de pesquisa não especificamente de cinema, mas de audiovisual e de que alguma maneira traziam a discussão do cinema para o contexto do programa, fosse um mestrado ou um doutorado, então, isso fez com que o número de pesquisadores aumentasse muito. E agora, nos últimos anos, notadamente com o REUNI (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) houve também um aumento muito significativo na quantidade de cursos de cinema em nível de graduação. Porém, esses cursos ainda não começaram a ter os seus especialistas no mercado, digo, alguns sim, porque são mais antigos, mas tem muitos que começaram muito recentemente já que o REUNI é mais recente.

Prof. Marcius Freire - Jornal da Unicamp

Thiago: Foi discutido em sua palestra o detrimento da estética em relação ao filme documentário. Recentemente saíram dados de que o público para filmes documentais aumenta a cada ano nos cinemas brasileiros. O senhor pode apontar um motivo pelo qual estão sendo assistidos mais filmes documentários? Como o público está consolidando essa relação?

Marcius: Essa é uma questão um pouco polêmica porque eu não são sei se isso pode ser afirmado dessa maneira. Eu tenho uma aluna de mestrado que defendeu no final do ano passado uma tese na qual ela toma os anos 2000 e trabalha sobre filmes que foram lançados nas salas de cinema; e desses, os que tiveram um grande público foi um número reduzidíssimo. Os filmes que tem um grande público são os filmes sobre músicos e sobre música, como, por exemplo, Vinícius (Miguel Faria Jr, 2005), que teve um público fantástico. Ela fez gráficos, eu não saberia te dizer números agora, ela trabalhou com filmes b e a Ancine (Agência Nacional do Cinema) . Não tem tanta gente assim indo ver filmes nas salas, é um público que geralmente é sempre o mesmo. Amplia muito, como eu disse há pouco, quando se trata de um tema que é mais presente na nossa cultura, como a música, do contrário, não. E também um outro aspecto da questão é a própria realização. Uma boa parte dos cineastas que estão realizando documentários o fazem pela primeira vez, e, na verdade, o documentário acaba sendo como que um degrau para ele submeter os seus projetos a editais. Alguns editais colocam como cláusula que o pretendente já deve ter produzido alguma coisa; e o que se produz com pouco dinheiro? Documentário. Então, essa questão do documentário como grande explosão, o trabalho da minha aluna demostrou que não é bem assim, não. É verdade, tem muitos documentários sendo feitos, mas mais por essas razões do que por outras. Poderíamos trazer à superfície razões que sejam mais interessantes, como dizer que há uma saturação do filme de ficção e querer traçar contato com o mundo histórico através dos documentários. Mas isso é restrito ainda a um público muito pequeno, o grande público eu não diria que está vendo documentários.

Thiago: O senhor é coeditor de uma revista de cinema online, a Doc Online – Revista Digital de Cinema Documentário. A RUA também é online, e eu gostaria de abrir uma discussão em referência de que um grande material sobre cinema está migrando para a internet. Como o senhor avalia isso, essa mudança da mídia impressa para a internet abrindo novos canais de comunicação?

Marcius: Da posição de ex-coordenador de área que tinha de lidar com a questão das publicações em todos os programas de pós-graduação do Brasil na área de comunicação, ciência da informação e museologia, posso dizer que há uma pressão muito forte do nosso sistema de ensino superior, notadamente da pós-graduação, no sentido de aumentar o número de publicações no Brasil, e nós avançamos bastante; mesmo na área de humanidades, o número de títulos, o número de artigos aumentou muito. Então, houve uma proliferação muito grande de revistas, em um certo momento,de papel; só que a gente se deu conta de que essas revistas não são vendidas, são distribuídas, e também elas não são muito lidas, pelo menos não daquela maneira ou naquela intensidade que nós gostaríamos que elas fossem. A partir do momento em que as revistas foram para a internet, primeiramente, elas ficaram muito mais baratas, os programas puderam fazer uma boa economia e elas passaram a efetivamente circular, porque elas estão na internet; você joga uma palavra-chave no google e cai na Doc Online, na RUA.  Então eu acho que a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior) começou a instigar os editores, até mesmo a forçar, que as revistas fossem também online. Ainda temos muitas revistas com edição em papel e online. A revista ter como suporte a internet, isso é irreversível, e é isso com que faz efetivamente com que a revista circule e seja lida.

* Thiago Jacot é graduando do curso de Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Editor Geral da Revista RUA.

Equipe de Entrevistas: Mauricio Minoru Iwaoka, Henrique Gentil Marcusso e Luis Broleze.

A Aula inaugural do PPGIS 2012 pode ser assistido em : http://www.livestream.com/inaugurappgis2012

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