Os Homens que Não Amavam as Mulheres, uma reflexão sobre o feminino

Daniela Quevedo¹

Resumo: Este texto foi escrito a partir das considerações perpetradas para o filme “Os Homens que Não Amavam as Mulheres” exibido no evento “Diálogos Cinemáticos”. É uma reflexão sobre as possibilidades da mulher em se inventar no feminino na atualidade. Em conceber uma saída, a partir da psicanálise, para retirar-se da condição de vítima numa sociedade prioritariamente desigual e machista.
Palavras-chave: mulher, feminino, psicanálise, cinema, invenção

The Girl With the Dragon Tattoo, It reflects about the feminine
Abstract: This text was written since the author’s considerations about the film: “The Girl With the Dragon Tattoo” wich was exhibited and debated in the event “Diálogos cinemáticos”. It reflects about the feminine and its invention by women of present time. Also about the conception and the construction of a psychoanalytical and feminine “way out” from the victim condition in our unequal and chauvinist society.
Keywords: women, feminine, psychoanalysis, cinema, invention

Introdução

O texto a seguir foi produzido para a 14ª sessão do projeto Diálogo Cinemático, organizado pelo psicanalista Márcio Mariguela e apresentado no segundo semestre de 2011, em Piracicaba. Fui convidada a participar como mediadora. Num primeiro momento o público teve a oportunidade de assistir ao longa-metragem Os Homens que Não Amavam as Mulheres, do diretor Niels Arden Oplev. Em seguida, dialogar por inúmeros caminhos (sistema textual) e perspectivas cinematográficas, como por exemplo, sobre o argumento, o enredo, as imagens, a fotografia, a direção, a interpretação, etc. A proposta era que, com o sentimento ainda bastante presente, a plateia refletisse sobre os pontos mais tocantes da película. Eu optei por falar sobre três personagens que me chamaram mais à reflexão: Martin Vanger, Harriet Vanger e Lisbeth Salander.

O filme

Os Homens que Não Amavam as Mulheres é o primeiro longa-metragem da trilogia Millenium e o único dos três dirigido pelo dinamarquês Niels Arden Oplev. Adaptado do best-seller do escritor sueco Stieg Larsson, esse suspense trata das relações de gênero, principalmente a violência contra mulher, o racismo e o nazismo na Suécia, pais que possui uma economia altamente desenvolvida e considerado um dos maiores e mais importantes países da União Europeia.

A heroína desse thriller é Lisbeth Salander, uma hacker tatuada e cheia de piercings, que possui passado que vai sendo explicado mais ou menos em flashbacks durante o filme. Ela trabalha como freelance numa empresa de investigação que a contrata, inicialmente, para investigar a vida do jornalista Mikael Blomkvist, editor de uma revista econômica, que acaba de ser processado por calúnia. Lisbeth se une a Blomkvist depois que este é contratado por um milionário, Henrik Vanger, para investigar o desaparecimento da sobrinha, suspeita de ter sido assassinada há 40 anos. Como o corpo nunca foi encontrado o patriarca supõe que um dos membros da própria família, constituída de pessoas gananciosas por dinheiro e poder e com passado nazista, tenham cometido o crime.

O autor da trilogia Millenium, Stieg Larson (1954-2004) foi fundador e editor-chefe da revista sueca Expo, que tinha por objetivo denunciar grupos neofascistas e racistas nos países nórdicos (Suécia, Finlândia, Dinamarca, Islândia e Noruega). Especialista na atuação das organizações de extrema direita, Larson é coautor de Extremhögern, livro que trata do assunto. Morreu vítima de um ataque cardíaco, pouco depois de ter entregue os originais dos romances que compõem a trilogia Millennium: “Os Homens que Não Amavam as Mulheres” (2005), “A Menina que Brincava com Fogo” (2006) e “A Rainha do Castelo de Ar” (2007), e assinar um contrato para transformar o primeiro livro em filme.

A escolha

Fui escolhida. Assisti ao filme pela primeira vez sem saber do que se tratava. Tive um choque. Deparei-me com um realismo que entendo ser bastante incomum no cinema atual. É um filme que trata da violência contra mulher sem delicadezas. Não consegui parar de pensar em algumas cenas durante dias. A imagem de jovens bêbados atacando a protagonista no metrô, a violência psicológica, o estupro sofrido por Lisbeth e praticado pelo seu tutor, a violência doméstica sofrida por Harriet e por fim os assassinatos das mulheres. Isso num país como a Suécia, símbolo de civilidade.

Mas as questões de gênero ultrapassam fronteiras. Foi o que me revelou a coordenadora do ILUMINAR Campinas, Verônica G. Alencar, em uma entrevista cedida semanas antes do evento em Piracicaba. Segundo ela, os casos de violência contra a mulher são semelhantes em diversos países, mesmo que tenham realidades politico e econômica diferentes, como é o caso do Brasil, França ou em povos indígenas. Embora o número de denuncias tenha aumentado com a criação da Lei Maria da Penha , o quadro brasileiro ainda é bastante preocupante. A implantação de políticas públicas, intensificadas nos centros de saúde e o acesso à informação poderiam ser caminhos para mudar essa realidade, acredita Verônica. Certamente, penso eu. Mas levando em conta os dados apresentados, talvez apenas um caminho.
No livro, o autor expõe informações que surpreendem. Aponta que na Suécia:

(…) 18% das mulheres foram ameaçadas por um homem pelo menos uma vez na vida; 46% das mulheres sofreram violência de um homem; 13% das mulheres foram vítimas de violências sexuais cometidas fora de uma relação sexual; 97% das mulheres que sofreram violências sexuais após uma agressão não apresentaram queixa a polícia. (LARSSON, 2005, pg. 08) .
No Brasil, de acordo com o Anuário das Mulheres Brasileiras 2011, quatro em cada dez mulheres já foram vítimas de violência doméstica. Este documento reúne dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio que demonstra que 43,1% das mulheres já foram vítimas de violência (MERLINO, 2012).

No entanto, ao trazer para uma cena “familiar” e atual a questão da segregação e da violência, que pode chegar ao assassinato, o autor dos livros, bem como o diretor do filme, propõem indagações que vão além das questões como a de implantação de políticas públicas, acesso a informação, ou o conservadorismo e atraso da sociedade. Há nas relações de gênero, dois aspectos primordiais e bastante visíveis no filme.
Em primeiro lugar a dominação exercida sobre a mulher. Ela diz respeito à ameaça hierárquica que esta pode impelir sobre relações capitalistas, prioritariamente masculinas. Harriet, a neta do magnata Vanger é supostamente assassinada por ser ela a herdeira que assumiria o controle do grupo empresarial que, no filme, tinha grande poder econômico e político na Suécia. Um exemplo fictício: uma mulher no comando de um império. Qual o paradoxo que essa hipótese comporta? Será que, considerando a trama do filme essa situação seria, em si, ameaçadora? Por quê? Na realidade atual a mulher em quase todo mundo ainda exerce na sociedade o mínimo de participação política e econômica que seria necessária para que a desigualdade de gênero diminuísse (MONCAU, 2012).
Para a Psicanálise: o que quer o outro de mim?

Outra perspectiva aponta para o campo da psicanálise e abre caminho para considerações que dizem respeito à maneira como a sociedade tem lidado com as fronteiras inconscientes que a diferença entre homem/mulher imprime. A mulher é uma das formas do estrangeiro (KOLTAI, C., 2000). Como então ela, tida como “além-fronteira”, se apresentaria ao sujeito homem e que reação provocaria?
Para o psicanalista Philippe Julien há um “outro” que possui elementos que se aproximam da compreensão do sujeito e o torna semelhante (espelho). Ou seja, vejo o outro à minha imagem e meu Eu se vê no outro (JULLIEN, 1996). É possível ama-lo como semelhante, como a si próprio. Essa identificação pode estender-se à família, à sociedade e, por que não dizer, à humanidade, aos bens físicos, psicológicos e sociais (JULLIEN, 2008).
Mas, há um próximo, um Outro (com O maiúsculo). Um diferente. Que está além do semelhante, daquele conhecido pelo sujeito. Que se mostra muito diferente da imagem que esse sujeito tem de si próprio. Esse ser parece então terrivelmente estranho. In-compreensível. Estrangeiro. O que poderia essa figura esquisita querer de mim? Se ele não se parece comigo, certamente não quer o mesmo que eu. Quer outra coisa. Se eu quero o bem, possivelmente Ele quer o mal. Assim esse Outro, próximo, mas não semelhante, exibe seu limite, sua fronteira, que aparece para o sujeito sob o signo de capricho, ou, melhor dizendo, como arbitrário, sem crença nem moral, que não pode dar garantia alguma sobre o bem-querer que pode conceder ao sujeito (JULLIEN, 1996).

Penso que para a psicanálise é nesse momento que o sujeito se depara com o gozo do Outro, que segundo Freud, não é a ideia de “evitação do prazer”, ou do desprazer, mas aquilo que é “mais-além do princípio do prazer, ou seja, o gozo” (JULLIEN, 1996). Essa consideração infere uma compreensão sobre a consequência que o gozo desse “próximo” (desse Outro) tem no próprio sujeito. Não há referencial, não há garantia quanto ao que o ele quer, quanto a seu bem-querer ou seu mal-querer. Seu des-amor. Seu ódio. E quais seriam exemplos encarnados desse Outro? Muitos. Mas principalmente homens e mulheres de etnias e religiões minoritárias. Como negros, latinos, árabes, judeus, islâmico, etc.

O imperfeito

Por outro lado, penso que essa diferença assinala um algo mais, que vai além do ódio. Vejamos! Se esse próximo, de que falamos – diferente, estrangeiro, mulher –, não se parece comigo, falta a ele aquilo que eu tenho. Ele é carente, falho daquilo que o faz semelhante a mim. É portanto, imperfeito. É claro que Ele pode muito bem aprender a ser como Eu. Mas se insistir em ser diferente? Em não a-prender? Então é por que não tem jeito. É deficiente. Defeituoso. Portanto pode ter uma vida considerada “uma vida sem valor”. Para o filósofo Giorgio Agamben (2010) quem decide sobre o valor e ou sobre o desvalor da vida é o soberano. Nessa perspectiva o homem, soberano, politica e economicamente, pode muito bem escolher que vida é digna de ser vivida.

1) Martim Vanger

Nazistas declarados, os personagens de Martin Vanger e seu pai Gottifrid traçam, no filme, uma linha macabra de assassinatos de mulheres pelo interior da Suécia. Ironicamente Gottifrid utiliza-se de passagens do Levítico, livro da Lei dos sacerdotes da Tribo de Levi (tribo de Israel que foi escolhida para exercer a função sacerdotal no meio do seu povo) para escolher a maneira de “purificar” e por que não dizer, de sacralizar suas vitimas.
Agamben diz que toda sociedade fixa um limite onde se escolhe quais serão os eleitos, os “homens sacros”:

“…É como se toda valoração da vida e toda politização da vida (como está implícita, no fundo, na soberania do indivíduo sobre sua própria existência) implicasse necessariamente uma nova decisão sobre o limiar além do qual a vida cessa de ser relevante, é então somente a “vida sacra” e, como tal pode ser impunimente eliminada…” (AGAMBEN, 2010, pg. 135).

O curso que encadeia o nazismo aos assassinatos de mulheres parece ser evidente. Embora não caiba nesse texto aprofundarmo-nos de todas questões do estado nacional-socialista alemão, podemos dizer que o nazismo atribuiu ao Estado, e consequentemente ao sujeito, a decisão soberana pela escolha de qual vida que não é digna de ser vivida.

Aos olhos de Martin, o pai é fraco, pois se deixa levar por artifícios, como os religiosos, na execução das vítimas. “… isso era um projeto de papai. Misturou raça e religião com seu hobby, mas foi um erro. Não se deve deixar corpos por aí. Pego os meus, ponho no barco e jogo no mar…”. Por sua vez, Martin se coloca como o verdadeiro soberano “…eu faço o que todos os homens desejam, pego o que quero! Mulheres desse tipo vivem desaparecendo, ninguém sente falta. Prostitutas, imigrantes!…”, diz . Num dos diálogos finais acrescenta que as mulheres sabem seus destinos e mesmo assim se entregam a ele. Rudolf Höss, comandante do campo de Auschwitz, justificou o extermínio declarando que “…apenas obedecera ao desejo das vítimas” (ROUDINESCO, 2010, pg. 128).

Em outra fala, Martin enfatiza: “…As mulheres sempre acham que vão escapar. Basta um único gesto de humanidade e elas já se iludem. Gosto de ver a decepção no rosto de cada uma no minuto que entendem que vão morrer…”. Penso que ele diz do gozo que sente em ser soberano. Não há nada além dele que possa salva-las.

2) Harriet

Harriet Vanger é apontada no filme como a figura feminina escolhida. Inicialmente para a sucessão da liderança das empresas Vanger. Depois aos constantes estupros cometidos pelo pai e irmão. Personagem central da trama, Harriet investiga e descobre os assassinatos de mulheres cometidos pelos dois. Após sofrer um novo estupro, foge do pai e o mata “acidentalmente” afogado. Passa a ser então violentada apenas por Martin, que segundo revela em uma das cenas do filme, é ainda mais violento que o pai. Harriet sofre calada. Odeia calada. Não tem coragem de revelar a verdade a ninguém.

Para o psicanalista Philippe Jullien

… é nesse momento de desarvoramento e desespero que a tentação se apresenta tomar a si o encargo de restaurar e salvar a figura da autoridade (…) para que assim determinado grupo, sociedade ou família recupere a força e a coesão. É esse o trágico moderno” (JULLIEN, 1996, pg. 98).

Harriet, à moda antiga, escolhe se submeter ao destino. Sua saída? Fugir fingindo-se de morta.

No entanto, sua atitude resolve apenas o seu problema. Foge e deixa para traz um resto, um rastro: o irmão Martin. Este, além de continuar a obra do pai morto, violentando e matando outras mulheres, converte-se desveladamente no escolhido. Ocupa o cargo de líder das empresas Vanger e assume-se como soberano. O pai, soberano nazista, passa do judeu à mulher. O filho, da mulher judia (referência bíblica) à mulher comum.
Interessante notar que Harriet deixa mais um resto que mantem sua história atualizada. Sua posição de mártir, heroína em evidência. Todo ano seu velho tio recebe flores no dia do aniversário dela. Quem manda as flores? O assassino de Harriet? Aliás, é importante notar que, ao buscarem o assassino, os investigadores, Blomkvist e Salander, encontram-se no final com própria “morta”.

3)Lisbeth: a heroína moderna

Lisbeth Salander definitivamente não é um personagem qualquer. Não é nenhum semelhante. Apresentada como uma ciber punk encarna o que seria um estereótipo da mulher moderna, ou da guerrilheira contemporânea. A causa dessa batalha parece ser sua própria sobrevivência. Mas é claro, penso que há um mais além.
Todavia pareça que Lisbeth tenha lutado para se vingar daqueles que lhe fizeram mal, assistindo ao filme já pela segunda vez tive a impressão de que seu revide tenha sido mais que uma manifestação de ódio. Embora o ódio seja evidente em todas as palavras da protagonista. Em seu combate cotidiano Lisbeth lança um sinal de basta. Um gesto que assemelha-se com um Não para a sua condição de vítima. Um não para a sua condição de mulher oprimida. De estrangeira em sua própria casa.

Na cena em que participa da primeira entrevista com seu novo tutor ele deixa claro “…é só você se comportar direitinho que não terá problemas”. Lê-se: é só você aprender a se comportar como meu semelhante, pois dessa maneira, eu sei o que é melhor para você. E em nome desse saber, faça você a minha vontade. Mais uma vez penso no que diz Philippe Julien sobre o que chama de “a lógica-do-bem”: “Primeiramente o bem que quero para o outro é decerto aquele que eu queria para mim na mesma situação. Segundo, quero que o bem do outro se realize através de mim. Assim é a vontade-do-bem em sua lógica própria…” (JULLIEN, 1996, pg. 47).
Mas a heroína da história se recusa a servir a esse jogo. Num primeiro momento ele, o tutor, a obriga a fazer sexo oral. Depois, ela finge precisar de dinheiro e o procura na casa dele com o intuito de filmar o abuso, que certamente aconteceria. Mas o inesperado. Ele a violenta. A estupra. “Ora, mas que o Outro não é o outro: ele recusa esse bem que eu quero para ele, ou para ela.(…) Seu murro [sua negação] (….) tenta despertar-me de minha boa vontade …” (JULLIEN, 1996, pg. 47).

Ao chegar em casa, Lisbeth assiste a gravação. Ao invés da renuncia, diz mais um Não. Talvez um Não diferente. Em certo sentido decide dar um basta a realização do gozo do Outro. Este Outro que goza através dela, por meio de sua submissão. Sua saída? Gozar ela mesma. Volta à casa do tutor. Faz ele assistir à gravação. Violenta-o e tatua em sua barriga a frase “Sou um porco sádico e estuprador”. Ao ir embora é imperativa “…Vou te dizer o que vamos fazer (…) Eu é que vou cuidar da minha conta. Você não terá mais acesso (…) [independência financeira]. Vai escrever todo mês um relatório dizendo que meu comportamento é exemplar (…) Dentro de um ano pedirá a cassação de minha curatela (…) [independência psíquica]. Nunca mais me contatará (…) Se fizer enviarei cópias do vídeo à polícia e à imprensa”.

Para tanto, assume ela própria a imagem da maldade que vê no outro. Tenta, da mesma maneira que seu opressor, impor a sua vontade do bem “(…) a ponto de me tornar, por minha vez – oh! Surpresa! – mau, mau com esta maldade que comporta – oh! Horror! – meu próprio gozo” (JULLIEN, 1996 pg. 47). Assim, reconhece no espelho, que mostra os dois lados dela mesma, um terceiro, invisível (irreflexível), que resvala na maldade do seu opressor, mas não se fixa ali.

No final do filme se lança imperativa quanto a Martin: “…ele estuprava e matava e gostava disso. Teve as mesmas chances que nós. Escolhemos o que queremos ser. Ele não era uma vítima, era um desgraçado que odiava as mulheres”.

Mas que escolhas, que saídas seriam essas? Em que ética se apoia a heroína para se distinguir dos outros personagens?

No recorte de outras situações ela deixa evidente suas escolhas. Para começar se apresenta como “fora da lei”. Hacker. Posteriormente revela seus antecedentes de ter incendiado o pai (justo quem!). Deixa o vilão Martin morrer incendiado. Acusa Harriet de uma covardia pérfida por não entregar o irmão. Investiga e rouba o dinheiro do empresário Wennerstöm acusado de corrupção.
Não faz o bem. Por outro lado, não fazendo o bem, também não se identifica como fazedora do mal. Em várias cenas do filme recorda ter aprendido que “todo ato tem uma consequência”. Por isso não é especularmente ou previamente má. Se dispõe a reinventar-se a cada experiência, ou, por que não dizer, a cada fracasso – o que é Outra coisa. Não se trata mais nem de bem, nem de mal, mas do estatuto de um ato que permite uma mudança. E essa mudança vai se constituindo por sua negação.

Lisbeth não se serve de modelo, de amante, de filha arrependida, de justiceira. A cada enquadre, uma nova saída, uma outra faceta. Um “Não” polimórfico, que parece deixar claro a todo momento a decisão pela impossibilidade de uma cristalização. Lisbeth em sua posição de estrangeira revela-se, ela, sem fronteiras, sempre.

A meu ver, destaca-se dessa experiência o ato de inscrever-se numa Outra condição do feminino. Não há resposta. A condição está por vir.

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¹Daniela Quevedo é Jornalista e Radialista formada pela PUC Campinas e especialista em Comunicação em Saúde; Psicanalista participante da Escola de Psicanálise de Campinas; Cronista do Jornal de Integração Regional “A Folha” de São Sebastião da Grama. E-mail: daniela_quevedo@yahoo.com.br

Referencias Bibliograficas

AGAMBEN, G. (2004) “Estado de exceção”, 2ª Edição, São Paulo, Editora Boitempo, 2007, 133p. (Estado de sítio).
AGAMBEN, G. (2002) “Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I”, Belo Horizonte, 2ª Edição, Editora UFMG, 2010, 197p.
ROUDINESCO, E. (2010) “Retorno a questão judaica”, Rio de Janeiro, Editora Jorge Zahar, 2010, 245 p. (Transmissão da Psicanálise).
KOLTAI, C. (2000) “Politica e Psicanalise. O estrangeiro”, Editora Escuta, 2000, 160 p.
FREUD, S. (1930-1936). O mal-estar na civilização, novas conferencias introdutórias à psicanalise e outros textos. São Paulo, Companhia das Letras, 2010, volume 18 (Sigmund Freud, obras completas).
MONCAU, G. A era da mulher, conquistas e desafios. In: Caros Amigos, a primeira à esquerda. São Paulo, ano XV, Edição Especial nº 55, p. 08-09, 2012.
MERLINO, T. A era da mulher, conquistas e desafios. In: Caros Amigos, a primeira à esquerda São Paulo, ano XV, Edição Especial nº 55, p. 04-06, 2012.

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