Guerra ao terror (Kathryn Bigelow, 2009)

“Ora, ora, o que temos aqui?”, questiona o sargento Sanborn ao encontrar os pertences do colega James Williams. “A caixa está cheia de coisas que quase me mataram”, o sargento Williams responde de pronto. “E isto?”, pergunta um terceiro soldado ao encontrar uma aliança presa a um cordão. “Minha aliança de casamento. É como eu disse”, pontua Williams.


O diálogo acima é, a princípio, carregado de uma aparente banalidade presente numa conversa entre amigos, aqui num raro momento de descontração, mas é também a mais pura realidade no que diz respeito a Williams (Jeremy Renner, indicado ao Oscar de melhor ator), experiente soldado a serviço no Iraque, que se sente desconfortável fora do ambiente bélico, algo que fica ainda mais claro quando o reencontramos completamente deslocado em meio às prateleiras de um supermercado, no desfecho de Guerra ao Terror, momento de ruptura para o filme. A fotografia, antes quente, torna-se fria e pálida, a câmera aquieta e dá preferência aos planos abertos, sendo que outrora, fazia-se sempre rente aos personagens. A rotina do americano comum, a posição de chefe de família, não interessam ao personagem (ao menos, não mais), e isso está presente na imagem. Williams, afinal, já não consegue manter-se longe do vício que persegue filme afora. Ele deseja retornar ao Iraque, deseja, sobretudo, sentir de novo tensão e adrenalina proporcionados por uma guerra sobre a qual ele pouco questiona ou emite opinião. O que importa é o conflito e ponto. Williams tornou-se, portanto, engrenagem.

Essa busca pela adrenalina extravasa o filme de Kathryn Bigelow através da decupagem. A cada nova missão (as missões consistem em encontrar e desarmar explosivos ocultos), temos dois opostos: de um lado, os soldados norte-americanos; do outro, civis que compõem o cenário local e que não hesitam em questionar de forma dúbia os estrangeiros (“Where are you from?”, eles perguntam como se tentassem lembrar aos americanos sua posição de invasores). Bigelow filma a cidade como um território amplo e aberto, onde os dois lados se misturam num espaço que é um verdadeiro campo minado. Os explosivos estão no meio da rua, em latas de lixo e carros abandonados. Os terroristas em meio aos civis. Fosse uma decupagem clássica de ação ou suspense, veríamos o soldado correndo contra o tempo para desarmar a bomba. Em paralelo, veríamos aquele que está pronto a acioná-la, esguio, assistindo a operação oculto em algum canto. Em Guerra ao Terror, soldados e terroristas estão face a face, a dificuldade está em identificá-los em meio à aglomeração de pessoas que assiste atenta a cada operação. A qualquer momento, qualquer um em meio à multidão pode apanhar um celular ou acionar um dispositivo e mandar tudo pelos ares. Bigelow coloca os espectadores num posicionamento semelhante ao dos soldados, ou seja, não somos observadores privilegiados, temos o mesmo tempo de reação dos próprios protagonistas. Tensão, adrenalina e paranóia se fazem presentes a nós tanto quanto a eles.

A busca de Williams por sua “droga” (war is a drug é a frase que figura no pôster do filme) é tamanha que o encontro com uma bomba-cadáver, cujo corpo é de um garoto que lhe vendia DVDs, o faz procurar por justiça, tornando-se uma desculpa para que o sargento se coloque diante de uma missão extra. Não que Williams se importasse realmente com o garoto. Na verdade, a ele só importa o estado constante de risco, que é o que lhe sacia, sempre que tenha completo controle da situação. Caso contrário, há a falha. Com poucos minutos para desativar uma bomba acoplada ao corpo de um homem em total desespero, e com o relógio correndo em contagem decrescente, William insiste até o instante em que sabe não arriscar própria segurança. Depois disso, corre em direção oposta, deixando o outro explodir a suas costas. No homem transformado pela guerra (e é disso que o filme de Bigelow trata), encontra-se um resquício, ainda que mínimo, de humanidade, distinguindo-o assim de mero objeto bélico. Vestígio o suficiente para fazê-lo reconhecer a perda do controle, pressentir o perigo iminente e temer pela própria vida.

Álvaro André Zeini Cruz é graduando em Cinema pela Faculdade de Artes do Paraná (FAP)

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Este post tem um comentário

  1. Author Image
    kelli

    eu quero guerra do terror nao gerra ao terror

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