Entrevista com José Luiz Sasso

José Luiz Sasso é técnico de mixagem e trabalha com engenharia de som para cinema. Desde 1977 já mixou mais de 200 longas-metragens, sendo pioneiro no uso de dolby stereo, uso de time code em cinema e vídeo, tomadas de som direto em fitas DAT e sonorização digital em um longa-metragem inteiro. Suas parcerias incluem Job Tom Azulay, Nelson Pereira dos Santos e Carlos Reichenbach.

Entrevista realizada pessoalmente por Eric Ribeiro com José Luiz Sasso

RUA: Qual a importância da música no filme?
José Luiz Sasso:As importâncias da música, na verdade, são muitas. É difícil dizer, colocar todas em um mesmo grupo. Mas, de um modo geral, a função da música é trazer o espectador para dentro da tela. Não creio ser adequado utilizar uma palavra pomposa ou grandiloqüente para tal, porém uma que ilustra bem a idéia é a palavra imersão. Mas vamos ficar com essa frase: a música empurra o espectador para dentro da trama. E, deste modo, é importante ater para quando há realmente a necessidade de usar música no filme. Há filmes que utilizam a música perfeitamente e, outros que estão muito bem sem ela, como é o caso do recente Casa de Alice. Um filme sem a presença de trilha musical.

RUA: Como a música se relaciona com os outros elementos sonoros?
JLS: A música que serve ao filme difere quando o músico, o compositor e o diretor musical conhecem a linguagem cinematográfica. Quando a música não compete com os outros elementos sonoros e vice-versa. Já houve situações nas quais foi necessário escolher entre música ou diálogo. Por exemplo, quando um filme tem um número elevado de diálogos, faz-se importante o bom entendimento da fala. Agora, se a trilha musical vem atropelar isso, deve-se fazer uma escolha. Outro exemplo. Quando da construção de ambientes e efeitos sonoros para uma cena em que esses sons trazem um aspecto de peso na cena. Intensificam uma sensação etc. A trilha musical também pesada e não pensada em congruência para ser articulada em junção com esses elementos pode criar uma “maçarocada” de coisas que, talvez, não proporcione uma mescla coerente, agradável, enfim. Entrosamento entre edição e música é igual a alegria do mixador.

RUA: Como é o processo de mixagem da música? Como você recebe o material? Em que ordem proceder?
JLS: Os processos variam em cada realização. E também de profissional para profissional, no caso o mixador. Porém, tradicionalmente tem-se uma mixagem da trilha em função da pré-mixagem de diálogo, principalmente quando estes são importantes, numeroso, enfim.

Existe um ponto importante a ser ressaltado. Há uma grande diferença entre mixar a música do filme e a música para o filme. A música do filme é aquela que normalmente está ali por estar. Geralmente por questões comerciais. Uma música que não foi pensada na edição em articulação com os outros elementos sonoros.

A música para o filme é diferente. Ela serve a um propósito. Seja ele qual for. Porém existe uma razão para ela estar ali. E é consistente. A música para o filme não vem mixada. Ela preferencialmente deve vir em uma sessão aberta, com seus instrumentos separados. Por que? Porque dessa forma pode-se trabalhar a música em camadas. Por exemplo, cenas em que a música é imponente mas que no meio dela há um diálogo e o entendimento não pode ser prejudicado. Pode-se baixar os metais (caso eles existam) diminuindo um pouco da dinâmica da música, sem que haja a necessidade de que ela se ausente da cena. Isso cria flutuações, variações de significações e sensações. Mas, se a música vem mixada em uma sessão fechada, que impede a articulação de seus elementos, a mixagem da trilha reduz a um aumentar e diminuir volumes. Ela pode vir separada em naipes também. Mas tiveram casos em que a música chegou na forma de mp3 estéreo 128kbps. O que fazer com isso?

RUA: Como é a relação com o diretor/montador? Qual sua liberdade para intervir?
JLS: Polêmica. Variável. Eu não tiro ou coloco música. Apresento minha opinião, mostro ao diretor. Essa escolha cabe a ele. Se a relação, o entrosamento, fluiu, possivelmente as partes cederão quando uma boa idéia for apresentada. O cabo de força é o problema, e deve-se lembrar que, normalmente, a escolha final cabe ao diretor.

É importante considerar que a mixagem é o momento no qual o diretor vê seu filme pela primeira vez com todos os elementos juntos, que irão compô-lo na versão final. Anteriormente a isso tinha-se a montagem, mas não havia a edição de som. Depois da edição de som não havia a mixagem, equilibrando os sons. E possivelmente a música não está lá. A mixagem é delicada por isso. Exige flexibilidade e uma postura profissional consistente por parte dos mixadores.

RUA: Qual sua relação com a sensível mudança no decorrer da história quanto ao processo de realização de trilhas musicais para cinema, principalmente quando da mudança do analógico para digital?
JLS: Há 20 anos atrás tinha-se uma prática cinematográfica mais artesanal. O digital trouxe muitas facilidades, todavia uma conseqüência de sua ascensão foi a maior fragmentação no processo. E, conseqüentemente um maior distanciamento entre os envolvidos na realização fílmica. Possivelmente a única função que participa da realização do começo ao fim é o supervisor de som (a parte diretor e produtor, claro). A ausência dos demais cargos implica muitas vezes em uma não convergência dos elementos fílmicos para a proposta. Há um tempo atrás era comum a projeção em banda dupla (imagem mais som, em suportes separados para projeção). Nela discutia-se os rumos e andamentos da realização. Hoje, cada um em seu monitor de 17 polegadas em casa diz ter noção de como um filme esta saindo. Lógico que o bom resultado não se limita a isso. Porém estar rediscutindo a realização faz-se sempre importante.

Por volta de 1988, com a chegada do som estereofônico no Brasil e imediatamente posterior a isso o Dolby Surround, os produtores musicais começaram a se interessar por mixagens de trilhas em Dolby. Esse fator gerou uma aproximação dos músicos com o contexto de realização. Essas mudanças tecnológicas sempre pedem uma revisão no cenário audiovisual. Com certeza mudou para os compositores, para os editores, diretores, etc.

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