Entrevista com Julia Zakia

Você se formou pela ECA/USP. Em que esta formação acadêmica te acrescentou?

Antes de entrar na USP eu simplesmente gostava de cinema e achava que era isso o que eu queria fazer, mas foi na Universidade de São Paulo que, pouco a pouco, fui desvendando a linguagem cinematográfica, os prazeres e dificuldades de se fazer cinema. Foi lá que me apaixonei pela história do cinema brasileiro (aula dada por Carlos Augusto Calil, professor fundamental na minha formação), foi onde aprendi as técnicas de fotografia e som, e acima de tudo, foi lá que conheci os companheiros de cinema, pessoas com as quais venho trabalhando desde 2001 e com quem pretendo continuar essa empreitada de fazer filmes. Toda a base de cinema foi obtida na formação acadêmica e é claro, complementada pela prática, dentro e fora da USP, antes e depois de formada.

Como você vê o audiovisual universitário, agora com uma visão de uma profissional já inserida no mercado do audiovisual?

Enquanto estudamos temos chance de nos concentrar bastante em nossos exercícios e filmes, não há tantas demandas externas e isso faz com que tenhamos a oportunidade de trabalhar por mais tempo em um curta, o que depois de formada, fica mais complicado. Há filmes universitários maravilhosos, que são livres e fortes, conquistam e ficam na memória das pessoas. O próprio festival universitário é um espaço maravilhoso de troca e conversa, propício para os debates e muito estimulante para os alunos. Há outros filmes universitários que são mal feitos, toscos mesmo, mas não por serem universitários, pois há filmes toscos fora das universidades também.

Você já fez parte da equipe de um longa-metragem internacional, o “Diamante de Sangue”. Quais são as principais diferenças que você enumeraria de uma mega produção hollywoodiana para filmes brasileiros?

"Diamante de Sangue", de Edward Zwick

A Convite do diretor de fotografia do filme, o português Eduardo Serra, fui para Moçambique estagiar na área de fotografia. Não fazia exatamente parte da equipe, tive a chance de observar e anotar os mapas de luz desse mestre, conviver e observar o trabalho de toda a equipe do filme. Foi muito importante para também ver que tipo de cinema nós fazemos aqui e eles lá. São mundos completamente distintos. Por lá tudo é gigante e pesado: 300 pessoas na equipe, mil carros, milhões e milhões de dólares, uma estrutura que parece de guerra, uma estratégia de invasão. No caso de “Diamante de Sangue”, poderia dizer que a maior diferença é que eles não tem nenhum tipo de restrição, tudo o que querem podem e fazem, não há limite, é um brincar de Deus, literalmente. Foi bom ver e participar disso, mas prefiro trabalhar e viver aqui no Brasil, tendo que inventar meios de filmar e driblar as faltas, lembrando sempre de Paulo Emilio Salles Gomes e o “cinema no subdesenvolvimento”.

Você ainda participa de festivais e mostras? Você vê estes ambientes como janelas para universitários e novos profissionais?

Ainda bem que sim, participo de festivais e mostras a medida que participo de filmes, não interessa se é um festival pequeno no interior de Minas Gerais ou um super festival de curtas em Clermont-Ferrand na França, o filme vai ser exibido e as pessoas se manifestarão sobre aquele trabalho. Batem palma, ficam quietos, vem falar com você, querem saber mais ou criticar. É o momento da troca direta com o público, que vai além do filme. É bom estar presente, responder as questões, dar um rosto àquela obra, algumas pessoas gostam de ver e saber quem faz e porque fez. O filme tem que ser auto suficiente, falar por si, mas é bom quando o autor e a equipe estão presentes. É uma janela para todos, estudantes, jovens e velhos profissionais, é sempre o lugar do encontro, do debate, de conhecer novos parceiros e até viabilizar próximos filmes.

Você tem muitos trabalhos como diretora de atores. Esta função é relativamente nova no cinema brasileiro. Como surgiu este interesse? Há campo para pessoas se especializarem nesta área no Brasil?

Ainda não são tantos trabalhos como diretora de atores, fiz alguns curtas nos quais sou a diretora do filme e dos atores, porque não deixaria outra pessoa fazer essa parte por mim, já que é o que mais gosto de fazer em cinema. Em alguns outros filmes preparei e ajudei a dirigir os atores no set, para amigos próximos, companheiros de trabalho. Essa função, quando dissociada da direção geral tem a importância de valorizar a expressão dos corpos, da atenção ao elenco. Alguém que está ali só pensando nisso, mas acho que a pessoa deve ter uma relação muito fácil e direta com o diretor geral, para que um único filme esteja sendo feito. Eu gosto de atuar, de pensar no corpo, nas formas de expressão através disso. Acho que há campo para a especialização nessa área no Brasil, principalmente porque temos vocação para trabalhar com não atores que precisam ser ensaiados e preparados para o cinema. Não sei como vai ser daqui pra frente, mas espero ainda poder conhecer e  trabalhar com muitos atores e atrizes, iniciantes e profissionais.

"Páginas de Menina", de Mônica Palazzo

Como você vê a relação entre o audiovisual universitário, do qual você já fez parte, e o público brasileiro? Eles se encontram em algum momento?

Acho que não podemos pensar em um único audiovisual universitário e nem num público brasileiro geral, essas duas coisas são múltiplas e se cruzam e se encontram em muitos pontos variados. Há filmes universitários no porta curtas, outros que vão para a TV, outros que vão para o you tube ou que passam em festivais gratuitos onde as pessoas vão e assistem. Há mostras de cinema nas praças ou nas velas de jangadas do Nordeste. Depende dos alunos fazerem bons filmes e pensarem nas exibições e na distribuição de seus filmes, como atingir faixas de público, como encontrar reverberação sensível com as pessoas. Os estudantes de hoje são os cineastas de amanhã (espera-se), então é total responsabilidade deles (nossa) pensar e fazer cinema para as pessoas irem ver, como eu não sei dizer, todos nós estamos tentando há tempos, mas o principal é estar satisfeito e entregue aos filmes que se faz, desde a Universidade (ou fora dela), pois não podemos esquecer os ótimos filmes que são feitos por pessoas que nunca estudaram cinema e que se entregam mais que muitos estudantes. Expressar, querer comunicar, atingir os outros, mostrar o filme, não ter vergonha, nem medo, nem nada que te separe e afaste das pessoas. O filme é feito para ser visto, compartilhado. Saber trabalhar em equipe já é um bom sinal, se sua equipe gostou de fazer o filme é muito mais provável que o público goste de assistir.

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    Neila B.Pereira

    Como entrar em contato com Julia Zakia?

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