Enganam-se aqueles que pensam que a única beleza de Brasília está nas curvas da arquitetura de Oscar Niemayer. O céu do planalto central parece mudar de cor como em um quadro. As diferentes tonalidades e diferentes texturas parecem expressar o humor daquela imensidão que reflete o cerrado como em uma pista de dança noturna. Pista onde bailão as nuvens ao som da brisa que de vez em quando resolver soprar as belas paisagens da cidade seca.
Quem passa pela região próxima ao lago sul, indo em direção à ponte Juscelino Kubitschek no entardecer, percebe um céu azul com nuvens brancas em pleno pôr do sol. No entanto, esse céu não é obra da natureza e sim do artista mineiro Eder Santos, o qual apresentou, no Centro Cultural Banco do Brasil de Brasília de 20 de fevereiro a 3 de Maio, a Galeria das Almas.
A vídeo-instalação foi construída com 28 projetos de alta definição apresenta imagens sincronizadas num grande prisma, transformando o pavilhão de vidro do CCBB num imenso cubo de nuvens. O “recorte” do céu pode ser visto pelos motoristas que cruzam a avenida do lado de fora. A obra pode então ser apreciada de três maneiras distintas: de relance, para o motorista que a vê ao acelerar para chegar a seu destino; externamente, para o espectador que observa a projeção parado ao lado de fora da instalação; e para os mais atrevidos, os quais se arriscam entrar na Galeria das Almas, sua mente é a obra.
Reconhecido internacionalmente por seus trabalhos expostos no MoMA, de Nova York, no Centre Georges Pompida, de Paris, e pelas diversas exposições apresentadas em Madrid, Turim e Amsterdã, Eder Santos pretende “gerar sensações que se alternam entre liberdade e cárcere, real e virtual, finito e infinito, amplidão e confinamento”.[1]
Ao observar a projeção do lado de fora, a sensação, para mim, era de assistir a uma paisagem do céu em um cinema a céu aberto. A sensação de estranhamento de ver o céu azul em plena escuridão do céu estrelado não se compara a perturbação que se sente ao “entrar” na obra. (Xanax)
A grande impressão é que a galeria entra em nós ao adentrarmos nela. O galpão é uma galeria enorme, oca, revestida de vidro, e o cubo é uma grande janela para o mundo; no entanto, nunca me senti tão enclausurado em um ambiente tão “aberto”.
Espalhado pelo salão, os projetores estão dentro de cubos de vidro, recortados em prismas, que dimensionam a imagem final para os dois lados opostos da galeria (a que dá para a avenida e a de frente para a entrada principal do CCBB). Dentro dos pequenos cubos são formadas imagens abstratas, azuis e brancas, como um caixão transparente de nuvens que prendem aquela vastidão sobre nossas cabeças, infiltrado em um recipiente não muito maior que uma televisão.
A dança aleatória daquelas “almas” brancas se confunde e se distorce naquele ambiente fechado que projeta o céu aberto em movimento. O artista brinca com a noção de espaço, de grande e pequeno, finito e infinito, confundindo o espectador-agente. Andar por entre aqueles cubos é como estar entre o espaço e tempo, entre o pequeno e o grande. Uma sensação de estar no “gabinete de Deus”, que observa o pequeno e manipula o tudo: a presença da sensação de onisciência e onipresença também fazem parte dessa instalação.
A instalação nos remete ao filme MIB – Homens de Preto. Os cubos com os projetores passam a idéia do final, em que a câmera se afasta do planeta, passa pelas galáxias, avança o universo, até virar uma bolinha de “gude”, que uma mão com três dedos pegaria e colocaria dentro de um saco recheado de bolinhas de “universo”.
No meio da galeria, outra obra do autor (mas que eu pensei ser parte da mesma quando visitei a galeria): A Virgem em Oração. Um grande caixão na vertical, um túmulo de madeira, revestida com flores de plástico que formam um círculo em volta de uma tela que projeta o vídeo. A moldura do vídeo é composta de flores, como as que emolduram a tela na realidade. Real e imagem se misturam diante dos olhos. Na imagem, vemos um retrato amarelado de uma mulher. Uma mulher do passado, esteticamente de outra década, provavelmente morta (uma impressão pessoal). As imagens se fundem em outras visões confusas, que se sobrepõem. Vemos mãos que tentam rasgar o vidro do vídeo. Um caos, uma baderna, que desemboca em um céu azul; azul com nuvens, como aquele projetado pelos cubos em nossas cabeças, na grande galeria cubo, debaixo do céu escuro estrelado. E quem sabe mais de baixo do que?
A mulher parece eternamente presa àquela moldura. O vídeo-foto é cíclico e volta novamente para o começo. A foto é um momento da eternidade ou a eternidade em si própria? A vida passa, cíclica, assim como o vídeo e as nuvens, que vão e voltam e nascem e desaparecem na vastidão azul. Seriam nuvens almas? O tempo e o espaço se confundem, se relativizam, se eternizam. O som hipnótico homogêneo vibra pela sala e vem do caixão. Parece ser um mantra do silêncio no espaço, o silêncio de um purgatório sem fim.
Ambas as obras refletem essa mesma preocupação do autor: estar preso no mundo, na vida. Um mês depois, mais recentemente, visitei uma exposição no SESC Pompéia onde duas obras suas também eram expostas.
Em uma, ele projetava imagens de pombos soltos, pendurados em fios de eletricidade. No chão, entre o projetor e a parede existiam gaiolas vazias que projetavam suas sombras na parede misturando-se à projeção. Uma loucura! Os pássaros estavam presos ou soltos? Talvez presos a imagem, eternamente.
Ao lado outro vídeo pertubador: três “aquários” de vidro e pedrinha branca, mas que não eram bem aquários. No fundo, uma TV de tela plana mandava imagens de um nadador submerso em um oceano azul meio opaco, sem referencia ao chão ou a paredes. A estética granulada da imagem dava impressão de ser uma piscina, mas a não-referência aos azulejos confundia os espectadores. A impressão que fica é que ele está em uma massa enorme de água. Porém nós o vemos quase que nadando em um aquário minúsculo. O personagem se contorce, tenta se libertar, abrir os braços, nadar, mas a todo o momento a imagem volta para o inicio. Cada tela tem sua velocidade, umas mais lentas, outras mais rápidas, mas todas cíclicas.
Eder Santos perturba seus espectadores com sensações claustrofóbicas: sua obra coloca uma camisa de força nos olhos de quem vê.
Colaboração: Leila L. Graef
Felipe Carrelli é graduando em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
[1] Extraído do panfleto de apresentação da instalação.