A entrevista com Michel Pavlou, videoartista grego que morou muitos anos na França, foi feita durante o 18º Festival Internacional de Curtas-metragens de São Paulo, em agosto de 2007. Nessa entrevista, ele conta como surgiram alguns trabalhos da série “Dobrando e desdobrando o tempo” que foi apresentada no Festival. É uma série de vídeos curtos projetados em looping, criando uma impressão de continuidade. Não são exatamente curtas-metragens, mas pequenos extratos de vídeo que não foram concebidos para serem exibidos em salas de cinema e, sim, em instalações. Ele também fala sobre conceitos de tempo, cinema e filosofia, nos quais teorias de Bergson e Deleuze se misturam com o fascínio pela vida urbana contemporânea.
Mais informações:
www.michelpavlou.net
www.kinoforum.org.br/curtas/2007/atividades.php?c=20629&idioma=1
www.dossie_deleuze.blogger.com.br
Entrevista
RUA: Qual a relação do seu trabalho com um festival de curtas-metragens?
Michel Pavlou: Como artista, eu trabalho com filmes, faço curtas-metragens em vídeo, fotografia, instalações, um pouco de tudo. No ano passado, exibi um filme meu em Rotterdam [Festival Internacional de Filmes de Rotterdam/Holanda 2007 – www.filmfestivalrotterdam.com] e tinha também uma instalação que foi montada no Centro de Artes Visuais de Rotterdam. Alguém da curadoria do Festival de Curtas-Metragens de São Paulo viu essas imagens pensando que era um filme, gostaram das imagens e me convidaram para vir ao Brasil. Eu respondi que não era apenas um filme para ser projetado em uma sala… Mas eles disseram mesmo assim que eu viesse. Eu não posso dizer que seja aqui, como eles anunciam, uma “instalação”, é apenas uma projeção, para que as pessoas possam ter uma idéia desse trabalho sobre o tempo. Bom, o que seria isso… é o trabalho sobre o tempo não-cronológico, quer dizer, se falarmos em termos filosóficos, desde Bergson [http://pt.wikipedia.org/wiki/Henri_Bergson] até Deleuze [http://pt.wikipedia.org/wiki/Gilles_Deleuze] e outros que desenvolveram essa idéia na qual o presente e o passado coexistem. O presente e o passado são ao mesmo tempo, não se separam. Mas eu não parti desta idéia do princípio. Deixe-me contar a história deste trabalho: eu comecei há cinco anos, estava na Normandia, na França [http://pt.wikipedia.org/wiki/Normandia] onde existem praias muito grandes. Lá, quando a maré está baixa, ficam espaços enormes de areia. Então eu vi, muito ao longe, uma mulher. Eu não conseguia perceber se ela vinha na minha direção ou se afastava-se de mim, pois estava muito longe. Isso é uma primeira coisa. Em segundo, por causa da perspectiva que estava muito comprimida, eu não conseguia saber se ela se movia ou não, como se andasse no mesmo lugar. Essa foi a primeira idéia, aí comecei a filmar. E assim fiz o primeiro filme, “Travelling” em 2003, que ganhou um prêmio em Seoul de melhor vídeo [Festival EX-IS 2006 – http://www.ex-is.org/2006]. E, depois disso, continuei em cada cidade a criar um cartão postal, que são um pouco como fotos, mas nessas fotos há o movimento. Não são apenas fotos, pois a fotografia fixa o tempo, enquanto o cinema não fixa o tempo; mesmo se há um espaço e um tempo definidos, existe uma seqüência. Eu queria achar esse momento onde o tempo não é fixo, mas, ao mesmo tempo, não avança. Que é o tempo não-cronológico. E foi o que Deleuze chamou de “dobra” e “desdobra” do tempo (plié deplié le temp/ folding unfolding time), o tempo todo.
RUA: Existe uma forte relação entre seu trabalho e a cidade? Apesar de o primeiro vídeo da série ter surgido na praia…
MP: Sim, o primeiro foi na praia, mas eu sempre morei em grandes centros, mais de 20 anos em Paris, portanto muito do material do meu trabalho se deu na cidade. O que eu gosto muito na cidade é a surpresa. Eu não planejo nunca o filme. Tudo se dá como naquela vez na praia da Normandia: eu vi aquela mulher, peguei minha câmera e corri para filmá-la. E é sempre assim, toda vez que eu pensei “vou em tal lugar pois lá tem pessoas fazendo algo que quero filmar”, não funcionou pois, para mim, o mais interessante é descobrir essa relação com a cidade. Então, o que eu faço? Como tenho feito em São Paulo desde que cheguei aqui, acordo às seis horas da manhã, tomo meu café da manhã…
[a produção traz um copo de chopp]
MP: Muito obrigado! Yamas! [saúde], em grego!
Então… tomo meu café da manhã, e depois a pé…
RUA: Você sai a pé para ver a cidade?
MP: Melhor, para “mergulhar” na cidade, não apenas ver, mas mergulhar mesmo. O que é engraçado, para comparar ao meu trabalho, é que eu digo que “para se ter imagens bonitas, é necessário ter boas pernas”, é preciso procurá-las… Parece-me um pouco com o trabalho que têm essas pessoas que andam com charretes… Como vocês chamam? Com papelão e… Enfim, nós fazemos o mesmo trabalho, eles também, pegam suas charretes e percorrem a cidade recolhendo coisas, e podem achar algumas coisas que têm algum valor, que podem revender, etc. Tal qual, eu percorro a cidade, recolho coisas para poder achar o momento certo. Como um filme móvel, eu tenho sempre uma câmera comigo, filmo uma coisa aqui, outra lá, esperando achar esse momento, esse segundo que eu posso colocar em looping, criando um tempo circular. Por exemplo, essa peça que foi exibida aqui com a mulher andando coberta por um véu [um dos vídeos de “Folding Unfolding Time”: imagem à direita]. Então, a mulher eu filmei em Cairo, no Egito. Avistei-a e resolvi ver aonde ela ia, então a segui. E fui filmando. Filmei e filmei, tentando sempre achar aquele movimento que fosse possível fazer o looping, que não é tão fácil de achar. Mas, enfim, consegui; então eu tinha a imagem da mulher que andava infinitamente. Mas aí faltava colocá-la em um ambiente.
Para completar essa peça eu tinha que esperar até conseguir uma outra imagem de um ambiente que eu pudesse juntar para que elas formassem uma coisa só.
Então o outro elemento foi aquela rua em Olso, na Noruega…
RUA: Então a rua e a mulher não eram a mesma imagem.
MP: Não, não, não… não era um travelling, esse é o ponto da história. Então eu passei por essa rua em Olso, um lugar de drogados e prostitutas… e chovia, então, de dentro do carro, havia a água que escorria pelo vidro causando uma “diluição” da imagem… Aí eu pensei como essa “diluição” me lembrava o véu daquela mulher se movimentando… Foi então que eu coloquei as duas imagens juntas.
Na instalação original, a projeção não era feita em uma tela fixa como aqui, mas em um tecido que é o mesmo com o qual se fazem os véus no Afeganistão. É um tecido preto, muito fino e fluido.
Quando olhamos de frente ele é opaco, você não vê através, mas se você olha de lado ele é um pouco transparente. Projetando, então, nesse tecido, quando você olha não dá para saber ao certo se é a mulher que se move ou se é a “tela” que está em movimento. Isso é muito interessante, e é um efeito que se perde quando se projeta em uma tela comum de cinema. Por isso que eu digo que aqui não é exatamente a instalação, mas é uma informação…
RUA: …uma experiência…
MP: Isso. A experiência possível nesse caso…
RUA: Toda a tecnologia, e o vídeo, são, então, fatores muito importantes no seu trabalho.
MP: São importantes, mas o que eu gostaria de poder dizer é que eu tivesse feito as imagens sem intervenções depois, ou seja, se eu achasse um movimento e um lugar que eu não fosse obrigado a manipular depois, isso me deixaria muito contente!
Como em outro caso eu estava em Paris e havia um velho senhor que tinha ido a uma loja comprar alguma coisa. Voltou para casa e sua mulher estava dentro, mas ela não ouvia direito, era surda. Eu estava com meu filho, fazendo-o dormir em seu carrinho, em um café, e fiquei 10 minutos observando aquele homem na porta, quase sem se mexer. Peguei minha câmera e comecei a filmar.
E isso durou 40 minutos! 40 minutos uma pessoa parada do lado de fora da casa… e provavelmente ele estava acostumado, com a mulher devia ser todo dia assim, até quando ela abrisse a porta… e aí, tínhamos a cidade que se mexia, carros passando, e o senhor parado… E aí estava minha peça! Sem precisar mexer, e estava pronta!
RUA: Interessante, mesmo que não tenhamos visto aqui na projeção ideal, as imagens são muito bonitas, hipnotizantes…
MP: E quanto ao cinema, essa unidade de tempo, essa unidade de medida, que pode durar meio segundo, ou um segundo no máximo, para aquela mulher do véu é aquele passo, apenas um passo…
E, para mim, se você vê, é o começo e o fim do cinema. É onde o cinema começa: aquele passo, não é mais a fotografia, pois existe o movimento, mas é lá que termina, pois o resto seria a narração, a história, e freqüentemente, para mim, no cinema a história não me interessa muito. Mas aí quando paramos para ver, qual é o milagre na vida? O milagre é estarmos aqui. É isso. A câmera e sua tecnologia são o milagre? Não, o milagre é que estamos aqui e estamos conversando. E é o suficiente. E meio segundo é suficiente para mostrar esse milagre.
Por Laura Teixeira