Prof. Dr. Cleomar Rocha possui graduação em Letras pela Faculdade de Educação Ciências e Letras de Iporá (1991) , especialização em Gestão Universitária pela Universidade Salvador (2000) , mestrado em Artes pela Universidade de Brasília (1997) e doutorado em Comunicação e Cultura Contemporânea pela Universidade Federal da Bahia (2004) . Atualmente é Membro de corpo editorial da Revista VIS (UnB), Membro de corpo editorial da COMA – Coletivo do Mestrado em Artes (UnB) e Professor Adjunto da Universidade Federal de Goiás. Tem experiência na área de Artes , com ênfase em Arte e Tecnologia da Imagem. Atuando principalmente nos seguintes temas: Arte tecnológica, Estética, Poética.
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As tecnologias da comunicação e da informação marcaram indelevelmente o século XX, promovendo uma das mais acentuadas transformações de todos os tempos, em se tratando de cultura e comportamento. Se por um lado a modelização dos devires – o campo do virtual – acentuou a condição simbólica da cultura humana, por outro trouxe vários questionamentos desta condição, fazendo emergir toda a sorte de posições em um contexto de ora denominado pós-moderno, moderno tardio, neobarroco e tantos outros que evidenciam mais características de hibridização, com as tensões que são próprias deste tipo de aproximação, que efetivamente distinções conceituais profundas. Neste sentido, as divergências são mais de ordem semântica que conceitual, tendo vários pontos de interseção entre as correntes teóricas que se debruçam sobre tal problema.
Independentemente das polêmicas de nominação e caracterização da contemporaneidade, o fato é que desde a invenção de Turing, passando pelas contribuições de Vannevar Bush e Theodor Nelson, e as invenções de Douglas Engelbart e Alan Kay, o mundo não é o mesmo.
E a base desta revolução se fez a partir de alguns pontos básicos, como a ampliação do escopo simbólico; a concepção do virtual nas mídias interativas; o desenvolvimento da matriz discreta – digital – das informações e seus cruzamentos como hipertexto.
A partir daí decorre uma série de mudanças nos campos do conhecimento e da cultura em geral. A Arte, como carro-chefe das transformações culturais, é reinventada neste contexto, com o surgimento da tendência tecnológica da arte contemporânea em desdobramentos e articulações das artes cinética.
No campo estético, a tendência tecnológica da arte se filia às discussões vindas da área de comunicação, nas chamadas estéticas comunicacionais, de cunho objetivista, observando a matriz da Estética Racional de Birkhoff, a Estética Informacional de Bense e Moles e a Estética Cibernética de Franke e Frank . O desenvolvimento do pensamento inclusivista da segunda metade do século passado faz a roda girar, ampliando as noções de estética e de poética, que passam a considerar o interator como figura imprescindível para a obra ser, em um fluxo de subjetividades que aponta um deslocamento do ponto a ser observado com maior vagar: do objeto estético – tornado aberto estruturalmente – para as sensações estéticas, com boa carga de interesse na Estética da Recepção.
Os trabalhos de arte desafiam a técnica computacional em jogos simbólicos novos, sem perder o vínculo com sua base: o legado da História e a formação da cultura. Assim o é quando Jeffrey Shaw apresenta o seu Bezerro de Ouro, ou sua Legible City; ou quando Gilbertto Prado cria seu Desertesejo. A auto-referencialidade também se faz presente, como em Text Rain, Op_Era, ou nas pesquisas do Centro IAMAS, Fraunhofer Institut, ZKM ou mesmo em projetos comerciais, como Surface, da Microsoft.
De um modo e de outro, as tecnologias da comunicação e da informação mudaram a cara do mundo, e tudo indica que é apenas o início de tudo.
Turing, Bush e Nelson.
O desenvolvimento tecnológico é vinculado, normalmente, ao desenvolvimento computacional. Isso ocorre em função das profundas transformações ocorridas na sociedade em função da tecnologia computacional, de modo que não é incomum pessoas confundirem tecnologia, em seu sentido amplo, com tecnologia computacional, e estas com a técnica. De fato, grande parte do desenvolvimento tecnológico da segunda metade do século passado deveu-se ao desenvolvimento de técnicas computacionais que revolucionaram mercados, sociedades e teorias. Mas de modo algum a tecnologia, entendida enquanto cultura e conhecimento, se restringe ao desenvolvimento computacional, ainda que muitas vezes derive deste. Muito salutar, neste sentido, é enxergar os primórdios da tecnologia computacional que situa seu aparecimento em bases teóricas muitas vezes não levada a cabo naquele momento, sendo antes conjecturas imaginativas, tecnologia, e não técnica computacional.
Considerado o pai da ciência da computação, Alan Mathison Turing publicou o artigo On Computable Numbers, with an application on the Entscheidungsproblem em novembro de 1936, aos 24 anos de idade, em um jornal de matemática. Ele descrevia procedimentos que conduziriam ao desenvolvimento da área tecnológica computacional, procedimentos estes que diziam respeito a uma máquina que simularia os processos humanos de conhecimento.
Em seu artigo, Turing descreveu em termos matematicamente precisos como um sistema formal automático pode ser poderoso tendo regras operacionais muito simples. “A máquina teórica de Turing era tanto um exemplo da sua teoria da computação como uma prova de que certos tipos de máquinas computacionais poderiam, de fato, serem construídas” (MÁQUINA DE TURING, 2004). De fato, o autor considerou que os números eram elementos mais importantes como símbolos do que como elementos de cálculo. Com base nessa premissa, descreveu uma máquina que processava símbolos provando que sua hipotética máquina é uma versão automatizada de um sistema formal especificado por uma combinação inicial de símbolos e regras. O sistema descrito por Turing tornou-se conhecido como Máquinas de Turing Universais, ou simplesmente Máquina de Turing.
A descrição teórica de Turing, e mesmo a solução encontrada, que se vale de números tidos como símbolos – como o 0 e 1 -, indicam um caminho que não obstante o fato de obedecer a lógica matemática, contém a dimensão cognitiva humana na validação do código simbólico. Nascia assim a moderna computação, não em um laboratório ou um grande evento de informática, mas nas páginas de um jornal, em descrições teóricas de uma hipotética máquina.
Já em 1945, o cientista militar norte-americano Vannevar Bush escreveu um ensaio chamado As We May Think, no qual descrevia um processador de informação teórico denominado Memex, que permitia ao usuário criar elos entre as informações em um grande banco de dados. Memex seria uma máquina de aproximadamente dois metros cúbicos, dotada de alto-falantes e telas, tendo em seu interior microfilmes com as informações que poderiam ser vistas e ouvidas. Seria possível, assim, criar elos entre as informações tidas ali de modo que a cada sessão de pesquisa seria possível saltar de uma informação à outra, a partir das relações que cada pessoa tivesse criado em seu Memex. Nascia a idéia de não linearidade na ordenação de informações.
Bush estava pesquisando o funcionamento do cérebro quando se deparou com uma questão: o modo natural de armazenamento de informações não é linear como são organizadas as bases de dados, os processos de catalogação de informações. Desse modo, e observando a quantidade de informação existente, propôs uma máquina capaz de simular o modo natural de ordenamento mental de informações, o não-linear: nascia o Memex.
O somatório da experiência humana está sendo expandido numa razão prodigiosa, e os meios que usamos para avançar através da confusão até a informação momentaneamente importante são os mesmos que eram usados na época das embarcações de vela redonda (BUSH, 1945).
Memex seria uma lancha veloz no universo da informação, um misto de máquina de microfilmagem e computador.
As proposições de Vannevar Bush quanto ao Memex não se tornaram concretas, entretanto, seu modelo de construção de “trilhas” que ligavam informações são o fundamento para o link, para o hipertexto. Para Bush, o Memex não seria similar a uma biblioteca, com suas prateleiras apropriadamente classificadas, mas um mundo onde fervilham associações, mesclas e continuidades, conectadas por trilhas individuais. Antes de pensar o Memex enquanto um aparato técnico de armazenamento de informações, Bush descreveu uma visão literária do mundo.
Nos anos da década de 1960 um outro pesquisador deu continuidade às pesquisas de não-linearidade propostas por Bush. O pesquisador Theodor Nelson trabalhava no projeto Xanadu quando criou o termo hipertexto, “querendo exprimir a idéia de escrita/leitura não linear em ambiente de informática” (LÉVY, 1993, 29). Xanadu seria uma rede mundial de computadores que disponibilizaria toda a informação produzida no mundo, para qualquer parte do mundo através de rede de computadores. Seria a Biblioteca de Alexandria do mundo moderno. A base de construção dessa imensa rede seria a implantação do hipertexto, sistema de links que ligam informações criando elos associativos, de modo a obter várias modalidades de associação de informações. Xanadu jamais veio a ser montado, mas sua essência sustenta hoje a Internet, a rede mundial de computadores, que se organiza nos moldes do hipertexto.
Vê-se, com os apontamentos feitos até aqui, que o desenvolvimento computacional teve seu nascedouro em modelos teóricos de linguagem sustentados por modelos matemáticos, mas, que definitivamente, não se criaram a partir de técnicas, mas antes as técnicas foram criadas a partir de idéias, conceitos, estes sim os fundamentos tecnológicos da cultura contemporânea. E se os estudos de Turing, Bush e Nelson foram mais objetivos enquanto ferramentas computacionais, outras foram as contribuições que alicerçam o imaginário tecnológico computacional.
Sutherland, Engelbart, Kay.
A criação do computador não eliminou os problemas a serem resolvidos por ele; antes, criou uma área de pesquisa, de interesse, tanto em aplicações específicas dessa máquina quanto no contato homem/computador.
A relação travada entre homem/computador diz de questões várias, que se organizam em matrizes cognitivas e ergonômicas. No conjunto, o centro das discussões aponta para a interface, ou interfaces, que requerem processos cognitivos ao tratar de linguagens distintas, e modos de inserção e retirada de informações, inputs e outputs. A interface agencia linguagens, tornando sensível a linguagem da máquina para o usuário e do usuário para a máquina. Neste contexto, a interface governa uma relação semântica entre usuário e sistema, caracterizada por significado e expressão, ultrapassando o esforço físico. Mas como tudo, a própria interface teve sua história.
Em 1968, no San Francisco Civic Auditorium, o norte-americano Douglas Engelbart apresentou o que viria a ser um passo decisivo para a área computacional. Antes de Engelbart, alguns pioneiros haviam feito experiências com visores gráficos, como Ivan Sutherland, que desenvolveu um programa chamado Sketchpad, que gerava polígonos rudimentares em telas manchadas, carregadas de pixels. Todavia, tais experiências propunham resolver o problema de como o computador poderia desenhar coisas na tela, como levar a máquina além da simples exibição de caracteres. Não havia a preocupação trazida por Engelbart: de traduzir toda a informação digital em linguagem visual. Esse problema mostrou-se a grande busca de Engelbart consumindo-o por quase duas décadas, desde que tivera contato com o ensaio de Vannevar Bush, sobre o Memex. Nascia com Engelbart, em 1968, a interface gráfica computacional, o que o faz merecer o título de “pai da interface contemporânea” (JOHNSON, 2001, 17).
A concepção do espaço-informação de Engelbart foi a base para o desenvolvimento da interface.
Havia, antes de qualquer coisa, a idéia maravilhosa do mapeamento de bits (tecnicamente refinada pelos idealizadores do Xerox Parc nos anos seguintes). A própria palavra sugeria uma improvável aliança de cartografia e código binário, um guia do explorador para a nova fronteira da informação. Cada pixel na tela do computador era referido a um pequeno naco da memória do computador: numa tela simples, preto-e-branco, esse naco seria um único bit, um 0 ou 1; se o pixel fosse iluminado, o valor do bit seria 1; se ficasse escuro, seu valor era 0. Em outras palavras, o computador imaginava a tela como uma grade de pixels, um espaço bidimensional. Os dados, pela primeira vez, teriam uma localização física – ou melhor, uma localização física e uma localização virtual: os elétrons em vaivém pelo processador e sua imagem espelhada na tela (JOHNSON, 2001, 21).
Aliado ao conceito de espaço-informação, Engelbart investiu no princípio da manipulação direta, de modo que o usuário pudesse manipular arquivos a partir desse recurso ao invés de indicar ao computador que o fizesse. A manipulação direta se daria por duas ferramentas apresentadas pelo pesquisador: um engenhoso substituto para o teclado que usava um sistema de acordes que, acionados simultaneamente, representavam uma função específica na tela, e uma outra ferramenta que desenvolveu todo um mercado, embora levasse mais de uma década para adquirir sua forma conhecida: o mouse. Se o primeiro invento foi descartado por exigir um aprendizado completo de manipulação, o segundo trazia o conceito-chave do universo virtual tecnológico: o duplo. “Como na encarnação atual, o mouse de Engelbart fazia o papel de representante do usuário no espaço de dados” (JOHNSON, 2001, 22). O software coordenava a ação dos movimentos da mão do usuário e os relacionavam com o ponteiro na tela, resultando na percepção de que o ponteiro era o próprio mouse. “O ponteiro correndo pela tela era o doppelgänger, o duplo virtual do usuário” (JOHNSON, 2001, 22).
Juntos, o espaço-informação – infoespaço – mapeado por bits, a manipulação direta e o mouse, fizeram da demonstração de Engelbart um marco para a tecnologia computacional, alterando não apenas a forma de dialogar com a máquina, mas fundamentalmente alterando a concepção de máquina, antes tida enquanto extensão do corpo humano, e a partir dali enquanto espaço, ambiente a ser explorado. Deriva daí, aponta Johnson (2001), a maior parte do vocabulário high tech de hoje: ciberespaço, surfar, navegar, rede, desktops, janelas, arrastar, soltar, apontar-e-clicar.
A partir da demonstração de Engelbart, um jovem pesquisador chamado Alan Kay desenvolveu a implementação de janelas, no Stanford Research Institute (SRI). A invenção de Kay trazia como novidade a possibilidade de sobrepor janelas, criando uma metáfora da escrivaninha de trabalho, em que os papéis que estivessem sendo trabalhados ficam por sobre os demais. De modo análogo, Kay desenvolveu a metáfora do desktop, em que janelas eram sobreponíveis. “Engelbart e Sutherland haviam dotado o computador digital de espaço; as janelas sobreponíveis de Kay lhe deram profundidade”, escreve Johnson (2001,39).
Antes, contudo, de o desktop de Kay ser uma metáfora visual da escrivaninha, era mais uma maneira de explicar por que algumas janelas apareciam em determinado instante indisponíveis, sobrepostas por outras. Não era de modo algum uma relação icônica da escrivaninha do mundo “real”, do mesmo modo que o mouse de Engelbart não pretendera se parecer com o pequeno roedor. Contudo, foram precisos anos de pesquisa para que o invento de Kay se tornasse concreto no então caro sistema computacional Xerox Star, que continha o sistema operacional Smalltalk, um grande fracasso do início da década de 1980. Foi com Steve Jobs, um jovem homem de negócios que, vendo o Smalltalk durante uma visita às instalações do Xerox PARC, enxergou ali o que estava buscando: a próxima grande inovação. Jobs, um dos fundadores da Apple Computer, lançou dois anos após uma interface desktop no modelo Lisa, que além de caro era deficiente, jamais conseguindo mercado. Contudo, no ano seguinte, a Apple lançou o Macintosh, “com uma metáfora do desktop inventiva, fascinante, que introduziu na imaginação popular quase todos os elementos da interface atual: menus, ícones, pastas, lixeiras” (JOHNSON, 2001, 41). O desktop de Kay encontrou sua forma no Macintosh, fazendo escola e tornando-se padrão das interfaces gráficas computacionais contemporâneas.
O computador é um meio de comunicação! Eu sempre tinha pensado nele como uma ferramenta, talvez um veículo – uma concepção muito mais fraca … Se o computador pessoal [era] um meio verdadeiramente novo, o próprio uso dele iria realmente mudar os padrões de pensamento de uma geração inteira (KAY apud JOHNSON, 2001, 41).
Esta foi a lição principal aprendida por Kay com Os meios de comunicação como extensões do homem, de Marshall McLuhan.
A base do desenvolvimento da interface foi e continua a ser a metáfora, relações semânticas, ainda que não haja necessariamente uma preocupação icônica com seus similares físicos, atualizados. Sutherland, Engelbart, Kay e Jobs protagonizam a parte mais importante da história da interface, e o fazem com preocupações claramente semânticas, buscando em referências do mundo natural a chave para a comunicação homem – computador.
Estéticas
O pensamento estético sempre esteve debruçado na Filosofia, definido no seio desta. Contudo, a compreensão do fenômeno comunicacional a partir da teoria de Claude Shannon e Warren Weaver trouxe, de modo mais intenso, a busca por teorias estéticas pautadas pela objetividade, preferencialmente passíveis de matematização, seja estatística ou por outros processos. De sorte que neste ínterim surgiu o que se pode considerar uma teoria objetiva, racionalista e matemática, desenvolvida pelo matemático norte-americano George David Birkhoff: a Estética Racional.
Birkhoff propõe uma fórmula como medida estética, em seu estudo sobre Aesthetic Measure (1933), em uma obsessão por encontrar regras objetivas de valorização estética da obra de arte. Sua fórmula ME = O / C considera como “O” a medida de ordem e “C” a medida da complexidade, de modo que quanto mais complexa for a representação, maior será seu valor estético; quanto maiores são as relações de ordem na obra, menor será seu valor estético (GIANNETTI, 2002, 33; BENSE, 1975, 106). Birkhoff busca um padrão objetivo para mensurar o valor estético da obra, contrapondo à modelos estéticos da tradição romântica. Para tal sua proposta distingue claramente conteúdo e continente, colocando em suspenso o conteúdo, e se ocupando sistematicamente do continente. Neste sentido a Estética Racional de Birkhoff funda-se na materialidade da obra, sendo, portanto, uma concepção material do estético (BENSE, 1975, 107).
Para Birkhoff, la cantidad de información es una expresión de la complejidad de un mensaje. La complejidad, como un valor cuantificable vinculado al mensaje, constituye, según Birkhoff, una de las grandezas objetivas esenciales de la percepción. (GIANNETTI, 2002, 34)*
O sentido em que Birkhoff funda seu quociente ME = O / C é, segundo Bense (1975), tipicamente macroestético, ao se definir por padrões totais estabelecidos, de cunho perceptível, consistindo em um aspecto típico acessível teórico-perceptivelmente de um objeto artístico (BENSE, 1975, 118).
Para Bense, pode-se considerar o produto artístico, chamado estado estético, de modo macroestético ou microestético. Ao macroestético corresponde “uma totalidade singular realizada, cujo caráter dado estrutural ou configurativo, objetivo e fenomenológico, é percebido independentemente dos passos construtivos de sua montagem” (1975. 102). É neste sentido que se define a Estética Racional de Birkhoff. Já a microestética é tida a partir de “um supersigno constituído de signos individuais, que é, como tal, uma formação dependente de repertório e estatística” (1975, 102).
Enquanto crítica ao quociente de Birkhoff, Bense aponta certa arbitrariedade dependente de uma subjetividade e de uma objetividade limitadas. Dependente da subjetividade por adotar padrões da arte tradicional, pré-estabelecidos. Da objetividade por Birkhoff utilizar uma avaliação numérica para cada um dos fatores de ordem em suas fórmulas, figurando-se arbitrária em sua aplicação. Giannetti (2002) também aponta sua crítica às limitações de aplicação do quociente de Birkhoff, ampliando-a as estéticas racionais que reduzem a estética a uma valoração absolutamente racional e numérica – informação como valor quantitativo – da obra, negando a ela a experiência estética, chamada por Bense de sensações estéticas.
Em função das críticas de Bense ao quociente de Birkhoff, o próprio Bense propõe uma abordagem distinta, conhecida como Estética Informacional, – termo criado por Bense e empregado pela primeira vez em sua conferência sobre “Estética Moderna”, em 1957, na Technische Hockschule de Stuttgart, e em seu livro Aesthetica III – e defendida também por Abraham Moles. Embora ainda centrada no modelo racional, Bense argumenta que sua abordagem sustenta uma microestética ao abordar o estado estético por um aspecto tipicamente teórico-constitucional. A estética informacional, sustenta Moles, “admite que toda a expressão artística é um fenômeno de comunicação” (1990, 15).
A medida estética passa da função ME = f (O / C) para a função Me = f (R / H), onde Me é a medida de seleção, R a redundância (podendo ser designada como ordem estatística) e H como complexidade estatística. Bense introduz a preocupação com o repertório material (e semantema) a partir do qual se cria o objeto artístico. Com isso traz à causa o processo artístico, a produção, a invenção e a realização do próprio estado estético. “O objeto artístico, ou seja, o seu estado estético surge, portanto, microesteticamente, como inserido em um esquema de comunicação criativa, no qual se deve interpretar o repertório como expedidor e o objeto como receptor” (1975, 124), argumenta Bense.
De fato Bense amplia o modelo de Birkhoff ao introduzir novos conhecimentos sobre a teoria da informação, a semiótica e a filosofia. Sua teoria, caracterizada não mais pela complexidade, mas pela entropia, estabelece os modelos de ordem, caos, estrutura e gestalt, conhecidos na macroestética por mistura, simetria e forma, como repertório, padrão e configuração:
Macroestado
(complexidade) |
Modelos de Ordem | Microestado
(entropia) |
Mistura | Caos
(simbólico) |
Repertório |
Simetria | Estrutura
(icônico) |
Padrão |
Forma | Gestalt
(indicial) |
Configuração |
Fonte: BENSE, 1975, 118.
Segundo Giannetti (2002), Bense aponta quatro processos essenciais para a síntese estética: o semiótico (no estudo do signo), o métrico (como um princípio de conformação, empregando parâmetros como distância, longitude, quantidade, etc., para definir uma estrutura global – macroestética – que se materializa na gestalt, a figura, a forma da obra), o estatístico (criando estruturas locais ou uma espécie de microestética) e o topológico (baseado em um princípio relacional, apontando para as variações que podem ser realizadas sobre uma determinada figura), que busca um modelo de valorização estética do trabalho artístico, baseado na análise estatística da obra, implicando, necessariamente, em eleger regras objetivas, regras notadamente vindas da Teoria da Informação e da Semiótica peirceana de abordagem, mantendo o observador ainda em segundo plano. Não obstante o fato de o observador ainda estar, nesta teoria estética, relegado a um segundo plano, a eleição de processos informacionais como mediador do valor estético elege um receptor modelo, também chamado de intrínseco, interno ou implicado, baseado em processos objetivos de significação. Significação enquanto ação de significar, ato em processo, não finalizado, processual, portanto, oriundos da Teoria da Informação – Shannon, Wiener, entre outros (GIANNETTI, 2002, 35).
É certo que Bense busca o alicerce matemático do quociente de Birkhoff, como também é certo que se vê envolvido pelas teorias semióticas de Charles Sanders Peirce. Sua contribuição, aliás, deve-se mais ao acréscimo principalmente da semiótica do que à fuga da rigidez matemática, mantida em sua própria teoria estética, também chamada por Abraham Moles, parceiro da teoria, de Teoria Estrutural da Obra de Arte (MOLES, 1990).
A Estética Informacional mantém a visão reducionista do modelo racional e numérico (a informação enquanto valor quantitativo) da obra, restringindo seu interesse na mensagem. O próprio Moles afirma que a Estética Informacional se origina da ciência da comunicação técnica das mensagens (telefonia, telégrafo) e conserva a separação entre o continente e o conteúdo (sentido, emoção estética), em proveito exclusivo do continente (a embalagem, os sinais, a codificação) (1990, 15).
Essa redução acaba por negar a experiência estética, “un possible valor gnoseológico” (GIANNETTI, 2002, 55) e, ainda, dificulta o processo de comunicação aberta e fluida. Para Giannetti, “el tipo de estructura de comunicación propuesta por Bense asume un carácter secuencial, unidireccional y reduccionista” (2002, 55).
Bense (1975) lembra ainda da estética gerativa, atrelada à orientação da Estética Informacional, que consegue alguns resultados nos EUA e Alemanha, concebida a partir de “uma teoria matemático-tecnológica da transformação de um repertório em diretivas, das diretivas em procedimentos e dos procedimentos em realizações” (1975, 137). Por esta teoria, cabe a um programa – software dotado de programação para seleção aleatória de elementos signos, sejam visuais ou sonoros – gerar um estado estético, segundo orientações previstas e um repertório dado. O programa “age como um autômato, isto é, com equivalência e exatidão programadas” (BENSE, 1975, 137). Certamente o modelo, concebido em 1965 por Bense, embora pretendesse ser “a suma totalizadora de todas as operações, regras e teoremas, que, aplicados a um repertório de elementos materiais manipuláveis, pudessem criar neste, consciente e metòdicamente, estados estéticos” (1975, 135), não encontrou os ecos pretendidos. Antes, sucumbiu-se a novas orientações estéticas, ainda que derivadas também da Estética Informacional.
O passo seguinte para a pesquisa estética que alia Arte, comunicação e tecnologia viria a ser a Estética Cibernética, desenvolvida por seguidores de Max Bense e Abraham Moles, ao longo das décadas de 60 e 70. Helmar Frank e Herbert W. Franke buscaram sintetizar as teorias de Bense e Moles em uma Estética Informacional com orientação psicológica. Para distinguir as novas orientações teóricas do modelo de Bense, Franke propõe o termo Estética Cibernética.
Cibernética foi o termo utilizado por Norbert Wiener para denominar “o campo do controle e da teoria da comunicação, seja na máquina ou no animal” (WIENER, 1993,11), no livro Cibernética, publicado em 1948. Em outras palavras, de pensamento puramente instrumental, cibernética é “a arte de tornar a ação eficaz” (COUFFIGNAL, 1964, apud EPSTEIN, 1986, 10). O próprio Wiener admite ter sabido posteriormente do uso anterior do termo:
Descobri casualmente, mais tarde, que a palavra já havia sido usada por Ampère com referência à ciência política e que fôra inserida em outro contexto por um cientista polonês; ambos os usos datavam dos primórdios do século XIX (WIENER, 1993, 15).
Não obstante o fato de Wiener não inaugurar o termo, que deriva da palavra grega Kubernetes, ou “piloto” – da mesma raiz da qual deriva governador -, foi ele quem sistematizou, enquanto campo de pesquisa, a Cibernética, que tem por propósito “desenvolver uma linguagem e técnicas que nos capacitem, de fato, a haver-nos com o problema do controle e da comunicação em geral, e a descobrir o repertório de técnicas e idéias adequadas para classificar-lhe as manifestações específicas sob a rubrica de certos conceitos” (WIENER, 1993, 17).
O empenho da Cibernética é de dominação da entropia, entendida como uma medida de desorganização, enquanto a informação conduzida por um grupo de mensagens é uma medida de organização. Neste ínterim, Wiener faz referência a teoria da entropia, de Willard Gibbs.
A estética Cibernética de Frank e Franke busca esta relação tratada entre homem/sistema trazendo as idéias de Abraham Moles, que instituía o receptor como agente, e não paciente, da ação comunicativa da estética. “Rectifican, aí, el lapsus de la teoría de Bense respecto a la omissión de la función partícipe del receptor com relación a la obra de arte.” (GIANNETTI, 2002,043). Helmar Frank e Herbert Franke consideram, nesta medida, a corrente humanista da Cibernética, fundada por Hermann Schmidt, e que defende que os estados ou circunstâncias subjetivas constituem a temática científica original da Cibernética Antropológica e Humana.
O artista deveria, segundo Frank, desenvolver seu trabalho observando vários estratos – Mehrebenenmodell -, de modo a permitir que o espectador possa dedicar-se a eles em fases posteriores do processo de assimilação. Essa prática é requerida em função da complexidade da própria teoria estética que se envolve não apenas com os estados estéticos, já amplamente discutidos por Bense, mas também com as sensações estéticas, o que coloca o espectador no bojo da discussão. Importa, para a Estética Cibernética, a observação das especificidades dos próprios sistemas maquínicos – que trazem novos elementos que não os plásticos, como a matemática, a lógica, a engenharia e a ciência – e a inter-relação entre Arte, ciência e técnica.
Ao publicar, em 1967, o primeiro manual sobre a Estética Informacional, Herbert W. Franke aponta os conceitos da Estética Cibernética que, como já mencionado, contribui significativamente para fazer ver os desacertos da Estética Informacional, que, ao restringir-se a modelos totalmente quantificáveis e racionais dos objetos estéticos, tornou-se um programa estético utópico. De outro modo, a Estética Cibernética faz avançar significativamente para o modelo participativo do espectador, notadamente ao falar sobre “sistemas interativos” que por si coloca o público enquanto parte da obra, na forma de sua participação. Aqui, além dos objetos estéticos – ou estados estéticos – faz-se ver a dimensão incomensurável da experiência vivida pelo espectador nos processos de percepção e compreensão da obra, omitidos pelas teorias de Birkhoff e Bense.
Vários outros programas estéticos são estudados a partir de então, baseados principalmente em Bense, Moles e na Estética Cibernética. Cresce o interesse pela percepção e pela participação do espectador, gerando propostas não apenas na vertente tecnológica, mas fora dela. A participação do espectador na obra sustenta toda uma corrente poética chamada participacionista, cujo interesse se acentua nos estudos estéticos.
[1] Para Birkhoff, a quantidade de informação é uma expressão da complexidade de uma mensagem. A complexidade, com um valor quantificável vinculado à mensagem, constitui, segundo Birkhoff, uma das grandezas objetivas essenciais da percepção (T.A.).
Referências
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BIRKHOFF. George David. Matemáticas de la estética. Elementos, Puebla (México), numero 40,volumen 7, Diciembre-2000 /Febrero 2001.
BUSH, Vannevar. As we may think. Disponível em http://www.theatlantic.com/unbound/flashbks/computer/bushf.htm. Acesso em: 22 abr 2003.
EPSTEIN, Isaac. Cibernética. São Paulo: Ática, 1986. (Série Princípios)
GIANNETTI, Claudia. Estética Digital – sintopía del arte, la ciencia y la tecnología. Barcelona: Associació de Cultura Contemporània L´Angelot, 2002.
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PRADO, Gilbertto. Desertesejo: um projeto artístico de ambiente virtual multiusuário na internet. In: Cadernos da Pós-Graduação. Instituto de Artes / UNICAMP, Campinas, SP. Ano 4 – Volume 4 – n. 1. 2000. p. 40-53.
ROCHA, Cleomar. Da imanência ao inacabado: estéticas comunicacionais e interatividade na arte tecnológica. Tese de doutoramento defendida na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Salvador: UFBA, 2004.
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TAVARES, Monica. A Recepção no Contexto das Poéticas Interativas. Tese de doutoramento defendida na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. São Paulo: USP, 2000.
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