Festival De Curtas da Kinoforum 2013

*Por Henrique Rodrigues Marques

curta kinoforum

Minha primeira experiência com o Festival de Curtas da Kinoforum remonta ao ano de 2009. Último ano de ensino médio, gastava meu tempo livre indo as mostras e festivais que aconteciam em São Paulo ao invés de estudar para o vestibular. No auge dos meus 17 anos, o formato curta-metragem para mim era apenas um prelúdio para se fazer longas, uma espécie de treinamento para quem queria fazer cinema, algo que não passava de um período de transição. Sendo assim, fui ao festival atraído apenas por ser um evento absolutamente gratuito, e que toma conta de boa parte das salas de exibição do circuito alternativo da cidade. Agora, cinco anos depois, vejo que o festival cumpriu um papel educador fundamental na minha formação. Foi durante esses dias de agosto que eu tive o privilégio de ver ótimas produções, como o criativo Recife Frio de Kléber Mendonça Filho, o delicado Bailão de Marcelo Caetano e o simpático Eu Não Quero Voltar Sozinho, de Daniel Ribeiro. Descobri as inúmeras possibilidades do formato e desde então o festival é parte indispensável do meu calendário.

Como de costume, as sessões especiais entraram na minha lista de prioridades durante o festival. É aqui que se encontra o material mais rico do festival, debatendo questões sociais importantes através dos olhares propostos pelo cinema. Em 2013, graças a uma parceria com o Festival Curta Oito de Curitiba, o público pode conferir as deliciosas sessões do Cinema de Desbunde e a Tomada Única, compostas apenas por filmes feitos em Super 8. No primeiro, o foco era a produção feita no Brasil durante a década de 70, período em que o Super 8 e o desbunde serviam como potentes armas de protesto: o caráter caseiro da charmosa câmera possibilitava uma liberdade de discurso ímpar. Levando em conta as manifestações que contaminaram o Brasil durante os meses de junho e julho, o resgate desses vídeos se torna muito pertinente e transcende o mero saudosismo. Se o protesto utilizando-se de mídias independentes já acontecia de forma tão potente ha décadas atrás, ele deveria ser ainda mais presente nos tempos atuais, em que todo mundo tem um celular para dizer o que bem entender. E é por meio dessa reflexão que chegamos ao interessante exercício proposto pela sessão Tomada Única: oito artistas foram convidados a criar um vídeo de 3 minutos de duração utilizando uma câmera Super 8 e limitados a editar na própria. Mas se o formato era anacrônico, as questões retratadas pelos autores eram imensamente atuais e urgentes. Ocupação da cidade, expressão sexual, crítica política e outras coisas que eles não querem que pensemos sobre fizeram parte do maravilhoso Panorama.

Com uma outra abordagem, mas com temáticas igualmente importantes, tivemos o Programa Estado Critico – direitos humanos e suas representações, que exibiu documentários e ficções da produção recente nacional e contou com a participação de debates com personalidades como o jornalista Leonardo Sakamoto. Os curtas tinham em comum a utilização do audiovisual enquanto meu de revelar situações e difundir informações. Em um dos debates, Sakamoto levantou pontos interessantes dessas produções. “Em todas elas o personagem marginalizado não está colocado como vítima. O problema não é a condição, este é imposto por terceiros”, afirmou.

Outra parceria digna de destaque nessa edição, foi a estabelecida com o festival argentino Libercine, composto por filmes latino americanos que discutem questões de gênero e sexualidade, incentivando e reconhecendo o uso do audiovisual como arma de luta por

igualdade e mudanças sociais. No Kinoforum, o festival vem com um panorama de curtas que mais se destacaram ao longa da história do Libercine, incluindo os brasileiros Na Sua Companhia, de Marcelo Caetano e Além das Sete Cores de Camila Biau.

Além dos programas já citados, ocorreram também mostras voltadas para o público infantil, a sessão Dark Side que apresentou “um cinema de terror legitimamente brasileiro” , como afirma Rodrigo Aragão, curador desse segmento; uma bela homenagem ao cineasta Raulino, que faleceu alguns meses antes do festival; o programa Cinema em Curso que debate a produção audiovisual universitária; o Black Brasil, que homenageou o diretor Zózimo Bulbul, tido como pai do cinema negro brasileiro; e uma seleção com curadoria do inusitado cineclube Cachaça Cinema Clube.

Mas dentre a vasta programação, que me é tão familiar após cinco anos acompanhando o festival, este ano pude usufruir de novas possibilidades oferecidas por ele. Pela primeira vez participei de uma das várias oficinas propostas na programação, a “Crítica Curta”, voltada para estudantes de audiovisual de São Paulo. A oficina, que este ano foi orientada pelo crítico Heitor Augusto, visava fomentar a reflexão e a discussão acerca da produção de curta-metragens contemporânea, com um foco especial a produção nacional e internacional. O exercício do debate em si não é nenhuma novidade dentro do festival, já que é praticamente impossível, entre uma sessão e outra, não debater e trocar figurinhas com os muitos cinéfilos que frequentam o evento, e até mesmo os muitos realizadores que comparecem ao festival e sempre ficam para um bate-papo após as exibições. Mas pela primeira vez notei como essa overdose de narrativas acaba prejudicando o entendimento e a reflexão sobre as mesmas. Cada sessão apresenta em média 5 produções, e eu chegava a ver por dia 3 ou 4 exibições, totalizando em média 15 curtas por dia, chegando a mais de cem curtas até o fim do evento, que dura apenas 8 dias. Esse número representa mais de 90% da produção de curta-metragens que eu vejo no ano, todos concentrados em pouco mais de uma semana. De forma alguma levanto essa reflexão para criticar o festival, procuro fazer exatamente o contrário. Procuro criticar a maneira como consumimos esse tipo de produto. Eventos como o Festival Kinoforum deviam servir como incentivo para que o formato ganhe mais espaço, e não a responsabilidade de suprir todo o setor. O festival cumpre muito bem a tarefa de difundir a produção audiovisual em curta metragem, levando ao grande público, através sessões em ongs e centros educacionais unificados (CEU) e até mesmo uma colaboração com o Canal Brasil, que acrescenta a sua programação curtas que se destacaram durante o evento. O Kinoforum faz muito para manter viva a propagação dessas obras, mas isso ainda é pouco. Porque curta é material de qualidade e merece ser consumido o ano todo. Eu aprendi isso e espero que o Brasil também aprenda.

* Henrique Rodrigues Marques é estudante de Imagem e Som na Universidade Federal de São Carlos e editor da RUA.

Author Image

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

More Posts

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

Deixe uma resposta