Festival Universitário de Cinema e Vídeo de Curitiba – PUTZ

Mudanças na definição das categorias apresentadas na sétima edição do PUTZ, Festival Universitário de Cinema e Vídeo de Curitiba, aliadas à maior abrangência de obras recebidas, contribuíram para que o evento finalmente se tornasse, de certa forma, uma celebração autenticamente audiovisual. A abolição de grupamentos como Ficção, Documentário, Experimental, Publicitário, Institucional e Reportagem, presentes nos festivais anteriores, favorece todo o conjunto de filmes, caso aponte para a unificação dos critérios direcionados a cada uma destas estirpes cinematográficas.

Noite de abertura –Teatro do HSBC
Noite de abertura –Teatro do HSBC

Desenvolveu-se assim a divisão da Mostra Oficial em três modalidades: Narrativas, reunindo as obras que, direta ou indiretamente, contém a elaboração de uma história; A Imagem e Seus Procedimentos, nos quais os próprios dispositivos de manifestação imagética constituem o material a ser explorado; e Juventude, que diferentemente das duas anteriores, apoia-se num conceito temático para coletivizar os trabalhos. Paralelamente à estas exibições, ocorreram Mostras Especiais de outros festivais (Perro Loco, Curta Santos, Videvídeo, Rec), Informativas (de filmes não selecionados para a Oficial mas considerados relevantes para exibição) e duas Competitivas, com jurados diferentes (Videoclipe e Trash). As premiações da Mostra principal ocorreram mediante as avaliações de um Júri Oficial (formado por Cássio Starling Carlos, Pedro Plaza, Rodrigo Bouillet e Tatiana Monassa), um Júri Jovem (composto por alunos do curso profissionalizante em Produção Audiovisual do Colégio Estadual do Paraná) e um inaugural Júri Universitário (do qual fiz parte, selecionado através de um concurso de críticas).

Guilherme de Almeida Prado fala sobre seu filme,” Onde Andará Dulce Veiga?”
Guilherme de Almeida Prado fala sobre seu filme,” Onde Andará Dulce Veiga?”

Na sessão de abertura foi exibido o longa Onde Andará Dulce Veiga?, de Guilherme de Almeida Prado, seguido de uma conversa com o mesmo. Após a revelação de que o filme fora “detestado pela crítica em geral e ignorado pelo público“, feita pelo diretor, discutiu-se o anacronismo da obra dentro do cenário nacional, o pout-pourri proposital de gêneros utilizado para representar os anos 80 e a necessidade do final desconcertante. Nos dias seguintes, deu-se início às Mostras Competitivas Oficiais.

PROGRAMA NARRATIVAS

Fim de Semana Sim (Mirian Ritton Magami e Vinicius Toro), abrindo a Mostra Oficial, pode ser considerada a narrativa mais convencional dentre as selecionadas. É feliz ao retratar o amadurecimento de uma menina de 10 anos após humilhar um garoto com Síndrome de Down e ser repreendida, mas a metodologia empregada pareceu careta demais para despertar algum interesse no público. Efeito oposto ao do filme seguinte, O Muro (Diego Florentino), no qual a um caso bem mais simples (a bola de um garoto acidentalmente cai no quintal vizinho) é aplicada uma narrativa sofisticada; a relação que brota entre os garotos, uma provável amizade, é apenas sugerida, de modo delicado e nostálgico. E de Pernambuco vem Bode Movie (Taciano Valério), cuja caracterização naturalista da afeição de um homem que perde a vida protegendo um bode despertou repugnância e empatia.

O debate que veio a seguir com os realizadores presentes levantou indagações sobre caracteres comuns em quase todas as obras apresentadas: a fetichização do tempo morto (Olhares), a busca trôpega pela desdramatização (No Final do Mundo; Ano Zero), a escassez de diálogos. Tais aspectos parecem apontar as possíveis tendências dos futuros filmes nacionais, ainda que bem presentes em obras atuais. A relativa liberdade estética das produções universitárias renderia longas interessantes, avessos aos excessos dos dogmas oriundos da dramaturgia, tão persistentes no cenário brasileiro.

Também integram o Programa: No Noel, de Sabrina Greve; Olhares, de Evandro Scorsin; Ano Zero, de Lucas Baptista; e No Final do Mundo, de Gabriel Martins Alves)

PROGRAMA A IMAGEM E SEUS PROCEDIMENTOS

A utilização da câmera como dispositivo cênico integrado à narrativa e a expressividade sonora do diálogo num único plano-sequência renderam o prêmio de Melhor Filme para Fantasmas (André Novais Oliveira). A futilidade da conversa entre os dois personagens condiz com a banalidade do plano único, quase acessório, que só é alterado pela intervenção de um deles na própria câmera. Atinge seu mérito maior pela comicidade espontânea da situação criada, autenticação do prazer ao assisti-lo. Também premiado, como Melhor Narrativa, Elegia (Bárbara Felice e Tamíris Spinelli) justifica-se ao compor uma lógica de linearidade sem utilizar recursos discursivos. A experiência sensorial proposta baseia-se na manifestação de símbolos essencialmente metafísicos, de forma inteligível, através de artifícios sonoro-visuais.

E premiado duplamente pelos Júris Jovem e Universitário, além de agraciado por menção honrosa do Oficial, Avós (Michael Wahrmann) foi, provavelmente, o mais enaltecido filme do festival. O papel de personagem que a câmera adquire, ao ser posicionada nas mãos de uma criança, lança um olhar cativante sobre o universo ficcional criado e ameniza a compaixão sobre as tristonhas situações apresentadas. A abordagem inusitada sobre um tema fatigado (sobreviventes do Holocausto) causou comoção e Avós sobressaiu-se vitorioso.

Em debate, foi apontado o conflito entre objetivo e subjetivo presente em todas as obras exibidas, seja quando uma intrusão dramatúrgica do primeiro enfraquece a expressão do segundo (O Golpe do Espelho), seja no inverso (Situação Real; Visita), ou ainda quando ambos se tocam sem que nada resulte deste diálogo (Pela Janela; Memória a dois; A saudade é um filme sem fim). No confim da subjetividade distingui-se Deus (João Krefer), no qual um único plano de poucos segundos é repetido incessantemente durante quatro minutos. A perenidade da paisagem exibida e a longa duração servem como elementos sugestivos de um Deus apático e indolente; a música apenas aparentemente anuncia uma mudança (corte, movimento de câmera, inclusão de objetos no plano) que jamais ocorre. Porém, o ato meditativo que o filme parece planejar induzir no espectador termina por legitimar sua exibição numa sala de cinema, ao invés de uma galeria.

Também integram o Programa: Situação Real, de André Senna; Pela Janela, de Elisa Carareto e Marina Poema; Memória a dois, de Anderson Simão, Evandro Scorsin e Nuno Chinaglia Poli; O Golpe do Espelho, de Bernardo Almeida Turela; Visita, de Tamíris Spinelli; e A saudade é um filme sem fim, de Rafael de Almeida.

PROGRAMA JUVENTUDE

O último dia da Mostra Oficial expôs a temática da Juventude expressa de modos formalmente singulares. Premiado por Melhor Encenação, Romance Edmottês (Wellington Sari) é uma narração direta e cômica equilibrada pela presença imprescindível do diálogo, dos atores. Constrói um comentário contemplativo somente em sua cena final. Tal impressão particularmente ambígua se estabelece com certo êxito e o mesmo não ocorre quando a contemplação exige uma subsequente desmistificação explicativa (Por Uma Noite Apenas), ou é prejudicada pelo excesso de subterfúgios publicitários (E tu, quem és?), ou ainda invalidada por ingenuidade na composição e interação de elementos (É Ela…; O Último Dia; Sofá Verde). Já um filme como Bomba! (Lara Lima, Marcelo Lima e Renato Coelho) parece carecer de raison d’être se não concebido como paródia hermética, e desfrutável no caso contrário. Sobe, Sofia (André Mielnik), ainda que pareça em cada cena buscar a definição de um olhar ainda indeciso, não comete nenhum dos erros citados. Dispensa recursos didáticos para esclarecer o estado melancólico da protagonista, ainda que a exposição de sua classe social leve às mais diversas suposições, e não utiliza truques fáceis na estrutura plástica para transmitir a impressão de solidão, mesmo abusando de saídas fotográficas típicas do cinema contemporâneo que faz o mesmo.

Debate com os realizadores – Programa Juventude (esquerda para direita: Wellington Sari (FAP), Christopher Faust (FAP), Rodrigo Séllos (UFF) e Juliana Fiori (FAP)).
Debate com os realizadores – Programa Juventude (esquerda para direita: Wellington Sari (FAP), Christopher Faust (FAP), Rodrigo Séllos (UFF) e Juliana Fiori (FAP)).

Também integram o Programa: Por Uma Noite Apenas, de Márcio Reolon; O Último Dia, de Christopher Faust; Sofá Verde, de Lucas Cassales e Arno Schuh; E tu, quem és?, de Rodrigo Séllos; Cachorro velho, de Juliano Souza; e É Ela…, de Bruno Graziano.

Que as próximas edições do Festival continuem buscando por novos olhares dentre um círculo tão fecundo e restrito, no qual coexistem tamanhas disparidades e singularidades, como é o universitário.

Conrado Massami e Celeste Moura são graduandos do curso de Cinema e Vídeo da Faculdade de Artes do Paraná (FAP/CINETVPR).

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    Rafael Urban

    Caros Conrado e Celeste,
    muito bacana o texto.

    Um abraço,
    Rafael

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