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Terça-feira, 11/03/1969

“Lance maior” é de Curitiba.
Curitiba é brasileira. Uma cidade, “Lance maior” é um filme. Brasileiro.
Vejamos Curitiba — “Lance Maior”.
Mário — Reginaldo Farias — de Curitiba — “Lance Maior” é brasileiro — jovem — classe média — empregado de banco — estudante.
Mário — classe média — quer subir, quer a ascensão social que pode vir de várias maneiras, todas elas através de uma ato de compra e venda.
Neusa — Irene Stefania — classe média baixa — empregada de uma loja de tecidos — leitora de fotonovelas — moradora de subúrbio tem um destino: o casamento.
Neusa namora com Mário, pra casar. Ele não.
Cristina — Regina Duarte, de Curitiba — “Lance maior” — é milionária — estudante — superficial — o vazio de sua classe lhe sugere a necessidade de vida que não tem.
Cristina namora com Mário — por esporte.
Cristina está insatisfeita porque está cercada de infantis playboys provincianos.
Mário está insatisfeito. Sua atração sexual por Neusa se debate com os princípios casamenteiros desta.
Neusa está insatisfeita porque o seu meio é sem possibilidade de vida.
Curitiba está insatisfeita porque está repleta de quarentões — paqueras —motorizados — provincianos.
Mário está insatisfeito porque pegou doença venérea da mulher da vida.
A mulher da vida está insatisfeita porque o estudante não tem dinheiro.
Curitiba está insatisfeita porque os homens não saem das calçadas — dos automóveis — não saem dos bares — e não param de contar anedotas imbecis.
Os colegas de Mário estão insatisfeitos porque o banco não paga o suficiente.
Os patrões de Mário estão insatisfeitos porque os empregados estão reclamando.
Curitiba está insatisfeita porque não tem cinerama e os automóveis não a fizeram entrar no século XX.
Os automóveis estão insatisfeitos porque exigem melhores motoristas.
O cineasta está insatisfeito porque precisa de maiores recursos.
Neusa está insatisfeita porque o dono do Fissori só quer passar uma noite.
O namorado de Neusa está insatisfeito porque não tem dinheiro para atraí-la e casar. Casamento. Casamento. Casamento.
Mário resolve usar a velha chave. Casamento. Casar com Cristina. Comprar o título de genro. Vender-se. Vender-se.
Mário se destrói ou é destruído. Neusa se destrói ou é destruída.
A vida não é como na fotonovela.
“Lance maior” — Curitiba tem o que pode ser encontrado em qualquer cidade — filme brasileiro. “Lance maior” é provinciano. Curitiba tem uma linguagem provinciana. “Lance maior” repete esquemas velhos, evidencia demais o fato, ficando só no fato. Mas não é só isto que é importante. “Lance Maior” é importante. Um caminho necessário e sincero.
Você está insatisfeito porque está cansado de compras e vendas.
Você está insatisfeito. Vá ver “Lance maior”.

Ismail Xavier

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