Mateo (Mateo, Maria Gamboa, 2014)

*por Henrique Rodrigues Marques

Na época do lançamento do filme “Los Chidos” (2012), uma visceral fábula sobre a instituição da violência no seio familiar, o diretor mexicano Omar Rodriguez-Lopez disse em entrevistas que nos países latinos, de essência machista e católica, os meninos aprendem que a única mulher que eles devem amar é a Virgem Maria. A diretora Maria Gamboa parece concordar com isto. Ou pelo menos é o que vemos em “Mateo” (2014), seu primeiro longa-metragem, que concorre na competição Novos Diretores da 38ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

Mateo é um adolescente pobre que vive nos arredores do vale do Rio Magdalena, na Colômbia. Sem muitas perspectivas de futuro, o garoto trabalha como capanga para seu tio, poderoso bandido da região. Com problemas na escola, o garoto recebe um ultimato: participar de um grupo de teatro local ou perder sua vaga no colégio. Em um primeiro momento, o garoto reluta a ideia, mas seu tio, que possui interesse em descobrir informações sobre as atividades do coletivo, lhe oferece dinheiro para ser um informante infiltrado. Motivado mais por uma vontade de conquistar a estima de seu tio do que pelo medo de perder o ano na escola, Mateo passa a frequentar as aulas de teatro. Com o passar do tempo, o jovem vai desconstruindo suas barreiras e passa a gostar da vida que encontra na companhia dos novos amigos.

Sem grandes pretensões artísticas, o filme acaba sustentando-se na importância da temática abordada, o que faz com que o mesmo peque pelo excesso de didatismo em diversos momentos, embora esta escolha de direção seja justificada se pensarmos no alcance maior de público que esta tática oferece. E pela carreira de sucesso que a obra vem conquistando em festivais ao redor do mundo e sua seleção para ser o representante colombiano para tentar uma vaga ao Oscar de melhor filme estrangeiro, pode-se notar que “Mateo” cumpre seu objetivo.

O roteiro, simples e eficaz, demonstra grande competência ao tratar de forma delicada e humana a questão da violência entre jovens em comunidades pobres latino-americanas, e como ela está intrinsecamente conectada ao conceito de masculinidade. Por diversas vezes ao longo do filme, Mateo se recusa a exercer determinadas atividades artísticas, pois estas são coisas de mulheres e boiolas, que “são patéticos e não merecem respeito”. O garoto ambiciona ser um homem de verdade, como o seu tio, e para isto precisa matar o garoto. Um dos momentos chave da trama é quando Mateo reconhece o perigo que o tio representa e sua ambição dá lugar ao medo; medo este que ele revela à garota Ana. O medo aqui não é apenas pelo que o tio é capaz de fazer por poder, mas pela percepção do preço que se paga pela masculinidade. Mateo se vê do outro lado e, neste momento, chora. Sua redenção.

O modo como Gamboa utiliza a fórmula do coming of age – pouco explorada na filmografia latino-americana – para tratar de assuntos político-sociais de extrema urgência, nos remete a outro filme contemporâneo que ousou explorar este território, o excelente “Pelo Malo” (2013), também dirigido por uma mulher, Mariana Rondón, e que foi exibido na última edição da Mostra. Embora falte a “Mateo” uma certa força sutil encontrada em seu primo venezuelano, é interessante notar como os dois filmes denunciam os mecanismos utilizados pela sociedade para, através da opressão, criar futuros opressores. Se Simone de Beauvoir estava certa ao afirmar que não se nasce mulher, torna-se mulher, Gamboa e Rondón nos dizem que não se nasce com esta masculinidade violenta, mas não hesitamos em tratar de reproduzi-la em massa. Mas se o , coletivo tem o poder de transformar meninos em machos, este mesmo senso de comunidade tem a potência de oferecer novas possibilidades. Em uma das cenas mais bonitas do longa acompanhamos um exercício de teatro no qual Mateo faz movimentos aéreos, enquanto seus colegas servem de apoio para que ele desempenhe tais acrobacias. “Não o guiem, mas o ajudem a chegar onde ele quer”, ordena o professor. É deste apoio – firme, não autoritário – que diversos Mateos pelas comunidades periféricas espalhadas pela América Latina precisam para encontrar suas liberdades.

*Henrique Rodriguez Marques atualmente é graduando do curso de Imagem e Som (UFSCar) e editor geral da RUA.

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