Medo e Incerteza em “A Noite Amarela”

Crítica do filme: A Noite Amarela (Ramon Porto Mota, 2019)

Texto por: Luísa Lombardi[¹]


A Noite Amarela (2019) é um filme sobre ser jovem hoje em dia. Foi assim que o diretor Ramon Porto Mota apresentou seu longa na sessão da 13ª CineBH Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte. Despretensiosamente, me perguntei como poderia um filme de horror descrever o jovem contemporâneo – mesmo levando em conta a atual conjuntura política e social do país que, por si só, já é um filme de horror. 

A trama se desenvolve a partir da viagem de formatura de sete amigos para uma ilha paraibana e o enredo nos conduz a acreditar que estamos frente a um grande clichê de gênero. Contudo, se depositamos nossas esperanças de horror em um grande vilão, aqui existe uma quebra com esse tipo de forma pré-estabelecida de terror. Algumas das cenas longas e monótonas criam a expectativa de uma intervenção externa que nunca se cumpre. As longas andanças de Karina- interpretada por Rana Sui- pela casa de praia abandonada fazem acreditar que há algo escondido nas sombras prestes a pular em cena, mas não há. O grande vilão do filme é a própria juventude. 

Porto Mota explora, de forma muito sensível, a relação dos jovens enquanto coletivo e enquanto seres individuais. Nas filmagens dos adolescentes que se passam na ilha, são raras as cenas que os personagens dividem a tela. Geralmente eles aparecem em quadros fechados, separadamente, e isso acaba contribuindo assertivamente para sua narrativa. Quando em grupo, parecem estar protegidos, mas quando sozinhos são vulneráveis e é a partir desse pressuposto que o filme se desenvolve. 

Karina desde o início do filme se apresenta frágil e assombrada por suas próprias questões. Ela não parece se misturar bem com o resto do coletivo, que por mais que se apresentem próximos da personagem parecem compreender bem suas adversidades já que demonstram conhecê-la já há algum tempo. Existe uma distância entre Karina e os demais amigos, ela quase sempre de fora, ensimesmada, parece afastar-se cada vez mais dos amigos até, por fim, sumir. É aí que o resto do grupo, em busca da amiga insistem em se separar e à medida que vão ficando sozinhos, começam, um a um, a desaparecer. Por fim, todos eles acabam presos no que parecem ser diferentes planos da realidade, onde estão completamente sozinhos com suas próprias presenças. A tela dividida em dois quadros aqui é usada de uma forma que contribui positivamente para a compreensão da narrativa do filme, os personagens correm pelos mesmos pontos, ao mesmo tempo, mas não conseguem se encontrar. 

A angústia do desencontro e da solidão se intensifica a partir das vozes que não deixam de aparecer mesmo que os personagens já não consigam se ver. O espiral de vozes na escuridão é de fundamental importância para a construção da cena, aqui a sensação vertiginosa que Mônica (Ana Rita Gurgel) parece sentir, é muito bem imprimida no espectador através desse espiral.  

Outro elemento explorado pelo diretor com sucesso é a atmosfera onírica que o filme apresenta. Para essa dimensão, o diretor explora em dois níveis o mundo dos sonhos. Os relatos de sonhos dos personagens que nos acompanham durante toda a trama traduzem as incertezas e os medos que os assombram e que, de certa forma, acabam se concretizando ao longo do filme. 

O diretor também faz uso de diversos elementos simbólicos que contribuem diretamente para a criação dessa dimensão onírica contida no filme: a ilha que está completamente esvaziada (mas que também não assume o papel de deserta), a estátua desfigurada, a baixa luz (até mesmo em cenas diurnas), o chinelo que o mar devolve, a lua que não muda de lugar e tantos outros. Desde o momento que, juntamente com os personagens, chegamos na ilha, o filme já se apresenta escuro, fazendo dessa uma característica marcante nele como um todo. E é nessa dicotômica dinâmica de luz e sombra que surge a aflição gerada pelo filme. O que escondem as sombras? 


[1] Luísa Lombardi, graduanda em Jornalismo na UFMG. Tem interesse nos estudos da imagem, com ênfase em cinema e fotografia. É integrante do “Grupo Poéticas femininas, políticas feministas: a mulher está no cinema” do PPGCOM da UFMG e do projeto “Corpo Coletivo” da Escola de Belas Artes/UFMG.

Esse texto foi desenvolvido como parte da Oficina de Crítica Cinematográfica ministrada pelo crítico Victor Guimarães (escritor da revista Cinética) durante a 13ª Mostra CineBH. Os textos selecionados dão direito ao autor de participar da 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes como Juri Jovem na Mostra Olhos Livres.