VI SUA Dia #4 – Mostra Universo Íntimo

“A intimidade no curta-metragem contemporâneo brasileiro. A câmera olho, a câmera pele, a câmera corpo. O cinema parece se fundir em carne e alma. Traz, assim, a intimidade de uma maneira muito reveladora.”

Por Fernanda Sales, Jéssica Agostinho e Thiago Jacot*

A seleção da mostra trabalhou com a proposta – bem sucedida –  de exibir filmes nos quais a câmera assume um papel de dispositivo intimista, capaz de revelar detalhes, peculiaridade e materialidades de vidas e experiências. Em vários filmes a questão da subjetividade estava posta, não apenas com a utilização recorrente de planos subjetivos, mas com, em todos os filmes, o assume de uma câmera na diegese, o que traz nessas experiências fílmicas uma reflexão sobre suas próprias linguagens. Houve um debate acalorado no fim da exibição, que trouxe questões como a evolução da linguagem digital e como ela influencia as narrativas e enredos dos filmes. Além dessas pontuações, é necessário ressaltar que a mostra exibiu trabalhos recentes, frescos, experiências contemporâneas que de fato instigaram o público.

Daniela Marinho

Fantasmas, de André Novais (2010, 11 min)

Uma câmera ligada, um grande plano sequência e uma conversa de amigos em uma varanda. O enquadramento direciona nosso olhar para uma rua movimentada, centralizando uma esquina. Os dois amigos homens conversam sobre trivialidades. Durante a conversa, um deles percebe a câmera ligada. A voz dos dois sempre está em off. Mexe-se a câmera e o espectador percebe que há alguém por detrás dessa objetivação do ponto de vista. A diegese é quebrada brutalmente, problematizando quem de fato produz as imagens e para qual finalidade são criadas.

Para assistir o curta-metragem, clique aqui.

Na sua companhia, de Marcelo Caetano (2011, 20 min)

A ficção de Marcelo Caetano trabalha com uma linguagem digital interessante através de um fetiche de um dos personagens: Logo de início se estabelece uma relação muito íntima entre o vídeo e o corpo. O fetiche pelo corpo e pelo vídeo, ou pelo corpo captado, trás um universo íntimo muito adequado à proposta da mostra. A história gira em trono de um casal homossexual masculino, um deles tem uma câmera e nutre essa obsessão por gravar o corpo, não necessariamente estabelecendo alguma relação carnal com o corpo filmado.  Seu parceiro, em certo momento da trama, vira a câmera contra o fetichista revelando o corpo deste. A câmera, de fato, vira a câmera pele, próxima demais dos personagens. A história se desenvolve de forma sensível mostrando a relação delicada entre esses dois seres.

Visite o site do curta-metragem, clicando aqui.

O mundo é belo, de Luiz Pretti (2010, 8 min)

Composto basicamente por longos planos celestes, em diferentes momentos e situações climáticas, o curta pode ser considerado o mais subjetivo desta Mostra. Em pouquíssimos momentos o enquadramento mostra outros elementos, como o corpo do cinegrafista e seu animal de estimação, revelando, assim, que se trata de uma locação caseira. Perto do término do filme, o questionamento é lançado: Você sentia isso quando era jovem? Essa ternura por todas as coisas, um desejo vago? Começa aqui e vai subindo. Até dar vontade de chorar.

Para assistir ao curta-metragem, clique aqui.

Oma, de Michael Wahrmann (2011, 22 min)

O filme dirigido por Wahrmann possui sua própria avó como personagem principal. Oma é uma senhora de idade avançada com lapsos de memória e esquecimento. Parece triste, e por diversas vezes reclama das condições que a velhice impõe ao corpo e a mente. Através de planos próximos, uma câmera ágil, uma estética de documentário e uma bela fotografia em preto e branco, o filme nos apresenta uma imagem não intimista da senhora como sugerem os planos, mas sim sobre impressões das limitações que os anos de idade ocasionam. A construção temporal é totalmente elipsada. Há uma barreira linguística entre avó e neto. Oma causa reconhecimento e carinho para aqueles que buscam a figura de uma pessoa, no caso a avó, que ficou em algum lugar do tempo. Talvez, seja o neto querendo resgatar quem ele conheceu quando mais novo.

Assista o trailer do curta-metragem clicando aqui.

Ensaio de cinema, de Allan Ribeiro (2009, 15 min)

O filme é baseado na performance de dança de Rubens Barbota. Uma dupla de amigos – ou casal gay, embora essa relação não seja estabelecida claramente – estão juntos em um ensaio de decupagem. Simulam movimentos e possíveis planos citando justamente planos e usos de linguagem cinematográfica em diversos filmes da história do cinema, como em Antonioni ou Bertolucci. Há uma interação visceral entre a linguagem corporal e a de cinema resultando em um uso particular delas, por exemplo, quando o personagem cita um corte e a câmera, de fato, corta.

Para assistir o curta-metragem, clique aqui.

Olhos de ressaca, de Petra Costa (2009, 20 min)

O documentário, de título inspirado na célebre obra de Machado de Assis, conta a história de Vera e Gabriel, um casal que, de idade já avançada, relata lembranças pessoais sobre a vida em conjunto. Desde o início o curta-metragem utiliza planos fechados, em super-close, uma linguagem intimista que intensifica a atmosfera do relato pessoal. São utilizadas transposições, desfoques e vários trechos de vídeos do arquivo da família. Iniciando os relatos contando como se conheceram, chegam até a abordagem da relação de carinho que ainda possuem, já na terceira idade. O filme conta com outras citações literárias, como Guimarães Rosa e Castro Alves.

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*Fernanda Sales, Jéssica Agostinho e Thiago Jacot são graduandos do curso de Imagem e Som da  Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Editores Gerais da RUA.


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