VI SUA Dia #3 – Mesa 3

Mesa III – Produção marginal e guerrilha – Verba e Verbo

Por Fernanda Sales*


Adirley Queiros, Gabriel Martins, Maurício Campos, Igor Barradas, Guilherme Whitaker

A terceira mesa da sexta SUA lança a proposta de discutir aquilo que está a margem, as produções e iniciativas audiovisuais que resistem tanto ao mainstream, ao cinema comercial e a sua lógica bastante particular, quanto à burocracia das politicas públicas, com seu engessamento e falta de abertura. Dessa forma, a mesa “Produção marginal e guerrilha” mostrou algumas tentativas de luta por uma produção, exibição, distribuição e formação de público alternativo no campo audiovisual.

O mediador da mesa, Maurício Campos, graduando de audiovisual na UNB (Universidade de Brasília) e um dos organizadores dessa edição da SUA, iniciou o evento comentando que as quatro mesas ao longo da SUA foram configuradas como uma proposta de uma narrativa de um estudante de audiovisual, ou seja, a fim de ilustrarem o percurso que o estudante/realizador vai se deparar uma hora ou outra em sua vida, na atualidade. A primeira mesa da semana – A universidade na construção do pensamento – ilustraria o vislumbre de entrar em uma faculdade, a segunda – Cinema Universitário- representaria o deslumbre do estudante, que busca experimentações, que tem espaço para tentar, errar, acertar. Já a mesa do terceiro dia – Produção Marginal e Guerrilha – representaria, segundo Maurício, o desbunde, ou seja, quando esse estudante está prestes a se tornar um realizador e se depara com um cenário diverso , muitas vezes insatisfatório, e cria-se a necessidade de alternativas. E por último, a mesa – O Brasil do lado de fora- que ainda se realizará, reflete a questão polêmica de que “as concessões não são más assim” no trajeto de um realizador, nas palavras de Maurício.

A mesa “Produção Marginal e Guerrilha” foi composta por Guilherme Whitaker, jornalista e produtor, idealizador e editor do site de comercialização de curtas “Curta o curta” e organizador da Mostra do Filme Livre, pelo fundador do cineclube Mate com Angu, de Duque de Caxias (RJ), Igor Barradas. Também compunham a mesa Gabriel Martins fundador da produtora “Filmes de plástico” e do site “Filmes povo”, e Adirley Queiroz fundador do coletivo de cinema da Ceilândia (CineCei), realizador premiado dos curtas “Fora de Campo”, “Dias de Greve”, “Rap, o canto da Ceilândia”, dentre outros.

Guilherme Whitaker começa comentando um pouco sua experiência com a criação do canal pioneiro de divulgação de vídeos na web, o “Curta o curta”. No inicio dos anos 2000, momento em que a internet ainda estava se firmando no Brasil, Guilherme, junto com amigos e de forma totalmente independente e colaborativa lançaram um página na web, o que não era tão simples como é nos dias de hoje. A página se propõe, desde o seu início, a divulgar a produção de curtas, assim como se estabeleceu, como um canal de vendas desses produtos audiovisuais.  Segundo Whitaker “O futuro não é o longa, e sim o curta-metragem”, de modo que nessa essa iniciativa de vendas de curtas, há o intento de formação de um mercado para esse produto. Mesmo admitindo que no Brasil não há sequer um mercado consolidado para longas-metragens, e muito menos para curtas, o fundador da página Curta o curta afirmou conseguir um lucro razoável, que garante sua atividade. O site também foi um dos primeiros que formaram uma central de informações sobre notícias audiovisuais relacionadas a curtas – festivais, mostras prêmios, etc.

Guilherme também foi um dos fundadores da Mostra Livre que tem como proposta exibir filmes que talvez, segundo ele, sejam mais difíceis de ganhar um mercado, filmes experimentais, de linguagem, um espaço para visibilidade. Segundo ele, o Curta o curta tenta vender curtas, formando um público, de fato, consumidor. Já a Mostra Livre tem o intuito de “deformar o público” dando visibilidade para uma diversidade de filmes que não ganharam espaço em outros canais.

Igor Barradas comenta sua experiência com o cineclube Mate com Angu de Duque de Caxias, que já tem 10 anos de atuação cineclubista. A ideia de formação de um cineclube surge no contexto da tecnologia digital adentrando o Brasil, no começo da onda digital, a princípio a ideia era fazer uma mostra com esses novos e inovadores trabalhos que estavam surgindo através da utilização dessa nova tecnologia, porém, ao invés de uma mostra, configurou-se um cine clube. Para Barradas os cineclubes tem o papel fundamental de ser um ponto de encontro para debate, para se ver e se propor novas ideias, para difundir temas e colocar questões através de uma curadoria. A princípio, a ideia do Mate com Angu era reunir pessoas com interesse em realizar filmes, segundo o fundador o “cine clubismo é uma desculpa para fazer filmes.” Porém, não demorou e a atividade cineclubista se tornou um prazer, o prazer de exibir o filme, prazer em realizar uma sessão, com todos os cuidados e caprichos que essa atividade requer como se o filme exibido fosse do próprio exibidor.

O pessoal do cineclube também já produziu, ao longo desses dez anos de existência, muitos curtas. Tiveram a experiência com a “Angú TV” que tem a proposta de gravar crônicas cotidianas para serem exibidas na abertura das sessões. Além disso, há a iniciativa da utilização do Stream, exibindo as próprias sessões e os debates decorrentes na web. Outra proposta interessante do Cine Mate com Angu é o premio “Angu de ouro” pelos melhores curtas do ano, prêmio popular que muitas vezes é entregue a filmes que sequer foram aceitos em vários festivais, o que demostra que o cine clubismo é uma forma não só de divulgação, mas de reconhecimento, circulação de uma obra e ambiente de geração de ideias.

Gabriel Martins se debruça sobre sua experiência em Contagem (MG) na criação de filmes que mostrem sua cidade, seu bairro, que fujam dos cenários batidos e explorem novas paisagens. O primeiro filme da sua produtora “Filmes de plástico” é produzido e gravado nos arredores de Contagem, o que a principio visa uma questão prática, facilitadora. Com vontade de novas realizações surge a urgência de fazer filmes de forma rápida e barateada e a sua cidade vira cenário de seus vídeos.  Porém, com o passar do tempo e com novas realizações, Martins e seu grupo de amigos colaboradores percebem que a questão não é só mais prática, como era no começo, mas sim de passar a reconhecer o local onde o realizador cresceu, lugares poucos explorados, pouco filmados. O filme de conclusão do curso de audiovisual de Gabriel, “Contagem”, traz essa reflexão.

Gabriel, depois de expor sua experiência, também levanta a questão da vulgarização do termo “cinema de guerrilha”. Para ele há um glamour, certo romance em fazer filmes sem dinheiro e colocá-los como uma proposta de guerrilha, quando muitas vezes isso acontece de forma despolitizada, não fomentando o debate de e para um cinema diversificado. Não exibindo uma proposta de uma produção “verdadeiramente” independente. Martins ressalta a necessidade de luta para que os filmes independentes sejam levados a sério em editais. Também comentou a necessidade em trabalhar com a precariedade como uma criatividade. Para ele, o cinema no Brasil tem muitíssimo potencial, e o momento é propício para o desenvolvimento desse potencial, justamente filmando em locais distantes dos grandes centros, como ele faz. Termina com uma frase do filme “Os Monstros” (2011) “No fim das contas eu sou um amador apaixonado” euforicamente.

Ardiley Queiroz antes de fazer cinema era jogador de futebol, machucou-se e teve que interromper sua carreira. Entrou no curso de cinema e audiovisual da UNB sem ter uma “cultura audiovisual”, como ele diz, a cultura audiovisual dele se resumia a “pornô e Bruce Lee”. Sua experiência com o curso não foi muito prazerosa, foi reprovado em duas matérias, quis realizar um curta pornô, mas a faculdade não apoiou. Formou-se em oito anos, trabalhando para conseguir estudar, como servidor público. Morou a vida inteira na Ceilândia (cidade satélite de Brasília) e chegou um momento em que quis falar sobre a Ceilândia, pode-se dizer que descobriu na universidade (onde não era o seu “ambiente”) a necessidade de falar sobre a Ceilândia (onde morou desde sempre). Segundo Queiroz, em Brasília na UNB, conseguiu enxergar uma relação de opressão que queria retratar na sua obra.

Assim, realizou o filme que “ninguém botava fé” chamado “Rap da Ceilândia”, feito ao longo de dois anos. Na exibição imaginou que todos vaiariam, mas pelo contrário, o filme foi aplaudido muito. Depois se lançou em um ousado projeto, uma adaptação de uma obra do autor franco-argelino Camus para o contexto/cenário da Ceilândia. Assim surgiu o Filme “Dia de greve” baseado no conto “Os mudos”. Nesse trabalho ele reuniu um coletivo nomeado Ceifilme. “Dias de Greve” ganhou o prêmio do cineclube Mate com Angu.

Logo depois, Ardirley ganha um edital para a realização de um Doc. sobre os cinquenta anos de Brasília. Neste ponto Queiroz joga a polêmica questões dos editais públicos. Segundo ele, é preciso que os produtores, realizadores, devam entender apreender os editais, pois, mesmo com todo processo burocrático e eventualmente corrupto, os editais são de fato formas plausíveis de se conseguir recursos. Queiroz polemiza: “O filme que você faz é o filme que você quer”, “você não esta ganhando o edital, mas discutindo com o edital”. É colocada a necessidade de ter “uma malandragem” para conseguir realizar os filmes. Existe mais de um caminho, deve achar brechas, deve se entender a burocracia, as leis, sendo que necessariamente não vai, para isso, se abandonar uma ideia original. Ardirley nunca fez concessões em seus filmes e deixou claro que entender os editais e as leis de incentivo não são formas de subordinação, mas coisa fundamental para poder transformar esse sistema, dialogar com ele.  “A politica pública tem que ser feita pela gente” avança ele na discussão.

No debate houve questões sobre esse cinema chamado de guerrilha, sobre políticas públicas, comparando as realidades de Brasília com a do Rio de Janeiro. Também se discutiu formas alternativas de circulação de filmes em cineclubes, na web, em barracas de vendas, assim como formas de incentivo a exibição de produções audiovisuais em escolas. Também foi levantada a questão sobre como trazer uma militância para o contexto universitário, no sentido de que dentro da faculdade há restrições e mudanças a serem feitas, como articular os alunos para isso.  A mesa III foi uma das mais aplaudidas e comentadas da VI até o momento.

*Fernanda Sales é graduanda do curso de Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos(UFSCar) e Editora Geral da RUA.

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