VI SUA Dia #4 – Mostra Brasília Retrô

“A Universidade de Brasília (UnB) como espaço de criação cinematográfica, seja como espaço físico, seja como espaço de reflexão.”

Por Fernanda Sales, Jéssica Agostinho e Thiago Jacot*

Dani Marinho, curadora

A Mostra Brasília Retrô, com duração de 88 minutos, tinha como proposta exibir curtas-metragens realizados em Brasília, tendo a Universidade de Brasília (UnB) como espaço de criação cinematográfica. Daniela Marinho, responsável pela seleção dos curtas-metragens exibidos, explicou que as escolhas trabalhavam com um traço cronológico, com obras produzidas em diferentes décadas, partindo da década de 1960 e chegando a produções recentes, dos anos 2000. Daniela ainda mencionou que, para a abordagem da década de 1970, teve pretensões de exibir Vestibular 70, de Vladimir Carvalho. Mas, devido à dificuldade de encontrar cópias de qualidade, essa exibição não foi possível. A primeira Mostra da Sexta Semana Universitária do Audiovisual aconteceu pela manhã, no Auditório Dois Candangos, espaço bastante expressivo na UnB.

Abaixo, confira um breve relato sobre os curtas-metragens exibidos, acompanhados de links para sua exibição online, quando possível.

Fala Brasília, de Nelson Pereira dos Santos (1965, 12 min)

Durante o período em que ministrava aulas na UnB, no insipiente curso de Cinema da Universidade, Nelson Pereira dos Santos, realizou o curta documentário Fala Brasil. Jean Claude Bernardet cita a falta que o cineasta fazia em Brasília, pois, aparecia de vez em quando e faltava muito as aulas que assumia, no entanto, quando aparecia fazia um intensivo com os alunos e realizava filmes. Em um desses intensivos surgiu o filme de abertura chamado Brasília Fala.  Analisando o contexto do início de Brasília, capital do desenvolvimento e do progresso, o filme busca nas vozes das pessoas que para lá foram, depoimentos sobre as impressões pessoais da cidade. Os personagens a principio são individualizados como locutores na narrativa, porém logo são universalizados, pois seus nomes aparecem representando o estado de origem, de onde vieram para morar em Brasília, vivendo o progresso e a modernidade. No meio de sonhos, lutas, impressões e conquistas, observamos a história de vida de cada cidadão de um distinto estado brasileiro, que, no fim, representa os migrantes de nosso país que buscam melhores condições de vida. Podemos perceber nos relatos e nos grandes planos gerais como a capital pode ser ambígua. Há a possibilidade de liberdade ao mesmo tempo em que há a de opressão.

Kiss Kiss Kissinger, de Jimi Figueiredo (2007, 18 min)

Kiss Kiss Kissinger (2007) de Jimi Figueiredo retoma trechos de filmes em super 8 com filmagens feitas em 1981 pelo próprio Jimi, na ocasião da visita do diplomata americano Henry Kissinger à Universidade de Brasília. O curta se configura como um documentário que além do material de 1981 já citado, é composto por depoimentos atuais de pessoas que presenciaram e participaram dos eventos retratados. A visita do renomado diplomata, financiada pelo governo ainda militar, causou revolta nos estudantes o que ocasionou uma manifestação de grandes proporções no campus da UNB contra a visita de Kissinger. Os trechos do material de 1981 mostra um movimento estudantil realmente contestador, ativo e revolto: Uma massa de jovens juntos interrompendo as entradas do auditório onde Kissinger se encontrava, faixas, ovos lançados, uma bandeira norte americana queimada. As imagens são muito ricas: revelam um espaço ocupado de fato por estudantes. O documentário teve apoio do Fundo de arte e cultura (FAC).

5 Filmes estrangeiros, de José Eduardo Belmonte (1997, 14 min)

O curta-metragem de José Eduardo Belmonte, produzido em 1997, reflete de maneira cômica e interessante, o choque cultural existente no Brasil. Os personagens são de variadas nacionalidades e etnias – nepalês, franceses, uruguaios, camaroneses e um brasileiro americanizado – e a relação entre eles é conturbada, violenta e marcada pela intolerância. As etnias são constantemente confundidas e menosprezadas umas pelas outras. A atmosfera cômica e violenta é introduzida já nos letreiros iniciais, ilustrados com cartoons violentos, e sonorizados com música suave. Logo após, o personagem nepalês, resumido ao apelido de “Japa”, é ridicularizado pelos personagens africanos e, então, inicia-se sua trajetória de vingança, que passará por momentos irônicos, inusitados e trágicos.

Para assistir ao curta, clique aqui.

Sobre quando não se tem nada a dizer, de Cassio Pereira dos Santos (2004, 14 min)

O filme conta a história de um vendedor de canetas que finge ser surdo-mudo para causar pena nos seus possíveis compradores. Neste processo, ele conhece uma mulher surda-muda, pela qual se apaixona. Ela entra como sócia na empreitada das canetas e os dois começam a viver juntos. É nesse instante que a uma inserção de um plano geral destorcido pela captação da lente grande angular em um parque. Talvez haja uma referência ao mundo felliniano, pois sugere o onírico para subjetivar a atmosfera. Afinal, esse encontro de fato aconteceu? Nos planos seguintes ele encontra a mesma mulher, mas não mais surda-muda. Na verdade, este filme na seleção é um tanto problemático, pois perde o fio narrativo facilmente. Entretanto, estamos vendo a produção realizada em Brasília, entende-se a pretensão de passa-lo.

Para assistir o curta-metragem, clique aqui.

Rap, o canto da Ceilândia, de Adirley Queiroz (2005, 15 min)

O documentário de Adirley Queiroz foi um projeto de conclusão de curso para a UNB que busca retratar um pouco da formação da cidade satélite de Brasília, Ceilândia, e da relação de tal cidade com o rap e a cultura hip hop. O documentário se dá através de depoimentos de rappers que contam suas experiências na Ceilândia abordado questões como o preconceito de quem vive nessa cidade, da relação dessas pessoas com Brasília, e da cultura do rap como um meio de resistência frente a violência e o preconceito. Dentro da mostra esse filme foi uma presença importante por exibir uma cidade considerada uma periferia de Brasília, revelando questões de opressão que existem entre Ceilândia e a capital federal.

Entre vãos, de Luísa Caetano (2010, 20 min)

Encerrando a Mostra, o documentário de Luísa Caetano entra no cotidiano da família Pereira Santiago, inserida em uma aldeia Kalunga,  comunidade quilombola bastante isolada, situada na Chapada dos Veadeiros, Goiás. A obra inicia-se com uma das filhas da família em contato com uma experiência audiovisual bastante inovadora naquele contexto, registrando amadoramente o espaço a sua volta através de uma handycam. O curta-metragem passa pelo cotidiano simples e rural da família, abordando também sua relação com a cidade – Cavalcante, GO – onde a família comercializa a farinha de mandioca, também chamada de “farinha Kalunga”. A relação de Lizeni – uma das filhas –  consigo mesma, é exposta quando a adolescente exterioriza seu desejo de se casar com um parceiro que more na cidade, que seja branco e que tenha “cabelo bom”. Uma profunda reflexão sobre uma etnia de hábitos tão particulares na atualidade.

*Fernanda Sales, Jéssica Agostinho e Thiago Jacot são graduandos do curso de Imagem e Som da  Universidade Federal de São Carlos(UFSCar) e Editores Gerais da RUA.

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