Chá da SeIS – Por que viajamos? Contribuições da teoria sociológica

Por Dico Polacchini*

“Viagem” e “Sociologia”, eis os assuntos do último “Chá das SeIS” do dia 23 abril, que fora pautado o Deslocamento como o objeto de estudo tanto das ciências sociais quanto do audiovisual.

— O que é viajar?

Demarcando como início de uma prosa sobre um objeto que há muito vem sendo investigado, os professores Thales Haddad e Airton Moreira Jr. se dispuseram a tratar o que desde a gênese de toda a civilização já vem o sendo feita. Mas não os considere como pretensiosos, caro leitor. O processo investigativo no qual muitos dos participantes se debruçaram no Chá da última terça-feira trouxe consigo análises ricas que conferem às mais variadas ciências, sobretudo à política.

O homem tem por natureza a faculdade do deslocamento, e esta, por sua vez, é tida não apenas como própria do ser em seu sentido ontológico, tampouco somente objeto de análise na academia, mas também em sua contribuição com velocidades cada vez maiores na idade moderna.

O primeiro dos participantes, professor Thales, percorreu o caminho da prosa sinalizando os pontos-chave. No que confere à linha histórica do Deslocamento, pautou primeiramente sua limitação por parte dos homens, fazendo com que percorressem distâncias insignificantes se pensadas hoje; algo em torno de 10 km durante toda vida.

Da esquerda para a direita, os professores Airton Moreira Jr e Thales Haddad

A ascensão da classe burguesa — na transição da idade média para a idade moderna — trouxe consigo o interesse pelo fenômeno que até então detivera pouca relevância em suas épocas remotas, e a prática recorrente da administração do deslocamento trouxe consigo o advento da viagem racionalizada, bem como os instrumentos e dispositivos que se serviram de ferramentas para sua realização. Em outras palavras, o déficit que se tinha em tempo e espaço até dado momento, passa a ser recompensado com estes fenômenos de locomoção.

Agora, se considerados tais eventos, fica possível estabelecer uma relação inversamente proporcional: ao passo que se reduz o tempo gasto, se aumenta a produção; e tal modelo é símile ao que se manteve presente desde a primeira fábrica até a última impressão de jornal. A indústria ganhou autonomia, o dono do maquinário em vez de produzir um sapato por dia, passou a produzir centenas, de forma que tal advento se manifestasse da mesma forma com a informação, criando-se então aquilo que os pensadores da Escola de Frankfurt chamaram de indústria cultural.

Bom, como visto há pouco, as classes dominantes detinham — assim como ainda hoje detém — o poder sobre o maquinário, bem como o fez — e bem como o faz — com a informação, e, com o processo de aperfeiçoamento das velocidades, o que nos era mecânico no século XIX passa a ser digital no século XX, e do mesmo modo que Marx muito bem direcionou sua crítica ao detentor dos meios de produção, o mesmo se sucedeu com os teóricos do século XX.

Mas, em vista de uma crítica que não se reduzisse apenas às escolas de sociologia, embora muito bem fundamentadas em seus conceitos, o cinema passou a carregar consigo uma bagagem de desaprovação que se dirigiu às classes dominantes, e a respeito disso não faltaria Chaplin, que direta ou indiretamente legitimasse a tese. Por outro lado, trato aqui de uma desaprovação que se direciona ao objeto, para em seguida considerar seu proprietário, e neste aspecto retomo a exposição do orador, que em vista disso, discorreu os gêneros cinematográficos “filmes de estrada” e “filmes de guerra”.

Assim como o cinema e a guerra têm algo em comum, a guerra e a viagem compartilham do interesse de uma conquista por espaço. Os road movies especificamente carregam as tensões da racionalidade da vida burguesa” (Thales Haddad), e deste modo apontam que no âmbito das viagens e seus respectivos deslocamentos, os personagens dependem de uma seleção no crivo das tensões. Logo, a questão que inaugura este artigo pode ser respondida pelo menos pela perspectiva do cinema.

Entre os filmes que ligeiramente passaram pela minha cabeça, todos apresentaram o conteúdo das tensões como contraponto da administração do deslocamento citada pelo professor; De O Sétimo Selo (1956) a Central do Brasil (1998), passando por O incrível exército de Brancaleone (1966), tais tensões são evidentes e seus clímaces se encontram nelas, embora seus desfechos sejam distintos uns dos outros.

Quanto à exposição do segundo orador, Airton, fora reconhecido que o casamento que se sucede entre as diferentes figuras do turista; do estrangeiro; do retirante e de todos aqueles que estão em constante locomoção, com a figura do espaço, nos é possível reconhecer tamanha genialidade por parte da Sociologia em buscar entendimento na perspectiva do Audiovisual. Quais são os objetivos, diferenças, e semelhanças presentes nas respectivas figuras do retirante, do turista, do nômade ou do estrangeiro? Quem se utiliza do advento do deslocamento de tal forma como estes últimos mencionados tem algo em vista?

Do protagonista Arthur Meursault, do romance O Estrangeiro do pensador argelino Albert Camus, levado ao cinema pela direção Luchino Visconti (1967) ao também protagonista Isak Borg, do drama Morangos Silvestres, de Ingmar Bergman (1957), nota-se respectivamente as distinções entre as figuras do estrangeiro e do turista. Embora construídos sobre os pilares do existencialismo, as diferentes figuras apontam em O Estrangeiro a busca do reconhecimento por parte dos árabes em um território no qual não pertencem, ao passo que o reconhecimento de Borg — personagem de Morangos Silvestres, viaja para receber seu grau honorário por tempo de carreira — compete à existência em si.

No dado momento, é de nosso conhecimento as distinções entre o estrangeiro, que por ora busca apenas um reconhecimento que o legitime enquanto ser, ao passo que aquele que já é reconhecido enquanto tal, busca reconhecimento para sua existência. Neste caso, estaria Bergman se utilizando da tese existencialista a fim de apresentar um novo modelo de tensão referente ao sujeito pertencente à classe até então mencionada?

A respeito disso reconheço apenas as definições do filósofo francês Gilles Deleuze em sua carta, presente em Cahiers du Cinéma onde este considera três funções do cineasta sueco: “[1] o teatro embelezando a vida, [2] o antiteatro espiritual dos rostos e a [3] operação rival da magia”.

*Dico Polacchini é estudante de Filosofia na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

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