Chá da SeIS – Mesa do DAC

Por Lucas Scalon*

O último Chá da SeIS da 13ª Semana de Imagem e Som ocorreu na tarde de quinta-feira. O evento teve como proposta a discussão do tema da semana, road movies, através da ótica dos professores convidados, que lecionam no Departamento de Artes e  Comunicação, da Universidade Federal de São Carlos. Estavam presentes, além da professora Flávia Cesarino Costa, orientadora do evento e mediadora da discussão, a professora Suzana Reck Miranda e o professor Arthur Autran Franco de Sá Neto. Quero, antes de comentar o Chá, deixar o meu protesto sobre o evento, não por sua proposta e muito menos pela fala de seus convidados, mas pelo pouco interesse do público em geral e, principalmente, dos alunos do curso de Imagem e Som da UFSCar. Compreendo que no mesmo horário do evento havia uma oficina com uma grande montadora brasileira, Karem Harley – que inclusive trabalhou em um filme bastante falado no Chá, Cinema, Aspirinas e Urubus – e que o Departamente de Artes e Comunicação tem uma grande deficiência nessa área, mas o fato não justifica o baixo número de presentes na discussão, mesmo porque a oficina tinha um número limitado de vagas. A justificativa de que a mesa teve a presença de professores com que os graduandos do curso já convivem constantemente também é inválida, já que os três falaram de um assunto específico, que pouco é abordado em sala de aula e interagiram entre si, abrangendo ainda mais a discussão.

Apesar disso, a fala dos professores não foi abalada e os três agradeceram a presença dos interessados. A professora Flávia abriu a mesa explicando por quais óticas o assunto road movies seria tratado: primeiro a professora Suzana, pesquisadora no campo do Som no audiovisual, falaria justamente da possibilidade do uso de elementos sonoros; depois, o professor Arthur faria uma panorâmica sobre o road movie no cinema brasileiro. Flávia, ainda, lembrou os presentes que, assim como nos filmes de viagem, o movimento é a essência do cinema, que só surgiu a partir de um aparato técnico que reproduz imagens através da velocidade de determinadas rotações. Falou ainda da característica de um dos primeiros gêneros surgidos na história da sétima arte: os travelogs, que consistem no registro documental em movimento de viagens.

A professora Suzana aproveitou a fala para já destacar duas utilizações comuns nos road movies: o da máquina e as geografias sonoras. O som cíclico e contínuo da máquina é sempre presente à medida que o deslocamento pela estrada depende do movimento de um veículo. Destaca também que tal movimento influência sonoramente e leva a outras possibilidades: a máquina em atrito com o meio e os objetos de dentro do veículo – que podem falar sobre o personagem ou sobre os lugares em que ele passou. Já as geografias sonoras são os sons pertencentes ao local físico em que o personagem se encontra: sotaques, gírias, sons de pássaros, entre outras marcas, podem servir de metáforas sígnicas para descrever o lugar – e, mais profundamente, o que esse lugar vai significar para a narrativa. Outra parte importante da utilização do som no filme de estrada é a música, que geralmente é usada para marcar a época, a região, ou até mesmo para fazer um comentário sobre a imagem. Além da utilização não diegética da música popular – como em Easy Rider, onde além desse comentário sobre a imagem a música existe em forma de sinergia com o mercado fonográfico -, a trilha musical pode, ainda, existir diegéticamente, vinda, por exemplo, do rádio. A utilização do aparelho soma a música à imagem de forma “aleatória”, como se a onda captada, na hora captada, coincidentemente se relacionasse com o momento. Para exemplificar, a professora citou um trecho de Cinema, Aspirinas e Urubus (Marcelo Gomes, 2004), em que duas músicas, “Serra da boa esperança” e “Tudo é Brasil”, vindas do rádio, têm em suas letras um sentimento de valorização da terra e entram exatamente em momentos ufanistas da narrativa. Suzana ainda mostrou o trecho inicial de Viajo porque preciso, volto porque te amo (Marcelo Gomes e Karin Aïnouz, 2009) sem som e depois com som, mostrando a importância do tecido sonoro na exploração dramática, já que a percepção da cena foi bem diferente.

O professor Arthur Autran fez um panorama do road movie no cinema brasileiro. Primeiro, definiu que para ser considerado um filme de estrada, a obra precisa, essencialmente, trazer a descoberta interior dos personagens, e não apenas haver seu deslocamento físico. A partir dessa definição, o professor atesta que não há nenhum filme que de fato possa ser considerado road movie no Brasil até os anos 70. Apesar disso, existirão filmes desde os anos 50 que se aproximaram do gênero, seja pelo deslocamento físico ou a descoberta interior dos personagens. Arthur destacou Ana, episódio do filme A Rosa-dos-ventos (Die Windrose, 1957), dirigido por Alex Viany, em que retirantes nordestinos migram para o sul em um caminhão pau-de-arara, onde servirão de mão-de-obra escrava, mas encontram, no caminho, a resistência de um operário e de Ana, personagem que dá nome ao curta.

Apesar de outros filmes terem elementos que se assemelham com os presentes nos road movies, é só nos anos 70, com Iracema, uma transamazônica (Jorge Bodanzky e Orlando Senna, 1976), que o gênero vai se instituir no Brasil. Além deste, filmes como Bye, bye, Brasil (Carlos Diegues, 1980) e A Opção (Ozualdo Candeias, 1981) tinham a intenção ufanista de mostrar o interior brasileiro, mas acabavam por retratar um retrato estilhaçado do país. É importante notar nestes filmes a presença do caminhão, que vem como uma espécie de metáfora para representar a busca de um grande grupo (que pode ser toda o Brasil “civilizado”) pelo interior brasileiro. É em Filme Demência (Carlos Reichenbach, 1986) que o road movie brasileiro muda de enfoque, deixando um pouco a discussão antropolígica, cultural e política de lado para mostrar a busca pessoal através da estrada. E nesse cenário que, nos anos 90, Walter Salles dirige Central do Brasil (1998), em que a personagem Dora, acompanhando Josué, passa por uma transformação pessoal enquanto se deslosca pelo Brasil com o menino. Tais motivos vão se repetir em Diários de Motocicleta (Diarios de Motocicleta, 2004) e Na Estrada (On The Road, 2012), do mesmo diretor. Na contramão e, ao mesmo tempo, somando as duas formas, tem-se os já citados Cinema, Aspirinas e Urubus e Viajo porque preciso, volto porque te amo, experiências cinematográficas consideradas pelo professor de mais valia que as de Salles, já que a busca individual dos personagens se encontra com o outro, retomando-se às discussões dos road movies brasileiros dos anos 70 e 80.

*Lucas Scalon é graduando no curso de Imagem e Som na Univesidade Federal de São Carlos (UFSCar) e editor responsável pela seção Panorama na Revista Universitária do Audiovisual, para a qual  escreve esporadicamente.

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