Memória a Dois (Anderson Simão, Evandro Scorsin e Nuno Poli, FAP, 2009)

Por Anderson Simão e Evandro Scorsin*

O curta-metragem foi feito para a disciplina de Direção Audiovisual II, ministrada por Eduardo Scorel, ao curso de Cinema e Vídeo da Faculdade de Artes do Paraná, com conteúdo dedicado exclusivamente ao documentário. Foi o terceiro exercício prático dessa cadeira, num semestre bastante intenso e desgastante – no melhor sentido que estas palavras podem representar. Digo isso porque foi bastante produtivo, já que o professor exigia muito da turma, propondo leituras e resenhas de textos, assistências de filmes, discussões e resenhas dos mesmos e, para os trabalhos práticos, tínhamos que entregar projetos contendo conceito, argumento e abordagem, antes da realização das filmagens. Logo, chegávamos à aula com uma porção de textos e exercícios para serem entregues, avaliados e discutidos, e não saíamos dela sem saber que teríamos ainda mais trabalho para o próximo encontro.

A parte teórica e textual da matéria foi toda baseada no livro “Ver e Poder” de Jean-Louis Comolli. Éramos incumbidos de ler determinados capítulos e fichá-los para posterior discussão em sala. Víamos os filmes nas aulas, discutíamos logo após e nos obrigávamos a pensá-los ainda mais para poder escrever uma resenha sobre eles. Pudemos acompanhar a filmografia documental do diretor polonês Krzysztof Kiéslowski. Vimos a maioria dos curtas e médias dessa fase. Os textos e os filmes estavam interligados, temática e formalmente, e serviam de preparação para a parte prática, já que os exercícios propostos se baseavam no objeto de estudo, assim como obedeciam a uma evolução gradual de procedimentos estéticos.

Os exercícios de realização obedeciam a rígidas regras impostas pelo professor, que basicamente se definiam pela duração, o tamanho da equipe, o tema e a forma. Tínhamos pouquíssimo tempo para fazê-los, cerca de duas a três semanas para preparar, gravar e editar. O “Memória a dois”, por ser o último exercício do semestre, tinha o princípio de ser mais livre, a duração poderia variar até os 5 minutos e a equipe, se não me engano, também não era tão definida. A forma proposta era do tipo “ensaística”, ou seja, extravasava qualquer forma definida, poderia possuir uma ou misturar e/ou englobar diversas opções estéticas. O curta deveria partir de um evento ou material de arquivo (passado recente ou não) e propor uma reflexão sobre este, ou seja, a temática era muito vaga, se é que podemos chamar isto de tema.

No início essa liberdade pareceu um facilitador, mas como as possibilidades eram tão abrangentes ficou difícil determinar um foco possível de ser tratado e, pior ainda, poderia ser quase impossível fazer uma reflexão coesa sobre o mesmo. Logo, optamos por determinar algumas regras que iriam ajudar a delimitar a estrutura do filme. Podemos dizer que criamos um dispositivo, e que este tratou de filtrar do que, o mais abertamente possível, nos propomos a receber, a matéria-prima para o documentário.

Com um breve argumento redigido, partimos para a encenação. De última hora surgiram alguns contratempos com os equipamentos da faculdade, e teríamos a câmera disponível somente para uma tarde, uma Sony PD 50. De resto, tivemos acesso a um microfone shotgun para ser acoplado à câmera, e uma luz de set light. Gravamos a sequência de encenação primeiro.  Espirramos a luz do set light a três quartos do teto sobre a parede branca, buscando efeito semelhante à fotografia tese do filme, ajustamos o enquadramento e fizemos a encenação, numa sala desocupada da Casa do Estudante Universitário de Curitiba. Logo depois, colhemos os depoimentos, dessa vez, em outra sala mais silenciosa. Dentre os escolhidos para figurar, dois amigos que não eram um casal, para inventar um história e dar vida ao casal da fotografia, e um casal real, para comentar a imagem e colocar um pouco da própria história nos depoimentos. Na equipe, os três realizadores, fazendo um pouco de tudo, mas pensando em sincronia com a proposta do curta metragem.

Na edição moldamos a estrutura do filme. Encontramos uma linha de linearidade narrativa em que os depoimentos fossem se embaralhando aos poucos e que, com o decorrer do filme, fôssemos perdendo a referência de qual personagem exatamente estaria falando e, ao mesmo tempo, pudéssemos ter cada vez mais clareza sobre a imagem que estaríamos vendo. Era nosso dispositivo, nosso jogo de encenação. A princípio, a longa panorâmica sobre a fotografia no início do filme dava lugar a grandes planos detalhes fixos que se misturavam com fusões.  Com o tempo, na ilha de montagem, percebemos que esse efeito de fusão, ao invés de construir uma ideia de descobrimento sobre a imagem, descolava um trecho de outro da fotografia, como um quebra-cabeça. Assim, direcionamos o olhar por meio da panorâmica, a varredura pela imagem parecia muito mais agradável e coerente com relação ao que esperávamos do dispositivo.

Em menos de uma semana o exercício estava pronto para ser apresentado em sala de aula. Satisfeitos com o resultado, achamos que era injusto aquele filme se restringir às quatro paredes da sala de aula e concordamos que iríamos enviar para alguns festivais de cinema universitários, onde o filme encontrou uma boa aceitação, muito maior do que esperávamos.

*Anderson Simão e Evandro Scorsin são realizadores do curta Memória a Dois e alunos do curso de Cinema e Vídeo da Faculdade de Artes do Paraná (FAP)

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