Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

– É falado em romeno ou búlgaro?

-Filme brasileiro? Não gosto… Nem de documentário, filme japonês, francês…

– Vai passar algum filme bom? E Rede Shop, passa?

As duas semanas da Mostra Internacional de São Paulo foram recheadas de perguntas sem respostas, surpresas boas, clichês, filmes ótimos e outros nem tanto. Como monitora de uma das salas exibidoras de filmes da Mostra, participei vivamente do efervescente evento, que foi do dia 17 de outubro até o dia 30 do mesmo.

Todos os dias diversos rostos eram vistos; notei que ao longo dos 14 dias víamos muitas caras repetidas, de cinéfilos fervorosos e devotos das telonas, os quais muitas vezes adquiriam pacotes que davam direito a entrar em múltiplas sessões. Calças xadrez andantes, óculos de armação grossa mirabolantes, senhores e senhoras que buscavam simples entretenimento (nem tão simples assim, se pensarmos no valor das entradas), famosos e ilustres desconhecidos que portavam a importante credencial de “guest” e jovens que estavam lá por causa da escola integravam essa tripulação que diariamente aportava nas salas. Nesse último segmento de público entra um dos pontos mais interessantes, a meu ver, nas últimas edições da Mostra.

Esse ano, como um programa paralelo da Mostra, ocorreu o 9º Festival da Juventude, onde foram exibidos filmes voltados a estudantes do ensino médio, gratuitamente. O nome não impunha restrição alguma a qualquer faixa etária, e como exemplo dessa abrangência poderia ser citado o primeiro filme a ser exibido na Sala 1 do Cine Bombril, Café dos Maestros, um documentário que falava sobre importantes nomes do tango na era dourada do gênero. Lá, se pensarmos no termo “jovem” como algo relacionado à carteira de identidade, a pessoa mais jovem presente no recinto tinha 20 anos de idade, e nem cursava mais o ensino médio: ou seja, era eu. Acabei entrando na sala por mera curiosidade e, ao final, conclui que gostei do que vi. No término, as pessoas saíam emocionadas. “Não consegui segurar, chorei, lembrei da minha época juvenil”, falou em voz medianamente alta uma senhora pomposa ao marido, mais contido. E não é que falamos de juventude?

Palmas para o documentário tanguense

As exibições contavam com votação; os filmes estavam sujeitos a julgamento do público, da imprensa e de um júri especial, para posterior premiação e repetição dos melhores filmes. A cédula de votação contava com uma numeração de um a cinco, e com apenas um rasgo você agraciava (ou não) o diretor da obra exibida com um voto. Recolhi muitos votos nas urnas vermelhas da Mostra, e reparei que alguns diretores, produtores e bam bam bans que ali apresentavam seus filmes, ficavam bastante atentos a este gesto, talvez até tinham pontadas sugestionadas pela impotência de não poder fazer nada ao ver um voto rasgado no número um (“não gostei”, segundo a legenda da cédula). Algumas pessoas protestavam, rasgavam na posição abaixo do número um, jogavam a cédula no lixo, não a entregavam ou simplesmente largavam na poltrona. Outras lembravam do papel cinza só no outro dia, e quando voltavam a bater ponto ali a devolviam. Mas a maioria morria em bolsos de calças, junto com notas fiscais e moedinhas. A urna ganhou um presente em certa ocasião de recolhimento de votos: uma senhora jogou uma garrafa de água dentro dela. Talvez fosse um protesto também.

Um ponto muito alto do evento foram as apresentações de convidados especiais. Pablo Trapero, diretor argentino que teve vários de seus filmes exibidos no evento (inclusive Leonera, que tem Rodrigo Santoro no elenco e lotou diversas sessões, não sei se pelo bonitão ou pela qualidade da película), deu uma oficina com o nome de “A mise en scéne como ferramentas narrativa no cinema” na FAAP. Além do hermano, debates com outros diretores (e até atores) fizeram parte dessa jornada, como Hugh Hudson (Revolução Revisitada), Marco Bechis (Terra Vermelha), Daniel Junge (Mataram a Irmã Dorothy) e Wim Wenders (Palermo Shooting). Tive a felicidade de conhecer o último, surpreendi-me com a altura de Wenders e com a sua simpatia. O homem chegou de surpresa na sala onde eu monitorava, elogiou a beleza do lugar, ficou na porta do local até seu fechamento, sentado na cadeira a qual estava acostumada às nádegas de quem recolhe as entradas, e quase recebeu alguns bilhetes em sua mão (a Mostra também é alvo de quem está só de passagem e resolve entrar pra ver “o que está passando”). Sorria, não falava demais, e me lembrava muito o Woody Allen, só que com mais cabelos, e bem grisalhos. Ao final, pedi assinaturas ao alemão, e ganhei um papel escrito “Juliena! Wim Wenders”, com a caneta de ponta grossa igual às lentes de seus óculos, do próprio homem, já que a emotiva Bic a qual levei resolveu parar de funcionar. Interessante também era o diretor de El Regalo de Pachamama. O japonês, o qual ficou impressionado com a técnica de atar uma ponta de fita adesiva à outra ponta para colar o cartaz de seu filme, estava quase todos os dias no evento, mesmo quando seu filme não estava em exibição. Toshifumi Matsushita chegava sorrindo e cumprimentando, sempre perguntando o que estava para ser mostrado nas telas. “Japón? Japón! Japón!”. E assim brilharam os olhos do homem ao ver que o filme “A Rainha Célia” era uma co-produção Estados Unidos- Japão.

“It’s not only about a shooting”. E assim Wenders e seu Palermo causaram frisson

O evento teve bastante público, com filas que dobravam paredes, mas sempre com ordem. As sessões iniciavam-se por volta das 10h da manhã, com as boas exibições gratuitas do Festival da Juventude e com muita gente presente (ao contrário do que até eu pensava, que ninguém iria ao cinema às 10 horas), e estendiam-se até as tantas, como em finais de semana, quando algumas noites terminavam pra lá de meia noite, com mais gente ainda. Já pela noite era quando apareciam alguns famosos não-ligados ao mundo cinematográfico, como Pitty e seu namorado, integrante da banda NX Zero. Pena que raramente eu estava lá para acompanhar esses momentos gloriosos; meu turno terminava às 18 horas, e depois disso eu só ficava pelos cinemas para assistir algum filme, logo, dentro de uma escura sala, onde eu não reconheceria o Jô Soares vestido de fraque rosa ou o Marilyn Manson trajado de coroinha.

Nesse ano, a Mostra contou com boas homenagens em seu cardápio. O sueco Ingmar Bergman, o qual completaria 90 anos em 2008, teve direito a uma retrospectiva de seus filmes mais raros, como comerciais e filmes publicitários do início de sua carreira, além de uma exposição fotográfica intitulada “Meus Encontros com Bergman”, onde o foco estava voltado às situações de bastidores de suas obras. Kihachi Okamoto, cineasta do chamado Novo Cinema Japonês, ganhou a oportunidade ser mais conhecido fora do Japão no evento, ganhando assim também uma retrospectiva com 14 de seus filmes sendo exibidos nas salas (majoritariamente na Cinemateca Brasileira), como A Vida Elegante do Sr. Comum (1963) e Kill (1968). Rainer Werner Fassbinder também não deixou de ser um dos homenageados; Berlin Alexanderplatz, série realizada para a TV pelo alemão, no ano de 1980, foi exibida na Sala 2 do Cine Bombril, dividida em seis partes, estreando no dia 25 de outubro, quando contou com casa cheia e até lista de espera para o acompanhamento dos primeiros episódios.

Muitos queriam Fassbinder, porém nem todos chegaram ao final dos 14 capítulos

O encerramento do evento se deu no dia 30 de outubro, com o show da cantora portuguesa Maria de Medeiros, também cineasta e atriz (para quem simpatizou com a Fabienne de Pulp Fiction (1994), foi um prato cheio para conferir os dotes musicais da moçoila), logo após a cerimônia de premiação dos melhores filmes, no Teatro Paulo Autran, no SESC Pinheiros. Algumas surpresas figuraram essa festiva premiação, como a super-produção épica de Bollywood Jodhaa Akbar (2008), que venceu o prêmio de Melhor Longa Estrangeiro de Ficção (e bota longa nisso: o filme tem 3 horas e 55 minutos).

A Mostra findou oficialmente nesse dia 30 de outubro, porém ela continuou até o dia 6 de novembro com a exibição das melhores obras, entre as mais votadas pelo público e as premiadas pelo júri. Um prato cheio para quem gosta de cinema, daquele cinema do qual fanáticos por cinema gostam de chamar de “cinema de verdade”, que pouco entra comercialmente nas salas espalhadas por shoppings e afins. E que venha a 33ª edição do evento, que já foi até incorporado como evento oficial ao calendário da cinéfila cidade de São Paulo.

Juliana Soares é graduanda em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

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