Lígia Gabarra*
Discutir a integridade, por trás dos motivos da academia, já se mostrou há muito uma perda de tempo, ninguém duvida que o Oscar tenha inúmeros critérios de premiação que passam longe do fazer cinematográfico, mesmo assim é o evento mais importante, mais assistido, mais esperado e mais enaltecedor da indústria.
Este ano, no entanto, a fórmula parece ruir: a audiência que crescia anualmente foi significativamente menor que a do ano passado; as tentativas de abordar o público jovem ficaram dissonantes de toda pompa dourada e não serviram nada ao seu propósito; por fim o favoritismo absurdo de um filme, que se não posso dizer que se trata de uma obra claramente inferior a de seus colegas candidatos, digamos apenas que O Discurso do Rei, não teve metade do alcance ou das discussões levantadas por Cisne Negro, Rede Social e Bravura Indômita. E se a premiação não faz sentido nem ao público a que é destinada, qual o sentindo da festa? Ruínas à parte, conheçamos os indicados (atenção os comentários a baixo podem contêm detalhes reveladores sobre os filmes analisados):
O Discurso do Rei (Tom Hooper) – Mais uma premiada cinebiografia sobre a família real. George VI tal como um plebeu qualquer sofre de gagueira e deve superá-la para poder exercer sua função, em tempos de guerra e de transmissões radiofônicas. Geoffrey Rush é o doutor de fala que auxilia o rei com técnicas pouco convencionais e quem diria, o ajuda a superar sua condição. O filme levou à terra da rainha os prêmios de: Melhor Filme, Direção, Roteiro Original e Melhor Ator.
Cisne Negro (Darren Aronofsky) – Um thriller inesperado chamou os olhos do mundo para uma abordagem diferente sobre o balé contando a trajetória de Nina, a primeira bailarina no Lago dos Cisnes, que desafia a própria sanidade ao tentar incorporar o Cisne Negro com perfeição. Garantiu à Natalie Portman o prêmio de melhor Atriz.
A Rede Social (David Fincher) – A história dos fundadores, ou de todos que gostariam de ter fundado o Facebook. Um olhar pouco carinhoso sobre Mark Zuckerberg, o verdadeiro prodígio por trás do site, no estilo Fincher de fazer filmes, diálogos e mais diálogos. Melhor Roteiro Adaptado, Montagem e Trilha Sonora.
A Origem (Christopher Nolan) – Um grupo de agentes especiais capazes de entrar nos sonhos de outras pessoas, sob o comando de um ambicioso empresário querendo garantir o sucesso de sua empresa. Viradas de roteiro e efeitos especiais em doses cavalares. Levou e mereceu os prêmios de: efeitos especiais, melhor fotografia, edição de som e mixagem de som, mas por sorte, ficou por ai.
O Vencedor (David O. Russel) – Ninguém se quer falou em Mark Wahlberg, que interpreta o boxeador irlandês Micky Ward; o público e a mídia só comentavam a presença de Christian Bale, o Batman, no filme. Junto a Bale, Melissa Leo, foi premiada atriz coadjuvante.
Minhas Mães e Meu Pai (Lisa Cholodenko) – Julian Moore e Anette Bening são um casal de lésbicas (incríveis), que diante à curiosidade de seus filhos devem conviver com Mark Rufallo, o pai biológico. Quatro indicações e nenhuma estatueta.
Toy Story 3 (Lee Unkrich) – Mesmo velhos os brinquedos ainda têm sentimentos, mais uma animação tocante da Pixar, que para variar ainda não passou da categoria de animação, apesar de levar também o prêmio de melhor música original.
Inverno da Alma (Debra Granik) – Jennifer Lawrence superou expectativas ao interpretar uma menina que para proteger sua mãe depressiva e seus irmãos menores deve encontrar seu pai traficante desaparecido. Foi indicado a quatro Oscar.
Bravura Indômita (Ethan e Joel Cohen) – Os irmãos Cohen e Jeff Brigdes garantiram que a refilmagem do clássico de 1969 tivesse o mesmo charme da versão original. No Western, uma garotinha pede ajuda a um xerife para encontrar o assassino de seu pai. O filme não foi premiado por nenhuma das 10 indicações.
127 horas (Danny Boyle) – Filme sobre o alpinista (James Franco) que passou cinco dias preso na montanha. A história de superação pessoal conquistou a acadêmia a partir da montagem dinâmica e dramática arquitetada pelo diretor vencedor do Oscar por Quem quer ser um milionário?
O Discurso do Rei foi o grande premiado da noite, levando quatro das mais importantes estatuetas da casa. O intrigante é discutir o que a academia aprecia em termos de direção cinematográfica, quando Tom Hopper, que concorrendo com toda a experiência de Irmãos Cohen, Aronofsky e David Fincher, levou o prêmio de melhor diretor tendo apenas publicidades no currículo. Trata-se de uma afirmativa de que o trabalho do diretor é principalmente a dramaturgia ou um elogio à linguagem obvia que utiliza a grande angular repetidamente como simbolismo do constrangimento do protagonista? Hooper certamente soube extrair de seu elenco uma atuação brilhante, mas seu cinema para por ai, as tentativas de fazer um filme sobre a era do radio, sobre o início da guerra, sobre a monarquia, não passam de tentativas; trata-se apenas de mais um roteiro sobre superação.
Gostaria de deixar O Discurso do Rei de lado um pouco, mas entramos na categoria de Melhor Ator, e Colin Flirth levou o prêmio, como rei da Inglaterra. Ao seu lado estavam alguns grandes “monstros”, Jeff Brigdes e Javier Barden, mas como ambos levaram a estatueta recentemente ninguém apostava neles. O outro palpite possível era James Franco, protagonista de 127 horas, filme sobre o alpinista que passou cinco dias preso na montanha. A história nunca seria assunto de Hollywood ou motivo de bilheteria, não fosse seu desfecho, para sobreviver o alpinista é obrigado a se sacrificar. E por mais que se tente disfarçar, o grande trunfo do filme são os dois minutos em que a câmera acompanha passo a passo a o momento de tensão final do filme.
James Franco foi também apresentador da festa junto a Anne Hathaway, nova queridinha da América que está prestes a se tornar a próxima mulher gato. O próprio texto de apresentação não escondia que a presença dos dois era uma tentativa de apelar para o público jovem. O maior acerto nessa área parece ter sido as trocas de vestido de Hathaway, muito elogiados por ai, mas Franco não parecia dentro do personagem, parecia até, um pouco embriagado.
Os vencedores da categoria no ano anterior anunciaram os prêmios de Melhor Ator e Atriz. Jeff Brigdes apresentou uma a uma as candidatas com discursos elogiosos e muito carinhosos. A cena retirada de Cisne Negro para ilustrar a atuação de Natalie Portman não poderia ser mais singela: Nina conta para sua mãe ao telefone que conseguiu o papel de prima bailarina. É uma apresentação de personagem muito delicada, Nina é tão controlada que não consegue ficar feliz em público, precisa se esconder no banheiro e consegue apenas dividir a euforia com sua mãe, em sua voz é táctil uma quase vergonha de estar feliz. Natalie agradece o prêmio em um discurso longo, mas ninguém parece incomodado, pelo contrario, ela é adorável.
Os coadjuvantes premiados da noite vieram ambos do filme O Vencedor, filme sobre um boxeador irlandês, e o boxe é sempre um assunto muito bem recebido pelo público americano. O apresentador do prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante foi o veterano Kirk Douglas, protagonista de Spartacus, mesmo com dificuldades na fala arrancou risos da plateia, alguns de nervoso pelo protelar, e foi um dos destaques da noite.
Como já era esperado o prêmio de melhor montagem foi para A Rede Social, que de fato tem uma montagem marcante, criando ilusões com o plano e contra-plano da simultaneidade espacial de cenas diferentes. Acontece de perguntarem ao personagem em um ambiente e ele responder em outra locação, causando uma pequena confusão na passagem de cena o que torna o filme ainda mais ágil. Cabe dizer que não se trata apenas de um truque de montagem, mas também de um gracejo na direção. A agilidade do filme também está nos diálogos, cheios de informações e tiradas, que lhe renderam o Oscar de Melhor Roteiro adaptado.
Estatuetas das categorias consideradas técnicas foram todas para A Origem, pudera, o filme era o representante de toda tecnologia de ponta em efeitos especiais, som e fotografia. Pergunto-me apenas, por mais que exista o mérito da inovação, não há qualquer substância artística a ser considerada nessas categorias?
Ophra Winfrey foi a apresentadora do prêmio de melhor documentário e seu texto já anunciava com muita naturalidade o que a academia considera um exemplar do gênero “Quando estamos tristes e as notícias são ruins e as pessoas estão desesperadas, o que fazemos? Vamos ao cinema! E fugimos dos nossos problemas! Mas essa é a categoria dos filmes que não nos deixaram fugir da realidade”. Conclui-se, portanto, que a ficção não tem qualquer objetivo além de entreter e o documentário se resume a tudo aquilo que é denúncia. Uma pena, ou mais um sinal do pensamento retrogrado da academia, ainda mais no ano que entre os candidatos estava um belo exemplar de documentário com propostas cinematográficas muito além do formato reportagem de duas horas: Exit Through The Gift Shop ficou apenas como indicado. Trabalho Interno (Inside Job), o vencedor, foi narrado por Matt Damon e denunciava mais alguns responsáveis pela crise de 2008.
Quem sabe a queda de 9% na audiência deste ano traga uma brisa de bom senso e novidades à premiação do ano que vem. Ou contentemo-nos com as trocas de vestido.
*Lígia Gabarra é graduada em cinema pela FAAP.