O diabo por dentro (Gabriel C. Correia, UFSCar, 2011)

Confira na edição de dezembro da RUA o curta-metragem ficcional “O diabo por dentro”, de Gabriel Correia. Uma história sobre os demônios que existem dentro de nós.

Por Vinícius Gobatto *


RUA: Como surgiu o roteiro do curta?

Gabriel C. Correia: O roteiro surgiu de uma ideia bem antiga que eu tinha. Imaginava algo envolvendo um escritor ou escritora de contos sombrios com um texto que fosse bem duro, cru, meio doentio talvez, enfim. Era ainda uma ideia bem vaga que envolvia esse elemento principal e que de alguma forma procuraria explorar algumas questões sobre processos criativos, mais numa levada sobre o quanto de cada pessoa aparece de fato em alguma obra ou não, coisas assim. Tinha essa ideia ainda bem crua e a trabalhei durante a especialização em roteiro durante um ano, mais ou menos. Aí os outros elementos foram se materializando, a família como centro da trama, a estrutura que passou de fragmentada e não-linear para linear, baseada em paralelismos e movimentos cíclicos, o que na época achei interessante para que a atmosfera de estranhamento e incômodo fosse alcançada. Bom, teve esse período de um ano de maturação e depois, paralelamente à pré-produção do filme o roteiro ainda foi alterado algumas vezes. As mudanças finais, que foram ajustes nos diálogos, aconteceram durante o ensaio com os atores e pelo que lembro ainda algumas coisinhas mais pontuais foram alteradas até a gravação e durante também.


RUA: Quais foram as influências para a direção do filme?

G.C.: O estilo de direção partiu daquilo que David Bordwell chamou de continuidade intensificada, com uma montagem mais ágil, câmera mais solta e enquadramentos mais fechados, que é um lugar comum até em filmes contemporâneos, mas se bem utilizada garante uma visualidade interessante pro filme. Em termos de atmosfera, sempre me inspirei em diretores que trabalham no limite entre o estranhamento e o horror, construindo obras geralmente incômodas ou chocantes para o espectador. Haneke era um nome que me atraía muito na época (filmes como Violência Gratuita e Cachè), Cronenberg é um que sempre me inspirou também (Shivers é meu preferido, mas imagino que Crash, mais pelo clima do que pela história, tenha sido o mais assistido no período de decupagem e discussões com as áreas), e, acima de todos, Dario Argento, que gosto tanto que até tento imitar em algumas cenas, passagens, planos, etc, por mais que poucos tenham notado isso (hahaha) o que pode querer dizer que só na minha cabeça acho aquelas cenas parecidas. Ah, na cena do ópio verde (invenção nossa) tentei criar uma visualidade que lembrasse o filme Invocation of My Demon Brother do cineasta norte-americano Kenneth Anger.


RUA: E a escolha da fotografia, montagem e som?

G.C.: Essas escolhas sempre foram tomadas em conjuntos com os responsáveis das áreas. Geralmente eu chegava com vários filmes, imagens, livros de referência. A partir daí, o fotógrafo, montador, designer de som, finalizador traziam também suas impressões e íamos convergindo para um lugar comum. Tudo sempre baseado nas referências de direção e no que a equipe acreditava que deveria ser feito para que nosso objetivo em comum fosse alcançado, que era a realização de um filme o mais tecnicamente apurado que conseguíssemos que atendesse às necessidades da história que íamos contar, história essa muito próxima ao gênero horror, que foi também um dos pontos de partida para o interesse da equipe no projeto.

RUA: Um aspecto que me chamou a atenção foram as locações. Como foi feita a escolha dessas locações?

G.C.: As externas nos parecia que seriam o maior desafio, então equipe de produção e técnica logo fizeram de tudo pra me tirar da cabeça a ideia de gravá-las em São Paulo, sem autorização, na loucura, na Praça da Sé (hahahahaha). O que, obviamente, acabou sendo uma ótima escolha, tanto em termos de produção quanto estéticos, porque me vi obrigado a resolver tudo pela decupagem, o que acabou funcionando bem. Nas cenas internas tivemos a mesma dificuldade que geralmente filmes universitários encontram, conseguimos a casa onde gravamos as cenas da casa da família apenas uma semana antes de começarem as gravações. As cenas do Forasteiro foram gravadas no Espaço 7, uma construção pouco convencional que abriga hoje uma casa de cultura, ou algo assim. Foi mais acessível para conseguirmos e o resultado final também nos agradou muito. No geral a escolha seguia dois parâmetros, primeiro, o lugar que desse pra arranjar e segundo, o lugar que desse pra arranjar e onde pudéssemos mexer em tudo. Nesse sentido a equipe de arte fez um trabalho excelente, pois conseguiu com um orçamento bem reduzido praticamente construir dois ambientes completamente diferentes com um resultado final impressionante.

RUA: E quais foram as principais dificuldades surgidas durante a realização do curta?

G.C.: As dificuldade normais em produções universitárias, falta de grana, falta de grana e falta de grana. Fora isso foi até mais tranquilo do que todos imaginávamos. Especificamente durante as gravações, logo após terminarmos a primeira diária, o diretor de fotografia, o primeiro assistente de direção e eu tivemos que nos reunir e remontar todas as ordens dos dias seguintes para otimizarmos ao máximo o período de gravações e não corrermos o risco de perdermos muito material por falta de tempo. No fim das contas deixamos de gravar uns dois ou três planos, o que compensamos gravando mais material de cobertura do que havíamos planejado de início. Outra coisa que ajudou foi reformular toda a decupagem durante as gravações externas, partindo para uma abordagem mais livre e improvisada, o que nos salvou tempo e nos deu material extra de boa qualidade.

RUA: Em qual contexto universitário o filme foi proposto? E como a universidade apoiou o curta?

G.C.: O filme foi realizado como trabalho de conclusão de curso, então tivemos o apoio natural dentro do contexto, como acesso aos equipamentos e tudo mais. Claro que a infraestrutura numa Universidade pública federal não é lá das melhores para cursos como Imagem e Som, e, obviamente, como qualquer outra equipe que tenha produzido em nossa época, tivemos que alugar muita coisa por fora, além de bancar viagem, estadia e cachê dos atores, mas quanto a isso já saberíamos desde sempre que seria assim, então já estávamos preparados para realizar essa manobra financeira e trabalhar dessa forma maluca.

RUA: O projeto teve uma extensão transmídia. Como isso aconteceu? Porque o interesse em expandir para além do filme?

G.C.: Sim, extensões narrativas foram desenvolvidas para o projeto, um ARG foi esboçado e abortado por falta de equipe pouco depois que começou a rolar e um blog da personagem da escritora também foi criado. O interesse veio de meus estudos sobre o tema, sobre a possibilidade de utilizar outras mídias de forma a ampliar o número de interessados no filme envolvendo-os num universo narrativo que fosse suficientemente interessante para que quisessem conhecer mais do projeto. Infelizmente não pude levar o projeto até o fim, mas a ideia de ampliar esse universo ainda existe, e quem saiba eu não retome essas histórias em projetos futuros. O bacana de trabalhar com múltiplas plataformas é que uma vez desenvolvido o universo no qual as histórias se passarão, é um trabalho que não pode ser considerado desperdício, podendo sempre ser retomado em iniciativas futuras, ou mesmo por outras pessoas que se interessem. Enfim, alguns dos blogs desenvolvidos na época ainda estão no ar, são: http://evangelhodaporra.blogspot.com.br/ (blog da personagem Maria), http://sindicalistatonum.wordpress.com/http://votedrkebos.wordpress.com/ (blogs que faziam parte do ARG, com personagens que não estão no filme mas pertenciam ao mesmo mundo de histórias).


RUA: Há projetos atuais sendo desenvolvidos?

G.C.: A partir desse filme, não. Estou no mestrado agora e isso também deixou alguns outros projetos em estado de espera, mas sempre que sobra um tempo dá pra retomar antigos roteiros.

* Vinicius Gobatto é estudante de Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos e editor da RUA.

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