O tal do curta-metragem universitário

Juliana Panini é graduada em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e pós graduanda na mesma universidade.

O momento de realizar um curta-metragem enquanto ainda se é estudante parece ser mais do que uma oportunidade para colocar em prática o que se aprendeu nos livros ou até mesmo mais do que o esperado momento de se ficar longe dos livros, com a mão na massa. Parece ser também o momento no qual se descobre – ou se começa a descobrir – se a paixão por cinema, que cambiou das salas de cinema e locadoras para a sala de aula também irá ou não ultrapassar mais um fronteira e adentrar um set de filmagem.

Produções universitárias de curtas metragens, sejam atividades ou trabalhos de conclusão de curso, parecem estar sempre calcadas em baixíssimos orçamentos e a presença de estudantes/profissionais ainda em formação, com mais vontade do que experiência para fazer suas idéias acontecerem. E é justamente nessa aparentemente desfavorecida combinação que os processos de realização mais inesperados ocorrem, os resultados mais interessantes são alcançados e a sensação de que o set de filmagem é também uma paixão se forma.

A experiência de realizar o Em casa (15min. 2010), trabalho de conclusão de curso, contou com inúmeros desafios. Talvez o primeiro e mais pessoal deles tenha sido o momento de me convencer de que valia a pena realizar tal idéia e de que era possível faze-la de um modo que seja tanto pessoal quanto coletivo.

Em casa narra a história de um rapaz que mora sozinho.  Aos poucos, começa a notar modificações em sua casa que não são de sua autoria. Parece que um outro alguém habita aquele espaço, escondido. O estranho e o dono da casa passam a se comunicar através do ambiente que habitam juntos, sem nunca se encontrarem. O argumento foi inspirado num curioso caso ocorrido no Japão: um cidadão japonês descobriu que uma moradora de rua habitava, escondida, um dos compartimentos de seu guarda-roupa, sendo que a intrusa não foi notada durante cerca de um ano e sua presença só foi percebida devido à freqüência anormal com que os alimentos da geladeira e despensa acabavam, o que despertou no dono da casa, que morava sozinho, as primeiras suspeitas.

A começar pelo roteiro, um dos grandes desafios originava da escolha de desvencilhar-se de questões como a invasão daquela propriedade privada, trazendo para primeiro plano um tema mais sutil e abstrato: a solidão de ambos os personagens – o dono da casa e a pessoa que a invadira -, elemento que compartilhavam e que os leva a uma interação.

Da criação e humanização dos personagens à questões estruturais da narrativa,  a escrita do roteiro é desafiadora e parece ainda mais difícil quando se tem bons elementos em mãos.

Uma experiência interessante e que se mostrou muito frutífera foi a abertura dada a equipe e demais interessados para nos reunirmos e discutirmos cada novo tratamento. O processo colaborativo de crítica e construção do roteiro estimulava os integrantes da equipe a pensarem e se envolverem cada vez mais com o projeto e destas discussões boas idéias surgiram, tal como outras não tão boas foram melhoradas ou descartadas, quando necessário.

Contando com pouco tempo para realizá-lo, poucos recursos e poucos integrantes, a equipe do curta precisava compartilhar não só idéias como também decisões. Assim se desfez, em certa medida, as fronteiras que separavam as áreas. Era preciso discutir, em conjunto e coletivamente, questões referentes a arte, fotografia, som, edição, direção, roteiro, edição, produção… Isso fez com que nossos conhecimentos fossem aplicados e multiplicados, de modo que passamos a conhecer e melhor compreender funções que nunca desempenhamos antes, na qual tivemos, naquele momento, oportunidade de atuar, mesmo que indiretamente.

No set de filmagem, apesar dessas fronteiras se estabelecerem novamente de modo mais rígido, a organicidade do trabalho coletivo se manteve. Passado o momento de planejar o que colocar em prática, chega o momento de esforçar-se pra colocar em prática tudo que foi planejado e do modo como fora planejado. Foi preciso estar preparado para contornar algumas dificuldades e imprevistos, de modo a não prejudicar nossas intenções. Talvez seja justamente a enorme necessidade de improvisação pra contornar problemas previstos ou não, uma das características que lhe ensina a ser um profissional flexível e preparado, inclusive para encarar a necessidade de deixar para trás algumas coisas planejadas, que o tempo ou outros fatores o impedem de realizar.

Da pós-produção e finalização ao curta final, é preciso lidar com a expectativa do retorno do público e a própria ansiedade ao encarar os defeitos e acertos do trabalho realizado. Do Em casa, ficou a sensação não só de dever cumprido, mas bem cumprido, apesar das falhas que ansiamos corrigir em próximos projetos. Recentemente finalizado, esperamos que seja bem recebido em festivais. Numa pequena descrição auto-crítica de quem o roteirizou e dirigiu, trata-se de um autentico curta universitário, no qual é evidente não só a falta de recursos, tempo e experiência de nossa parte, mas o criativo contorno de adversidades e uma bem aproveitada liberdade de condução do projeto.

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