Audiovisual e performance: conceitos paradigmáticos no estudo da arte contemporânea

Marcio Pizarro Noronha é doutor em História pela PUC-RS e doutor em Antropologia pela USP.

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O pensamento da performance tem suas raízes nas relações traçadas no campo da ação entre o político e o poético, entre o ético e o estético. No interior desta reflexão existe uma concepção de ordem ética que irá afetar o raciocínio de um conjunto de artistas e suas produções, como um modo de pensar, em princípio, opositivo ao raciocínio de uma autonomia da obra enquanto linguagem (modernismo).

No cruzamento de dois campos de reflexão da arte contemporânea, encontram-se os problemas da linguagem e os problemas do conteúdo da arte, configurando-se nos termos de uma reflexão ampliada sobre as relações entre a ética e a estética ou, na esteira do surgimento de uma ético-estética como disciplina nova bem como raciocínio interdisciplinar e que compromete o campo ético na promoção de uma estética da ética das imagens. Esta reflexão de ordem teórica diz respeito às formas de uma arte que se enuncia no campo da produção pública e que pode ser identificada numa certa ordenação histórica.

Entre os anos sessenta e setenta, do século XX, as formulações de uma arte crítica ganham os contornos da problemática política e num acerto entre as duas áreas – a arte e a política – temos a enunciação de um conjunto de obras que buscam mais metonimizar o campo político, por contigüidade a ele. O tema e o conteúdo ganham força em relação aos meios e a poética se reduz fortemente a eleição de certos modelos constituídos e que se adequam à formulação dos comentários da arte.

Em grande parte, compreende-se a força elocucionária da Pop Art e o modo como esta pode servir ao seu uso enquanto comentário para a política.

Por outro lado, também no contexto dos anos setenta, temos o acento das relações sociais imbricadas no fazer artístico e sua expansão para o campo educacional[1].

As relações entre arte, sociedade e cultura tornam-se preponderantes em muitos casos e servem, a partir da década de 1980, ao desenvolvimento de cruzamentos entre categorias produzidas no campo das ciências humanas e sociais e as obras produzidas. As análises passam a tomar a si problemas como o gênero / sexo, etnias / raça, homossexualidade / queer art. Perguntas em torno da existência de formas de arte feministas, artistas mulheres, arte homossexual, permeiam o cenário e o vocabulário da arte.

Paralelamente, na década de 1990, um sintoma que se refere a este mal-estar em relação à arte – e até mesmo ao uso desta palavra – acaba por constituir grupos de resistência em torno de ações poéticas que provoquem uma falha nesta ampla continuidade multicultural.

Desse modo, campos como o da estética relacional, acabam por enunciar um novo modo da configuração das relações entre a estética e a ética, entre a arte e a política, entre a intervenção artística e a educação em arte e a educação estética.

Nesta zona de produção em arte, o vídeo tem demonstrado ser uma mídia de grande capacidade de exploração, por conta de ser uma zona entre – imagens e um modo de promover visibilidades – de fazer ver algo da ordem do registro -, transformando-as em visualidades estáveis em torno do mundo contemporâneo.

O registro como algo da ordem da poética integra-se à dimensão do artista enquanto etnógrafo, comum ao mundo hodierno.

A arte tem como critério no campo sócio-cultural e terapêutico uma dimensão de ultrapassagem dos registros de uma ético-estética tanto do social quanto da clínica.

Todos estes desdobramentos ganham contornos originais quando olhados do ponto de vista da performance e da performance arte.

Pois, paralelamente aos desenvolvimentos e compromissos da arte para com a sociedade e para com a clínica e com a cultura, trata-se de reconhecer a performance enquanto arte. E, para tal tarefa, é preciso torná-la ou tomá-la enquanto conceito e enquanto campo de significação abrangente. Assim, a noção de performance acaba por ser identificada a uma forma de prática poético-artística que acaba por expandir sua própria definição, tanto no plano semântico-lingüístico[2] quanto no das práticas artísticas e nos circuitos institucionais

Quando RoseLee Goldberg situa a inserção da performance como forma de arte e como linguagem autônoma na década de 1970, época na qual tendências como body art, living art e actual art se tornam mais conhecidas e alcançam espaço em festivais e críticas em revistas especializadas, ela confere à performance um estatuto de formalização e comunicação de conceitos com a utilização de um ou múltiplos meios e linguagens, tendo como tônica o desenrolar de um fluxo dinâmico em tempo real, uma ação viva. A performance tornara-se ponto de encontro entre artes, no qual formas de diálogo não convencionais confluiriam; zonas de entrelaçamento entre arte e vida e a disposição a uma experimentação de fusão dos agentes/artistas/interatores com a totalidade intertextual, multisensorial (visual, sonora, verbal, tátil) e experiencial do evento. (HANNS, 2005: 43-44)

No plano das práticas artísticas a abertura da definição em performance acaba por ganhar um lugar próprio e expandir-se no contexto do mundo da arte afetando as formas tradicionais de organização das práticas artísticas (como a pintura, a escultura, dança clássica, teatro etc.), enquanto ocupação dos espaços (galerias de arte, museus), nas formas experimentais dos trabalhos e nos LIVE EVENTS, tornando-se mais e mais complexa, na medida em que, cria um público próprio (muitas vezes co-criador) e, a partir dos anos setenta do século XX, uma disciplina acadêmica tornada ela própria um Departamento, a Performance Studies.

Nestes termos, os Estudos de Performance tornaram-se um tipo de conceito operacional e de crítica que toma posições em relação a uma disciplina da tradição do século XIX, a História da Arte, produzindo um meta-comentário de ordem artística e de ordem conceitual (do conceitual filosófico ao conceitual artístico). Em nossos estudos, o conceito de performance funciona como categoria interna da produção artística que se revela produtiva no pensar de uma História Interartes. Esta categoria permite uma reconfiguração da problemática dos séculos XVIII e XIX e dos embates entre Kant / Hegel, Estética / Filosofia da Arte (Teoria da Arte, História da Arte), com a geração de textos distintos para o campo da crítica de arte. E, ainda mais, garante o reconhecimento de um estatuto interssemiótico na produção artística, um estado comunicacional entre as diferentes linguagens, privilegiando as zonas de fronteira entre as artes[3] e os trânsitos do campo hegemônico na História da Arte (enquanto artes plásticas e, posteriormente, Artes Visuais) para uma apreensão de uma história entre imagem, texto, som, corpo.

Neste escopo, o paradigma fundacional da performance é anterior a ela e diz respeito justamente a esta experiência constituída no cinema e da formação de um paradigma audiovisual (o que gerará uma cultura audiovisual). Segundo Jean Lauxerois e Peter Szendy (IRCAM), no prefácio da apresentação dos textos-colóquio sobre a diferença entre as artes, o cinema é, historicamente, a forma interartística, por exemplo, superando os modelos românticos de fusão das artes que tinham como mote uma teatralização na integração de todas as artes (a obra de arte total)[4].

Assim, performance pode ser observada como forma integrante do paradigma do audiovisual e deste modo devemos pensar na abordagem de sua documentação.

Le cinéma pose en effet de façon neuve la question du spectateur, du public, de l’image. Le cinéma propose un modele d’identification ou la scène comme lieu d’incarnation d’un personnage n’est plus au premier plan. On pourrait suivre ici, en la détournant de son contexte immediate, cette remarquable intuition de Walter Benjamin. […]

Le paradoxe du cinéma, n’est-ce pas en effet que le espectateur s’indétermine pour ainsi dire dans l’identification? Le lieu de ce paradoxe, ce serait aussi qu’il n’y a plus pour l’acteur d’identication imaginaire: il n’incarne plus un personnage susceptible d’être toujours réincarné (OEdipe, Hamlet), mais un role dont il est déjà l’etoffe et la découpe. Don til devient le type. Le film, dès lors, relève du remake: “Un film, écrit Greenaway, ne peut pas être retravaillé (re-worked), il peut seulement être refait (re-made).” (LAUXEROIS E SZENDY, 1997: 21-22)

Se pensarmos desse modo, um procedimento de identificação por indeterminação ocorre no paradigma do cinema, ou seja, instala-se uma zona e uma estética típica do intervalo, um fora do dentro, um extraterritorial. O público e o artista já não podem estar identificados a um papel determinado (como no teatro), reconhecível (chegando quase a ser ou a ser um arquétipo – Hamlet, Édipo) e reencarnável a cada vez que a cena se instala. A cena fílmica se dissolve no entorno. Desse modo, a fórmula da identificação no filme pode ser resumida em preenchimento e recorte. Não há nada a ser retrabalhado, somente refeito.

Sans doute est-ce à partir de cet horizon ouvert par le cinéma que les autres arts se voient obligés ou tentes de réinventer à la fois leur condition d’exposition et la perception qu’ils appellent. Le happening n’est plus strictement parlant du théâtre; les installations sont aussi une mise en exposition du regard (parfois de l’ecoute) et de sés conditions. C’est en ce sens que Greenaway peut espérer “utiliser le langage cinématographique en dehors du cinéma”, c’est en ce sens qu’il peut announcer “une certaine forme de méga-cinéma” que deviendrait selon lui l’exposition (exhibition). (LAUXEROIS E SZENDY, 1997: 22)

Nestes termos, o cinema nos convoca agora a um tipo de reflexão sobre os modos de mostrar e de perceber um trabalho. E as demais artes abrir-se-ão a este procedimento do pensamento. Dos happenings (live events) às instalações, o que é exposto é o próprio olhar – e a escuta – e as condições da produção de uma sensibilidade audiovisual – uma sensibilidade ótico-sonora. Esta forma-linguagem pode então sofrer a expansão do seu campo (Krauss).

Se desde a fotografia falamos de uma arte do tempo, com o cinema, o vídeo, a videoarte e a arte digital aperfeiçoamos o controle desse tempo. Entendemos a interatividade como uma interferência do espectador na temporalidade da obra.

[…] As instalações contemporâneas produzem novas circunstâncias espaciais para a experiência do cinema: multiplicam as projeções, permitem conexões variadas entre as imagens e geram ambientes imersivos.

A prática dos artistas neoconcretos, entre 1959 e 1961, colocou fortemente as idéias de fim da “moldura” e a de participação na obra. Lygia Clark avançou com a tinta sobre a moldura apagando os limites entre pintura e mundo, e Helio Oiticica pendurou suas pinturas como relevos no espaço. Ferreira Gullar resume dizendo que para os neoconcretos “o fundo é o mundo”, a lógica das sensações foi reinventada por esses artistas, entre outros. O que já aconteceu na obra de vários artistas contemporâneos invade o campo do cinema experimental. Também no cinema passa a ser difícil definir limites: Isto é cinema? Isto é poesia? Isto é arte? Isto é multimídia? Isto é instalação? O que seria o filme depois de tantos impensados movimentos das imagens contemporâneas? (MACIEL, 2005: 61-62)

Desse modo, estamos falando de uma cadeia paradigmática cuja perspectiva ampliada é a da geração de interfaces, numa abordagem interartística de uma interssemioticidade. Kátia Maciel lembra os brasileiros do neoconcretismo e o gesto de apagamento / supressão da moldura. Em nossa perspectiva este encontro já está antecipado na fórmula que se ocupa da pintura gestual e seu registro documental dentro do paradigma do audiovisual – Pollock. Nele, a combinação já designa o conceito operacional da performance e o modo como esta contaminação performance-audiovisual será decisiva para a determinação da marca da contemporaneidade e suas possibilidades emergentes em relação às artes do corpo (o gestual encadeado em performance, action painting / live art / action artist) e em relação às artes audiovisuais (do imaterial ao virtual).

Após o gesto de síntese pollockiano devemos falar na Pop Art (Roy Lichtenstein, Claes Oldenburg, James Rosenquist, Andy Warhol) e em Nam June Paik.

In the early 1960s, Pop Art introduced imagery from television, photojournalism, comic books, and commercial advertising into the art museum. Roy Lichtenstein, Claes Oldenburg, James Rosenquist, Andy Warhol, and other were intrigued by the fact that vast audiences, across social and economic lines, were deeply familiar with the subject matter of their ironic and emblematic paintings. The elevation to “high art” of mass culture, previously considered nothing more than a by-product of consumerism on a giant scale, would trigger early studies of “low art” by a handful of writers and critics. […]

Andy Warhol’s “Factory” on East 47th Street and from 1967 on Union Square was not only the space where he made his movies, took Polaroid photographs of celebrities, and later generated ideas for Interview magazine, but was also a venue for stylish parties and where The Velvet Underground was launched. The eloquent boredom of those who spent hours daily in each other’s company at the Factory, was captured by Warhol in several films that seamlessly joined performance and the real life of underground New York. In Warhol’s world, real time had its own overriding aesthetic: a twenty-four-hour shot of the Empire State Building (1964), or a film of the poet John Giorno sleeping, Sleep (1963), was a revelatory encounter with daily existence, minute by minute, hour by hour. (GOLDBERG, 2004:179)

Com a Factory, por um lado, a combinação entre arte, underground, design e cultura pop estava realizada, anunciando o que seria a estética publicitária do mundo das artes e da cultura a partir da década de 1980. Por outro lado, um campo ontológico também estava a ser fundado. Lado a lado da leitura baudrillardiana do Warhol’s world encontramos nesta transparência um estatuto espiritual da imagem banalizada, como quando Tarkovski comenta os trabalhos, em tempo real, dos filmes realizados na Factory[5].

Around the same time, Sony’s Portopac, a hand-held video-camera designed and priced for the non-professional, became widely available. Several artists whose work involved performance, like Nam June Paik, Joan Jonas, Vito Acconci, and Bruce Nauman, incorporated the video camera and monitor into their work. Making a video or making a performance involved more or less the same process, although the latter usually included an audience-for many artists in the 70’s, the two were interchangeable. (GOLDBERG, 2004: 179-180)

A combinação primordial entre imagem (imaterial) e corpo (material, performance, live art) será também contaminada pelas lógicas conceituais e pelas formas sonoras experimentais. Paik irá agora combinar os elementos performáticos, os aspectos conceituais e as relações entre imagem-som num jogo de apropriação, crítica e uso efetivo em relação às potencialidades das relações entre arte e comunicação (e novas tecnologias).

Ao historiador da arte contemporânea cabe a compreensão desta articulação, que o auxilia a definir o campo de pertencimento da contemporaneidade, mesmo quando falamos da produção de obras em técnicas e meios tradicionais (como a gravura, a pintura, a escultura, o teatro, etc.). A partir disso, poderá ir estabelecendo seu campo de atuação e a apreensão dos modos como artistas e obras advindas de diferentes disciplinas podem estar interconectados a estes modos expositivos inaugurados pelo paradigma do cinema.

Por outro lado, ao produzir a História da Arte contemporânea, revelamos também a possibilidade da produção de uma historiografia desta história. A reflexão acerca do objeto da história da arte nos permite o desenvolvimento de um olhar para as artes do ponto de vista daquilo que foi inaugurado com a modernidade (o cinema) e seus desdobramentos no conceito operacional (o de performance). Esta consciência do historiador propunha ainda o desenvolvimento de comentários e o tracejamento das relações entre estas formas-arte e sua inclusão na produção cultural do tipo midiática. Assim, fazer a História da Arte hoje será também estar atento ao paradigma do audiovisual e suas extensões eletrônicas, nas quais o próprio historiador encontra-se imerso, na medida em que a geração de historiadores mais recente é, ela própria, produto deste tipo de sensibilidade cultural midiática (Goldberg).

Portanto, fazer História da Arte não implica apenas numa abertura aos motes enunciados pela Cultura Visual – e suas freqüentações e apropriações dos estudos antropológicos da cultura, abrindo-se para as estéticas transculturais, com a presença de categorias de gênero-sexo, raça-etnia, etc. – mas faz presente uma reflexão em torno do campo perceptual inaugurado pelo cinema e seus desdobramentos na sensibilidade contemporânea.

Esta perspectiva ganhou mesmo um espaço reflexivo curatorial orquestrado pelo teórico da imagem e da fotografia, o francês, Philippe Dubois. Num projeto denominado de Movimentos Improváveis: o efeito cinema na arte contemporânea[6], o teórico e curador sustenta a idéia de que o efeito cinema permitirá a compreensão do que sejam as imagens e a visão[7], gerando não apenas o efeito cinema como também o cinema de exposição, tema tratado no trabalho acima indicado de Kátia Maciel.

Neste trabalho, importante alvo de nossa pesquisa, há um questionamento do ato de ver e da verdade do visível, tratando de uma ontologia da imagem que questiona uma ética sustentada nas imagens. Num procedimento denominado de desterritorialização (Deleuze) das imagens, encontramos o entendimento da estética do intervalo.

Para a compreensão deste efeito-cinema e suas correlações com o conceito ampliado de performance ressalto dois grandes aspectos. O primeiro deles diz respeito ao que Dubois chama de cinema de exposição, numa lógica que se instala em todo o art world.

Os vestígios desse efeito cinema são múltiplos. Isso começa já no nível da organização institucional, com a presença efetiva e crescente do cinema nos (grandes) museus de arte do mundo inteiro, ainda que, com freqüência, a separação, ao menos física, continue sendo relativamente mantida, já que nessas instituições as retrospectivas de filmes, mesmo sendo ligadas por temas às grandes exposições do museu, são, entretanto, projetadas em salas distintas (vários grandes museus, como, em Paris, o Centre Georges Pompidou, o Musée d’Orsay ou até o Louvre – sem esquecer o exemplo histórico do MOMA em Nova York, onde toda uma Cinemateca é um departamento do museu – adquiriram, ao longo dos últimos vinte anos, coleções de filmes, salas de projeção e principalmente programação regular de filmes – a do Louvre em particular revela-se fascinante e inovadora, pois é concebida sobre um modo warburguiano em que cada sessão parece como uma exposição-montagem de vários filmes heterogêneos, unidos por laços originais e não históricos. (DUBOIS, 2003: 7)

De um outro lado, vemos que o efeito cinema irá garantir o cruzamento das fronteiras entre arte e comunicação. Nestes termos, faz-se necessária a identificação de alguns novos formatos de produção tais como, o videoclipe (a música como meio-condição da produção das imagens e o trânsito da afecção da música pela imagem, da música sendo alterada ou até produzida em função da imagem e da performance da imagem[8]) e a produção de filmes de arte para o formato TV (videoarte, audiovisuais com encenação poética visual de uma música, etc.), de trabalhos pensados e produzidos enquanto performance e formas de entretenimento (música eletrônica e performance em exposições, videoclipe, cena eletrônica), até chegar aos modos de realização de obras corporais especialmente para o enquadramento em vídeo (videoperformance e videodança), transitando o corpo para uma imagem propriamente dita.

Para este âmbito, vimos o desenvolvimento de uma cronologia internacionalizada em torno da videoperformance e da videodança. Para a videoperformance, esta cronologia é deveras ampla e complexa e deve sempre estar sendo referida aos contextos da performed fotografia, dos filmes, das polaroides e dos eventos festivos na cena underground e, posteriormente, no circuito institucional de galerias e de museus. No caso da videodança, a compreensão promovida é a de que esta cronologia não-linear resulta em três momentos significativos do cruzamento entre as operações fílmicas e as operações da dança. São eles, a dança como objeto do cinema-linguagem, a documentação em dança e a dança feita em vídeo e em filme-película (um filme-dança).

No primeiro momento, este encontro gerará as relações entre cinema e dança através do objeto privilegiado do cinema: o filme. A dança é vista, nas primeiras décadas do século XX, como sendo um excelente meio para a exploração das possibilidades do cinema enquanto arte e enquanto técnica. Daqui, desdobrar-se-ão as estabilizações desta operação fílmica (Deleuze), nas formas dos gêneros (o musical) e dos estilos dentro dos gêneros de filmes.

Nos anos setenta, a dança ganhará também um espaço na forma documental – indo do documentário sobre companhias aos filmes que possuem, numa forma ficcional televisiva, elementos de caráter histórico, biográfico, contando a história de companhias, grupos, e, mais especialmente, de artistas. Isto acabará por gerar um vasto conjunto de híbridos que se assemelham ao campo da arte conceitual e das práticas da performance, fazendo referência ao campo de uma prática artística e sua história em modos inusitados, como por exemplo, conferências, palestras falando sobre uma arte em lugar da manifestação de sua prática – modelo mais generalizado com uma globalização multiculturalizada das artes entre a segunda metade da década de 1980 e os anos 1990.

Dos anos oitenta para cá e com um movimento de internacionalização a partir da década de 1990, assistimos a uma tomada, por parte dos artistas, à frente do processo de apropriação e uso das tecnologias na construção de espetáculos e na problematização das linguagens. Trata-se propriamente de abordar, do ponto de vista dos artistas, os sistemas interartísticos e as questões de ordem semiótica e as questões de ordem institucional e do mercado de bens simbólicos.

Para finalizar, ressaltamos novamente a importância das categorias produzidas no interior das práticas artísticas na construção da sua história – História das Artes -. Deste modo, estudar a História Interartes do mundo contemporâneo é acedê-lo através das chaves de leitura propostas pelos estudos de performance e pelo paradigma do audiovisual.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

AMBRIZZI, M. L; NORONHA, M. P. “Vídeos experimentais em história da arte. De Interartes: Kandinsky, música, pintura e o espiritual na arte ao estudo documental de Santuários artísticos [Kracjberg (BA), Dona Romana (TO), Projeto AREAL (RS) e Nêgo (RJ)]” in: Anais Eletrônicos do XII Congresso Regional de História – ANPUH / RJ, Simpósio Temático O Audiovisual na Contemporaneidade.

GOLDBERG, RoseLee. (2004) Performance. Live Art since the 60s. United Kingdom, Thames & Hudson.

HANNS, Daniela Kutschat. (2005) « Considerações sobre o corpo e o futuro da arte », in : GARCIA, Wilton (org.) Corpo & Arte – estudos contemporâneos. São Paulo : Nojosa, 2005. pp. 43-49

LAUXEROIS, J. Et SZENDY, P.   (1997)   De la Différence des arts, textes réunis par Jean Lauxerois et Peter Szendy, IRCAM – Centre Georges-Pompidou / L’Harmattan. Cursifs (en guise de préface).

MACIEL, Kátia. “Por um cinema sensorial: o cinema e o fim da ‘moldura’.”  In: CONEXÃO – Comunicação e Cultura. Caxias do Sul, RS: EdUCS, 2005. pp. 61-71.

CATÁLOGO DE EXPOSIÇÃO.

Movimentos improváveis: o efeito cinema na arte contemporânea. Curadoria Philippe Dubois.  Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 2003.


[1] Na década de 1980 e 1990, acentuam-se os modelos educacionais em arte voltados para os problemas da cultura. A questão artística – tomada como linguagem desde a virada do século XX, nos projetos da virada das vanguardas e dos modernismos – passa a ser pensada a partir de um paradigma não-explicitado de ordem antropológica – o cultural, o contexto.

[2] No plano semântico, a noção de performance desdobra-se em concepções de LIVE ART (experimentos de unificação da percepção com o psíquico e do pensamento com a ação, incluindo interação e participação do público), PERFORMANCE ART, PERFORMANCE (THEATER AND DANCE), BODY ART e ACTION ART.

[3] Esta noção de fronteira entre as artes e o seu trânsito permite o reconhecimento de uma estética dos intervalos (IRCAM), com base na fundação de uma zona de vazio entre uma arte e outra e o reconhecimento deste não-lugar enquanto possibilidade de produção e manutenção do mistério, aos moldes de uma busca do sentido do sentido, nos termos desdobrados da ontologia da obra de arte (hegeliana), passando por Nietzsche, Schopenhauer e chegando aos termos de Heidegger. Em outro texto, comentamos esta ontologia do ponto de vista das relações entre arte e religiosidade e como esta busca do sentido do sentido assume um lugar do sagrado e ou um lugar do vazio. É o caso que será investigado na produção do vídeo sobre os Santuários Artísticos e o sagrado natural (Kracjberg), o sagrado transcendental onde os objetos são eles próprios resíduos (uma forma da arte povera?) e ruídos nos canais  de uma comunicação com outros planos de realidade (Dona Romana), a comunicação do natural (Nêgo) ou a afirmação de zonas fronteiriças e a invenção do vazio como lugar do artista (projeto transcendental do modernismo, semiótica russa, Projeto Areal). Ver AMBRIZZI, M. L; NORONHA, M. P. “Vídeos experimentais em história da arte. De Interartes: Kandinsky, música, pintura e o espiritual na arte ao estudo documental de Santuários artísticos [Kracjberg (BA), Dona Romana (TO), Projeto AREAL (RS) e Nêgo (RJ)]” in: Anais Eletrônicos do XII Congresso Regional de História – ANPUH / RJ, Simpósio Temático O Audiovisual na Contemporaneidade.

[4] Os autores comentam o importante embate em torno de um conceito de teatro que estaria implícito na obra de arte total chegando ao minimalismo, no dizer do historiador da arte, o norte-americano, Michael Fried. Para eles, o cinema, seguindo um raciocínio desenvolvido por Peter Greenaway não apenas afirma uma nova forma-arte – o filme enquanto arte – como também faz do cinema um paradigma audiovisual que contamina os modelos de produção de todas as outras artes a partir do seu advento. Desse modo, há uma tensão entre teatro e cinema, representando as estéticas da fusão e a do intervalo. De la Différence des arts, textes réunis par Jean Lauxerois et Peter Szendy, IRCAM – Centre Georges-Pompidou / L’Harmattan, 1997. Cursifs (en guise de préface).

[5] Ver AMBRIZZI, M. L; NORONHA, M. P. “Vídeos experimentais em história da arte. De Interartes: Kandinsky, música, pintura e o espiritual na arte ao estudo documental de Santuários artísticos [Kracjberg (BA), Dona Romana (TO), Projeto AREAL (RS) e Nêgo (RJ)]” in: Anais Eletrônicos do XII Congresso Regional de História – ANPUH / RJ, Simpósio Temático O Audiovisual na Contemporaneidade.

[6] Movimentos Improváveis: o efeito cinema na arte contemporânea é a exposição realizada no CCBB-RJ, durante o período de 19 de maio a 13 de julho de 2003.

[7] Dubois chega a afirmar no texto do catálogo da exposição que o cinema anuncia o novo estado das imagens, o problema do material-imaterial, da reprodução técnica, da experiência, da montagem, da apropriação, etc. e que “testemunham o domínio do cinema como modelo do pensamento que funda toda a nossa relação com as imagens.” (DUBOIS, Catálogo da exposição Movimentos improváveis: o efeito cinema na arte contemporânea, CCBB :6)

[8] Há alguns anos, na cultura pop, bandas foram criadas para a apresentação performática de músicas que eram realizadas em estúdio, por grupos desconhecidos – é o caso de Frank goes to Hollywood. Na música popular, artistas brasileiros realizavam suas performances em inglês, nos anos setenta. Mas o caso que me parece paradigmático diz respeito ao desenvolvimento da cantora Madonna. Ela é uma video-cantora e uma one-woman-show. Todo o seu trabalho musical depende das articulações feitas em registros visuais – a imagem em seus diferentes níveis e aplicações – e corporais – a dança. A música é quase sempre acompanhada de um videoclipe e vive nele, instalando uma estética e uma movimentação.

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