Os 3 (Nando Olival, 2011)

João Paulo Capelotti*

Poster do primeiro filme de Nando Olival

É difícil assistir a “Os 3” e não se lembrar do período da faculdade, principalmente para quem estudou numa cidade distante e diferente daquela em que nasceu e cresceu. Não só pelo retrato que o filme faz do desafio cotidiano que é morar em república, mas principalmente pelas fortes amizades que se estabelecem nesses anos.

“Os 3” trata de como Camila (Juliana Schalch), Rafael (Victor Mendes) e Cazé (Gabriel Godoy) se conhecem por acaso e logo se descobrem inseparáveis. Com o final da faculdade – que, para eles e para a grande maioria, tem conotações melancólicas – os protagonistas veem uma maneira de prolongar o status quo aceitando a oferta de um empresário para implantar uma espécie de “Big Brother” particular, no qual o espectador teria a oportunidade de comprar os produtos utilizados por eles. Tal como os programas semelhantes da televisão, porém, a audiência só vem quando as relações entre os participantes ganham cores mais fortes. No caso, essas cores vêm com o desrespeito da regra que havia sido fixada, para que nunca houvesse qualquer envolvimento amoroso entre os três amigos.

Houve quem visse nesse plot uma crítica rasa e mal desenvolvida à sociedade de consumo e aos reality shows. Prefiro entender, por outro lado, que “Os 3” utiliza esses elementos – consumismo e reality show ­– apenas como desculpas para o verdadeiro cerne de sua história, que são as relações de afeto entre jovens universitários no Brasil contemporâneo. Ainda que, no filme, essa relação tome uma forma um tanto sui generis, tendo em vista que os triângulos amorosos dos romances, dos filmes e das telenovelas quase nunca beiram as raias do ménage a trois.

É possível amar igualmente duas mulheres, ao mesmo tempo? Já se perguntava o Doutor Jivago (Omar Sharif) no longa homônimo de David Lean (1965). Mas, enquanto nesse clássico apenas uma das pontas do triângulo (o próprio Jivago) se relacionava com as outras duas (vividas por Julie Christie e Geraldine Chaplin), o cinema contemporâneo tem apimentado bastante esta angularidade. Tanto em “Os 3” como em “Os Sonhadores” (direção de Bernardo Bertolucci, 2003), rompem-se barreiras de moralidade e sexualidade para que as relações avancem a ponto de todos os vértices terem alguma experiência entre si. (A propósito, no ainda inédito Triângulo Amoroso (3, 2011) do diretor alemão Tom Tykwer (de “Corra, Lola, Corra” e “Perfume”), marido e mulher traem um ao outro com o mesmo homem.)

Victor Mendes, Juliana Schalch, Gabriel Godoy se destacam no papel de Cazé, Camila e Rafael

Em “Os 3”, Nando Olival não deixa de expor uma juventude que, a par de algumas exceções, não marcha nas ruas. É um contraste acentuado com “Os Sonhadores”, em que Isabelle (Eva Green) e Theo (Louis Garrel) abandonam Matthew (Michael Pitt) em nome das passeatas e dos confrontos com a polícia no Maio de 1968 em Paris (ainda que, aos olhos de Matthew, a luta pareça vazia). Aparentemente, os protagonistas de “Os 3” são jovens para os quais os fins justificam os meios, centrados nos próprios interesses, ainda que eles sejam difusos pelo trio.

Ao mesmo tempo, o diretor não deixa de observar um traço fundamental da contemporaneidade que é a internet, seu potencial para exposição voluntária da vida privada e como a nova geração se adequou a tudo isso, ao mesmo tempo em que é constantemente engolida pelo que ajudou a criar – problema tão bem exposto e desenvolvido por David Fincher em “A Rede Social” (2010). Mas enquanto Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg) criou um mundo virtual como arremedo para seus insucessos do mundo real, em “Os 3” Camila, Cazé e Rafael “vendem” uma realidade que é em parte falsa para eles, mas real para quem a assiste da internet, em nome da única coisa que lhes interessa, que é a sobrevida em conjunto após o final da faculdade.

É narcisista ou imatura a decisão de manter a todo custo o período universitário que, necessariamente, tem data para acabar? Para “Os 3” a questão não é essa, e vai mais além. A simbiose do trio é carregada para a vida, e resiste ao fracasso da primeira tentativa de preservá-la. A conexão que Camila, Cazé e Rafael estabelecem entre si, neste ponto, mostra-se mais profunda e, portanto, duradoura, que a dos sonhadores Isabelle, Theo e Matthew.

Um último ponto que mereceria reflexão é o comentário de que o retrato da classe universitária de “Os 3” é estereotipado e por pouco não se compara ao do seriado “Malhação”, como afirmou Alysson Barbosa, do Cineweb[1].

O ponto em que “Os 3” parece mirar, porém, é outro. Camila, Cazé e Rafael não são estereótipos, mas arquétipos. Enquanto o conceito de estereótipo designa a imagem preconcebida de determinada pessoa, o arquétipo, na psicologia junguiana, remete às imagens consolidadas no imaginário coletivo a partir da repetição de uma mesma experiência (por exemplo, a imagem do “velho sábio”). Nesse sentido, aparentemente a preocupação do roteiro, do figurino e da direção de arte é representar a repetição do que comumente se vê associado aos universitários. Isto é bem demonstrado na cena da escada, em que Bárbara (Sophia Reis), a prima de Camila que em determinado momento pede abrigo na república, ilustra em poucos adjetivos os traços determinantes da personalidade de cada um, que se aplicam aos “papéis” que eles representam no “reality show” (e/ou na vida real).

Mesmo a questionável cena em que os protagonistas fumam maconha, embora penda perigosamente para o conceito de estereótipo, talvez represente apenas uma constatação do que realmente fazem muitos dos universitários. Ainda que isso não represente o que a maioria faz, trata-se de um comportamento que, de tão exposto, acaba associado a essa categoria social. A opção de não submetê-lo à mesma crítica ácida feita em “Tropa de Elite” (José Padilha, 2007) atende a conveniências do roteiro e da direção.

Isto porque, fundamentalmente, não há em “Os 3” uma preocupação tão grande com a realidade. O escopo da obra, entendo, é o retrato de universitários vivendo em “condições ideais de temperatura e pressão” conforme o conceito que eles mesmos fazem do que seriam essas condições. Não há julgamentos morais (a não ser quase no final), nem qualquer preocupação com contas a pagar (como tarefa cotidiana, embora o dinheiro seja em parte motivador da decisão de instalar as câmeras). Os pais não telefonam e não são telefonados. Embora pouco crível do ponto de vista da realidade, para quem objetiva apenas viver em simbiose com os outros dois amigos, caso do filme, parece não haver condições de vida melhor.

Aliás, semelhança grande entre “Os 3” e “Os Sonhadores” é, precisamente, que o trio de protagonistas não faz absolutamente nada além de se divertir e administrar as crises que surgem do relacionamento tríplice. Diverge de espectador para espectador o que isso representa. Para alguns, é o retrato de pessoas bem nascidas, vazias e egoístas, cuja farra é sustentada pelos pais (como fica explícito numa das cenas finais de “Os Sonhadores”) ou pela sociedade de consumo (caso de “Os 3”). Para outros, pode ser a evocação e o elogio da juventude, e de como esse parece o momento certo para aproveitar a vida enquanto é possível – conforme ensinava Ferris Bueller (Matthew Broderick), o protagonista icônico de “Curtindo a Vida Adoidado” (John Hughes, 1986).

Todavia, quem trabalhava durante a faculdade, voltava para a casa dos pais nas férias e nos feriados, dava satisfações da vida e tinha que controlar bem o orçamento do mês não está impedido de se identificar com muitos dos aspectos retratados em “Os 3”: sofás amontoados de gente, quartos e piscinas improvisados, ambientes mal iluminados, motivos banais para festas, ressaca moral, brigadeiro de panela, chinelos, barba por fazer, All Star, tatuagens e, primordialmente, a criação de fortíssimos vínculos de amizade. Em que pontos me vi – e em que pontos não me vi – identificado nessa representação arquetípica do universitário é algo que ainda me pergunto. Representação fiel ou distorcida, a tela do cinema é mesmo um espelho.


[1] Disponível em: http://cinema.uol.com.br/ultnot/reuters/2011/11/10/em-os-3-nando-olival-encaixa-triangulo-amoroso-de-jovens-amigos-em-reality-show.jhtm. Acesso em 23.nov.2011.

*João Paulo Capelotti é graduado em Direito pela UNESP/Franca e mestrando em Direito das Relações Sociais na UFPR.

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