Os Descendentes (Alexander Payne, 2011)

Por Thiago Jacot*

Alexander Payne já tinha acertado a mão para o filme Sideways – Entre Umas e Outras (Sideways, 2004) e faturou o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado em 2005. O filme é excelente, com personagens muito bem construídos aliados a uma história muito divertida e criativa. Os atores estão formidáveis em suas interpretações pelas terras produtoras de vinho na Califórnia. O filme merecia, inclusive, visibilidade maior do que apenas o prêmio para Roteiro Adaptado. Agora, em 2012, Payne retorna na corrida Oscar com seu novo filme, Os Descendentes (The Descendants, 2011), indicado nas categorias de Melhor Filme, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Ator para George Clooney, Melhor Diretor e Melhor Edição, vencendo novamente o prêmio de Melhor Roteiro Adaptado para o trio Payne, Nat Faxon e Jim Rash. Antes de pisarem no tapete vermelho, eles já tinham recebido o prêmio do sindicato dos roteiristas, comprovando com a vitória que de fato eram os favoritos.

O roteiro é baseado no livro da escritora havaiana Kaui Hart Hemmings, que conta a história do advogado Matt King, no filme, interpretado por George Clooney. Matt é responsável pelo espólio da família que possui a herança de terras um dia pertencentes aos seus ancestrais da realeza havaiana. As vésperas de fechar um acordo imobiliário de meio bilhão de dólares que beneficiaria a seus primos e a ele próprio (os descendentes), sua esposa sofre um acidente de barco e entra em coma. A desconstrução de imagens começa nesse instante.

Normalmente o Havaí é idealizado como sendo uma terra paradisíaca aonde os problemas do homem moderno não chegam e seus moradores estão livres de tais mazelas exclusivas dos mortais. Um pequeno engano que habitualmente nos é vendido como pacote turístico. Em oposição, logo no começo do filme, conhecemos os pensamentos do personagem em voz over contando sobre seus dramas pessoais e nos apresentando um lugar diferente daquele que o senso comum conhece como uma terra tocada pelo divino. Há anos ele não surfa, por exemplo. Mesmo que os executivos e pessoas importantes usem camisas floridas (típico arquétipo cultural havaiano) para trabalhar e o clima de férias de verão esteja aparentemente instalado em caráter permanente, o drama e o sofrimento também fazem parte daquela população. É estabelecido concomitante com a desconstrução, um perfeito contraste entre um problema pessoal do personagem e o paraíso que o cerca. Um belíssimo lugar em detrimento ao drama da vida de Matt.

George Clooney está impagável no papel de Matt King e mereceu sua indicação a estatueta dourada pelo seu trabalho. Não precisou da fama de galã para exercer um ser humano normal. Uma interpretação fantástica. Clooney estabelece um equilíbrio perfeito entre o drama e a comédia, faz rir e chorar com muita naturalidade, sem exageros. Suas expressões faciais ao longo do filme marcam e enrugam o rosto de um homem que está sofrendo, mas se segura e contêm-se para ser forte diante da situação vivida. Forte, pois sua relação com a esposa não andava tão bem e porque precisa lidar com os conflitos na relação pai e filhas desencadeados mais ainda pelo acidente da esposa. Uma delas está no auge da puberdade querendo viver a vida como adulta, e a outra, a caminho dela. Elas precisam do pai nesse momento difícil. Prova da interpretação talentosa também é a cena em que ele aparece correndo de chinelo pelas ruas da vizinhança, suado e todo desengonçado, cena hilária que não foge do equilíbrio sabiamente traçado.

Para tanto, as relações familiares, o passado, presente, futuro e a reflexão do que realmente é importante na vida e sua brevidade é colocada em questão. Não há um aprofundamento de tais questões na trama, com reflexões intensas. Não cabe ao filme esse papel, no entanto a abordagem é feita de forma sutil e de forma muito hábil pela câmera de Payne. As sutilezas colocadas são muito mais expressivas do que uma discussão que teria como proposta uma investigação profunda. Uma experiência traumática como essa faz com que o personagem de Clooney perceba a forma como tem se relacionado com suas filhas e queira se aproximar delas. Uma reflexão muito particular, na verdade, para descobrir o que faz sentido cultivar. Os verdadeiros descendentes do título do filme passam a ser suas filhas, pessoas que realmente são importantes. Dessa maneira, a questão do terreno apresentada no começo fica em segundo plano e não acrescenta no desenrolar da narrativa.

Os Descendentes de Alexander Payne comprova como o diretor escolhe histórias criativas e as desenvolve em uma direção de atores extremamente eficiente. Essa direção aparece em longas anteriores como As Confissões de Schmidt (About Schmidt, 2002) com Jack Nicholson e o já citado Sideways de 2004, onde ele dirigiu Paul Giamatti e Thomas Haden Church em grandes momentos. Dessa maneira, Os Descendentes possui vários elementos para uma boa história cinematográfica. Tudo se encaixa criando um fluxo muito interessante para o filme. Mereceu todas as indicações e mesmo que tenha levado apenas e novamente o prêmio de Melhor Roteiro Adaptado, Payne e sua equipe fizeram um belo filme em outras categorias não premiadas. O tom e o ritmo do filme caminham harmonicamente e proporcionam uma ótima sessão.

*Thiago Jacot é graduando do curso de Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Editor Geral da Revista RUA.

Author Image

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

More Posts

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

Este post tem 2 comentários

Deixe uma resposta